Os 10 Melhores Filmes de 2020
Ufa, a Terra deu mais uma volta em torno de si mesma e 2020 chegou ao fim, o que significa que todos os terrores do pior ano da história recente da humanidade ficaram para trás.
Parece ridículo quando dito assim, não?
Sim, 2020 terminou, mas não antes de intensificar ainda mais a transformação do cinema, que cada vez mais se afasta das telonas e se aproxima das nossas casas, algo que deveria ser preocupante para qualquer amante da sétima arte. Sem as cabines de imprensa, assistimos menos filmes que o de costume e a oferta também foi menor, sendo que várias produções ficaram para um 2021 que deve ficar abarrotado.
Graças à lançamentos pontuais no final do ano, pudemos compilar dez que, acreditamos, não deixam nada a desejar. Mas antes de irmos à lista, vamos ver algumas menções honrosas:
A comédia-romântica “Palm Springs” que revigora um sub-sub-gênero completamente saturado; o teatral “A Voz Suprema do Blues”, que conta com a última (e melhor!) performance de Chadwick Boseman; o Sci-Fi com orçamento diminuto, “A Vastidão da Noite”, que figura como um dos melhores filmes de Alien dos últimos 20 anos; o lindo “Rosa e Momo”, que traz uma gloriosa Sophia Loren e uma revelação em Ibrahima Gueye; a reflexiva e humana comédia "Rei de Staten Island"; o apavorante “O Homem Invisível”, que resgata o personagem com seu melhor exemplar no Cinema até hoje.
Agora, nossas listas individuais, este ano foram apenas eu (Marco) e João que montamos a lista, e a oficial logo após:
10
soul
Vivemos em um período em que o cinema comercial parece ter parado de tentar contar novas histórias. Sequências, universos compartilhados, prequels e spin-offs aparecem cada vez mais no nosso vocabulário e todos carregamos um pouco de culpa nisso, pois é inegável que se tornou uma aposta fácil e lucrativa para os estúdios investir em histórias que o público já tenha alguma conexão antes mesmo de sentar na sala de cinema.
Eventualmente alguma empresa quebra essa barreira para nos propor algo novo e eu sempre gosto de louvar essas iniciativas, mesmo quando elas não são bem sucedidas. Mas “Soul” é um grande filme.
A nova aventura emocional proposta pela Pixar impressiona pela sensibilidade que toca nas camadas mais pessoais e individuais que temos. Partindo da história de um pianista e professor de música que, ao ganhar sua esperada chance para tocar em um quarteto renomado de Jazz, acaba tendo alma e corpo separados entre o mundo material objetivo, concreto e o além subjetivo, abstrato. A jornada que embarca com a alma 22, que nunca foi adequada para viver na Terra, traz as maiores forças que o estúdio volta a nos apresentar.
*Texto de João
9
Destacamento blood
Além da pandemia, o segundo tópico mais marcante no mundo em 2020, e nos últimos anos, são os debates raciais, em especial a formação das sociedades contemporâneas e como a perpetuação das relações de poder criam uma estrutura essencialmente racista. Na esfera do cinema, vivemos um momento de novos criadores pautando esse e outros debates relacionados, mas em Spike Lee ainda achamos alguns dos questionamentos fundamentais para entedermos o mundo atual.
No seu último filme, “Destacamento Blood”, o diretor cria uma narrativa negra sobre a guerra do vietnã, um tópico amplamente retratado no cinema com olhar branco.
No filme, vemos quatro ex-combatentes que se reúnem anos depois para voltar ao país asiático, atrás de um tesouro e dos restos mortais do seu comandante que deixaram enterrados em solo vietnamita. Essa busca se mistura com flashbacks da guerra, em que testemunhamos o impacto que o comandante Stormin’ Norman teve na vida dos soldados, agindo como uma espécie de bússola moral, e mesmo que suas mensagens eventualmente sejam interpretadas de maneiras diferentes, o vínculo sustentado por eles é honesto e potente.
Spike Lee ambienta o filme de maneira a dar impressão que não estamos (apenas) vendo o Vietnã, ele reproduz a visão Hollywoodiana do país, através de planos abertos da natureza, da tensão ao avançar por território desconhecido e do estranhamento entre população local e norte-americanos. A edição traz elementos documentais para sustentar os argumentos do diretor, fotos e vídeos enriquecem o conteúdo temático enquanto algumas filmagens alternadas empoderam a forma da história, mais notadamente as imagens de uma radialista vietcongue que dialoga com os soldados negros norteamericanos.
No fim, “Destacamento Blood” cria um paralelo em tela com o movimento Black Lives Matter e mostra que o cinema de Spike Lee segue um dos mais atuais e potentes do cinema contemporâneo.
*Texto de João
8
borat: fita de cinema seguinte
Eu fui um dos que duvidou da capacidade de Sacha Baron Cohen apresentar uma boa sequência para “Borat” 15 anos depois do filme original e preciso dizer que o comediante britânico não só cumpriu a missão como em alguns aspectos até superou o filme original. A volta do personagem ao mundo de 2020, mesmo fazendo todo sentido, não deixou de ser surpreendente e as alternativas encontradas no roteiro para fazer isso de maneira orgânica sem perder a faceta mais realista que tanto chamaram atenção em 2005 são, além de engraçadas, possibilitadoras e não limitadoras de situações dramáticas para o filme.
Partindo de um comentário sobre a triste realidade do crescimento de líderes autocráticos de extrema direita por todo o mundo, Borat ganha a chance de se redimir pela humilhação passada pelo seu país, Cazaquistão, depois de “Borat” ser lançado, para isso ele deve voltar aos Estados Unidos e entregar um presente ao vice presidente de Trump, Mike Pence. Apesar do estado cazaque ter enviado um macaco, Borat acaba chegando em terras ianques com sua filha Tutar (Maria Bakalova) e decide transformá-la em uma mulher desejável para ser o presente inicialmente para Pence e depois para o advogado e amigo pessoal de Trump, Rudy Giuliani.
Se na aventura de 2005, faltava um arco dramático melhor estabelecido para o personagem de Baron Cohen, aqui temos tantos momentos de humor real e dolorido quanto relações escritas pelo roteiro com o objetivo de progredir uma história para o longa e aí Maria Bakalova rouba a cena. A comediante Búlgara, até então desconhecida, serve para achar as situações mais extremas que Borat não consegue mais (visto que agora tanto ator quanto personagem são muito famosos), ela é muito engraçada e supera qualquer expectativa em termos de atuação, sendo cotada para indicações nas mais diversas premiações da indústria cinematográfica.
“Borat: Fita de Cinema Seguinte” faz muito mais que seu predecessor, oferece experiências cruas sobre a situação dos EUA sob a pandemia do coronavírus e a gestão Trump, mas ao fazer isso, acaba mostrando pessoas com coração e disposição à solidariedade. Esses personagens passam por uma senhora que tenta ajudar Tutar a escapar do machismo de seu pai e duas velhinhas judias que confrontam o antissemitismo de Borat (Baron Cohen é judeu) com compreensão e dialogo. Ironicmente, isso se estende até uma sociedade de mulheres republicanas que recebe Tutar apesar das diferenças de comportamento social e inclusive dois homens que falam abertamente sobre exterminar adversários políticos mas mesmo assim recebem Borat na sua casa durante o período crítico da pandemia e respeitam seu comportamento peculiar.
Esse é um dos melhores filmes de 2020 por mais que suas piadas muito, mas muito engraçadas.
*Texto de João
7
first cow
Ainda sem data de estreia e nem título no Brasil, “First Cow” não faria sucesso nem que seus atores fossem em todas as salas de cinema a caráter e conversassem com as pessoas para convence-las a assistir o filme que é sobre, simplesmente, dois mercadores que para sobreviver precisam roubar leite da única vaca da região.
Mas o que poderia ser até mesmo uma comédia se transforma em um pseudo-drama de época. Mostrando toda a miséria que acometia a maior parte das pessoas no início do século 19, somos transportados para um mundo esquecido, cinza e onde a esperança é freada pelo sistema de classes que viria a compor nossa sociedade.
Ainda assim, o longa de Kelly Reichardt não deixa de ser afetuoso com seus personagens, deixando uma marca forte em quem assiste e decidi investir duas horas em uma aventura pouco gratificante, mas repleta de ensinamentos.
*Texto de Marco
6
estou pensando em acabar com tudo
Charlie Kaufman é meu roteirista favorito, um dos mais fascinantes que já surgiram em Hollywood e, surpreendentemente, desde que decidiu se tornar também diretor continua infalível.
Responsável também pelos excepcionais “Synedoche New York” e “Anomalisa”, aqui ele adapta o livro de Iain Reed, onde um jovem casal viaja para conhecer os pais dele, enquanto ela está pensando em… bem… acabar com tudo.
Ainda mais enigmático que seus antecessores, repleto de significados escondidos e ambíguos a ponto de que considero ser impossível que duas pessoas tenham a mesma experiência, ou cheguem às mesmas conclusões, o filme é um mar de descobertas que merece, e precisa, ser visto mais de uma vez. O fato é que Kaufman aprendeu a contar histórias também com as câmeras, desde um enquadramento, à uma muda de roupa, à uma simples expressão.
Adicione isso à uma história magnífica por si só, e você tem um dos filmes mais ricos, inteligentes e desafiadores de 2020.
*Texto de Marco
5
selah e os espadas
Difícil encontrar alguém que tenha assistido à este filme de Tayarisha Poe. Apesar de ter estreado no início de 2019 em Sundance, o filme foi lançado apenas em 2020 pela Amazon Prime Video e, se você gosta de filmes adolescentes, precisa assistir esse.
Esquisito na forma como comunica sua mensagem, “Selah…” é, basicamente, um filme sobre a adolescência e como levamos a sério coisas que, depois que crescemos, parecem tolas e sem sentido. Extremo a ponto de incomodar, não se engane, caso isso aconteça é porque você se enxerga naqueles jovens. Talvez seja um ainda, talvez já tenha sido, talvez ainda será.
A certeza que tenho é que poucos filmes me deixaram com um gosto tão amargo por saber que cresci, ao menos o suficiente para poder julgar atitudes passadas e por perceber que, de certa forma, adoraria poder fazer um mundo de preocupação de coisas que hoje parecem tão triviais.
Ainda mais em 2020.
*Texto de Marco
4
nunca, raramente, as vezes, sempre
De tempos em tempos surge um filme que me faz pensar: “ok, isso eu que busco cada vez que assisto cinema”.
Autumn e Skylar, primas e adolescentes saem do interior da Pensilvânia para Nova Iorque para que a primeira possa realizar um aborto. É difícil encontrar palavras para falar sobre “Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre” porque a verdade é que o filme não usa muitas para que percebamos a situação em que as meninas se encontram.
As violências de gênero que sofrem são constantes e mesmo quando não estão acontecendo parecem estar cerceando as protagonistas. Toda ação parece estar resumida em pequenos gestos ou em ações fora de tela e mesmo assim pouca coisa fica aberta para interpretação, há um olhar muito único na decupagem desse filme que transmite urgência sem barulho e intensidade sem movimentos bruscos. A sequência que dá o nome ao longa é uma das coisas mais devastadoras que já vi no cinema e ainda assim, a empatia e a cumplicidade entre as personagens parece quase equilibrar a balança emocional.
Esse filme me destruiu de um jeito que acho que jamais vou me recuperar plenamente da montanha-russa de sentimentos retratados sensivelmente pela câmera de Eliza Hittman.
*Texto de João
3
o som do silêncio
Uma das maiores surpresas de 2020, o filme de Darius Marder rodou os festivais em 2019, mas deve conquistar o mundo em 2021 quando for louvado com diversas indicações, e algumas vitórias, no Oscar.
Riz Ahmed tem o papel de sua vida até aqui na pele de Ruben, um músico que perde quase toda a audição e tem que aprender a viver com o silêncio ao seu redor e a inquietação dentro de sua cabeça. De cara, é impressionante como o Cinema, uma arte visual, é o único meio possível para que possamos conhecer essa história sobre o som.
Pois além de ouvirmos o que Ruben ouve em diversos momentos e sermos colocados dentro de sua paranoia, desespero e ansiedade, Marder compõe um filme empático, que apresenta - ao menos para a maioria de nós - um mundo diferente, que jamais sente pensa de si mesmo e nos pede encarecidamente para fazer o mesmo.
Em um diálogo que deve render diversos prêmios e indicações também a Paul Raci, ele diz a Ruben algo que todos podemos aprender e nos relacionar: não adianta consertar o que está aparente, se não consertarmos o que há dentro de nós.
*Texto de Marco
2
amarelo: é tudo pra ontem
Lá em 2019 quando Emicida lançou o álbum AmarElo suas músicas, em especial sua faixa título, chamaram atenção do público em geral, de modo que até eu, que não sou muito ligado em música, fui impactado pelo disco, mas por mais que tenha escutado ele, precisei do documentário “AmarElo: É Tudo Pra Ontem” para apreciar na totalidade essa obra e esse artista que propõem uma nova visão para o Brasil em 2020.
Dividido em três partes: Plantar, Regar e Colher, o documentário mistura um show de Emicida no Theatro Municipal de São Paulo com o processo de produção do álbum e as reflexões do rapper sobre suas influências e ideias sobre o Brasil e a cultura brasileira. O que a narração do artista faz é traçar as raizes da música popular do nosso país, a contribuição negra para a arte e o pensamento nacionais, tudo devidamente representado faixa-a-faixa em “AmarElo”, a montagem dinâmica que alterna entre imagens gravadas para o documentário, documentos históricos e animações coladas entre si tentam acompanhar os complexos raciocínios e a aula de história dada por Emicida durante o filme. Suas principais influências dentro da arte são o samba e os modernistas de 1922, mas o legado que busca é além de artístico, mas também social e intelectual intercalando a história dos oito batutas e a de Mário de Andrade com as trajetórias de Lélia Gonzales e Abdias do Nascimento, dois dos maiores intelectuais do nosso país.
Com participação de gente do calibre de Fernanda Montenegro, em uma das músicas mais bonitas do álbum: “Ismália”, Zeca Pagodinho, Ruth de Souza e Pablo Vittar encerrando com uma faixa inédita assinada com Gilberto Gil, “AmarElo: É Tudo Pra Ontem” celebra o que mais devemos nos orgulhar na cultura brasileira. Ainda, o filme transborda esperança, leveza e sensibilidade necessárias para o encararmos a dura realidade em que vivemos sem nunca nos esquecer de viver com o pé no chão.
*Texto de João
1
retrato de uma jovem em chamas
Também de 2019, nenhum integrante do site o havia assistido até ser lançado no Brasil, de maneira limitada, em 2020. O que é uma pena, pois o filme de Celine Sciamma lideraria, também, nossa lista do ano passado.
Se tratando nada menos do que uma obra prima, “Retrato…” é um filme que beira a perfeição em todos os sentidos: interessante desde sua premissa, onde uma jovem pintora é contratada para fazer o retrato de uma nobre, prometida em casamento, sem que esta saiba que está sendo pintada. As duas se apaixonam e tem de conviver com a dor de saber que aqueles poucos dias serão os únicos que terão até terem de retornar às suas respectivas vidas.
Contando uma história de amor proibido, o longa passeia pelo drama e pelo romance enquanto faz comentários pertinentes sobre arte, machismo, homofobia e sobre como mesmo se passando séculos atrás, continua atual em tudo que se propõe a tratar.
Lindo pela sinceridade e veracidade com que é apresentado - Sciamma teve um relacionamento com Adèle Haenel, a musa no filme - e memorável pela dor e comoção que provoca, o longa ainda é um exemplo magistral do uso de cores, fotografia e locações, rendendo diversas cenas que poderiam ser transformadas em quadros e, porque não, pinturas.
A única dúvida quanto a posição do longa em nossa lista se deu por sua elegibilidade. Quando decidimos que estaria elegível, não havia competição.
*Texto de Marco
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