Os 10 Melhores Filmes de 2016
A simples ideia de listar obras de arte é um exercício de futilidade. Porém, a vida não vale a pena ser vivida se não for, também, comentada, analisada e pensada. Por isso, muitos de nós somos apaixonados por listas dos mais variados tipos mesmo que raramente, se alguma vez, elas reflitam com exatidão nosso gosto pessoal.
Portanto, e dentro da proposta do site de listarmos os melhores de cada ano da década, decidi me entregar à tarefa de listar os melhores filmes de cada ano, assistindo e re-assistindo dezenas, até centenas, de obras no processo.
Neste ano, como sempre, grandes obras ficaram de fora, entre elas: o adorável “Hunt for the Wilder People”; o provocativo “A Bruxa”; o belo “Kubo e as Cordas Mágicas”; o divertido e subversivo “Deadpool”; o emocionalmente aterrador “Manchester à Beira Mar”.
Abaixo, falo sobre aqueles que considero os melhores de 2016, ano onde o cinema pareceu reacordar após o famigerado Oscar So White.
10 | lala land
Se fazer um musical de sucesso é algo quase impossível em pleno século 21, “La La Land” comprovou que simplicidade e leveza - e o charme irresistível de sua dupla principal - podem não apenas apresentar o gênero para um público que apenas ouve sobre sua época de glória, como também resgatar um pouco do brilho que muitos dos fãs só conseguiam se lembrar ao re-assistir os clássicos.
Além disso, o filme foi fundamental em estabelecer Damien Chazelle como um dos mais talentosos jovens diretores de Hollywood e de firmar que Gosling e Stone são dois dos maiores talentos e estrelas de sua geração, entregando um dos maiores e mais duradouros hits cinematográficos dos últimos anos, ou você nunca ouviu ninguém tocar “City of Stars” em um piano?
Disfarçado de história de amor, “La La Land” traz também uma bela mensagem sobre nunca desistir de seus sonhos. As vezes é apenas isso que precisamos para melhorar nosso dia, ainda mais em momentos tão complicados.
9 | zootopia
É inacreditável que, depois de décadas com animações que transformam animais em seres racionais como os humanos, foi apenas em 2016 que um filme fez o óbvio e deu vida à um mundo onde cada espécie cumpre uma função específica e bastava apenas um pouco mais de pós-modernidade que este poderia, muito bem, ser o “Vingadores” da Disney, caso cada um de seus protagonistas passados substitui-se os novos criados aqui.
Mas se isso fosse soar pretensioso e puramente comercial, “Zootopia” vai muito além: uma história de mistério intrigante em um mundo milagrosamente criativo, povoado por seres multi-dimensionais que, além de fazer um paralelo - assustador - com a nossa sociedade, passa uma mensagem tão valorosa para crianças como para os adultos que conferem o filme apenas por conta de seus filhos e sobrinhos.
E se nesse mundo tão colorido você ainda pode sofrer por ser diferente, é aterrorizante que no nosso o paralelo seja tão mais frequente. Mas esperançoso, também, que, pelo menos aqui, a amizade e a força de vontade vencem.
8 | aquarius
*Texto de João Francisco
“Aquarius” é o segundo filme de Kléber Mendonça Filho e ganhou notoriedade pelo que faz na tela e pelo que fez fora dela. Isso é, antes mesmo de estrear no Brasil, os protestos da equipe no tapete vermelho de Cannes contra o golpe de estado que ocorria em 2016 no país chamaram atenção internacionalmente. Ali o filme já começou a construir a sua reputação. Ainda antes da sua estreia nacional foi descartado de ser a indicação brasileira ao Oscar, mesmo tendo sido o filme nacional de maior destaque internacional no ano. Essas lembranças importantes porque simbolizam parte importante do cinema nacional na década, filmes marcados por resistência e luta contra censura de estado.
Quando finalmente tivemos oportunidade de assistir “Aquarius”, achamos um filme sensível e forte, que é quase uma resposta a “modernização” forçada pela especulação imobiliária e empreiteiras nas praias do nordeste. Fruto também da expansão da classe média brasileira entre 2006-2013. Temos a história de Clara (Sônia Braga), uma matriarca de classe média que resiste sozinha a vender seu apartamento no litoral recifense para uma construtora. O enredo aborda os temas a partir de debates sobre o legado da escravidão, os tabus machistas sobre mulheres na terceira idade e diversos problemas nas relações familiares. Mas faz tudo isso com muito afeto e carinho. Sônia Braga aqui dá uma grande performance e centraliza a narrativa com muita potência e sentimento dando vida a Clara.
Kleber Mendonça, com “Aquarius”, apresentou mais um grande filme e se tornou de vez o grande nome da nova geração do cinema nacional.
7 | a qualquer custo
*Texto de João Francisco
Western é o gênero base para representar os Estados Unidos. Desde a expansão para o oeste até a maneira que a escravidão lega para o país uma estrutura racista. O diretor David Mackenzie usa o gênero em “A Qualquer Custo” para debater os inúmeros problemas contemporâneos no interior rural norte americano, região que já foi o centro da economia do país e hoje encara seu próprio fim. Os irmãos Toby e Tanner Howard (Chris Pine e Ben Foster) os dois vivendo vidas decadentes passam a roubar bancos para que possam pagar as dívidas hipotecárias do terreno que herdaram de sua mãe. Eles são seguidos pelo xerife Marcus Hamilton (Jeff Bridges) que anseia sua aposentadoria a qualquer momento e seu assistente Alberto Parker (Gil Birmingham) um mexicano descendente nativo americano.
Os paralelos e diferenças das duas duplas condenam o que os personagens já sabem: não existem mais cowboys. Tanto os ladrões quanto os policiais sabem que sua vida no campo não tem mais valor nenhum e a mera existência deles se resume em talvez ter uma morte tranquila. A direção constrói um Texas opressivamente sóbrio em que cada estrada e cada cidade são ao mesmo tempo praticamente iguais a qualquer cenário de filme do gênero e diferentes o suficiente para sabermos exatamente onde os personagens estão o tempo inteiro. Outro elemento que chama atenção é a generosidade do roteiro com seus personagens, mesmo em poucos minutos na tela todo mundo tem relevância e participa de bons momentos de diálogo. Por fim, A Qualquer Custo é um filme profundo que usa o Western para fazer, mais uma, importante reflexão sobre a sociedade norte americana.
6 | a criada
Park Chan-wook é um dos mais aclamados, influentes e ousados diretores asiáticos, mas poucos podem imaginar o escopo que ele tomaria para tornar “A Criada” em uma obra única.
Afinal o que é esse filme? Se você pesquisar nos principais bancos de dados sobre cinema, drama, suspense psicológico, filme de época e romance aparecem com frequência, mas é praticamente impossível recomendá-lo para qualquer pessoa com qualquer dos gêneros acima e, ao tentar explicar a trama, talvez as respostas sejam ainda mais duras do que “assisto outra hora”.
Se me arrisco a categorizá-lo, diria que “A Criada” é um romance, perigoso e envolvente, entre pessoas que se amam, mas jamais deixam este amor falar mais alto que suas próprias vontades. É, também, uma análise irônica e sarcástica de qualquer sistema de castas ao redor do mundo que por vezes parece tão absurdo que chamar um filme tão frio como este de comédia também não soa errado.
Pode parecer difícil de se entregar a sua premissa e, ainda mais, de persistir após se deparar com a loucura de sua história, mas entre toda sua visceralidade e mistura de gêneros, temos um filme excepcional capaz de te tocar de diferentes maneiras.
5 | animais noturnos
De certa forma, há algo na relação entre o perfeccionismo da moda e esterilidade do ser, como se ao buscarmos o primeiro, o segundo inevitável, e subconscientemente, cresça na mesma proporção.
Pois ao optar por uma vida altamente estilizada, Susan não apenas abre mão de amores e experiências humanas, mas adota uma impessoalidade que a torna um ser quase insensível, que vive apenas para apreciar o esteticamente belo a sua volta, sem jamais perceber o grau de violência que infringe a si mesma.
Poucas vezes me senti tão fisicamente afetado com um filme como quando assisti à “Animais Noturnos”, um suspense sufocante dirigido pelo estilista Tom Ford que investiga a natureza do ser humano ao passo que desafia nossas tentativas de mascará-la. Seja com atitudes, seja com os mais belos vestidos.
4 | Silêncio
Como alguém criado em um país predominantemente católico como o Brasil, “Silêncio” não apenas é um desafio à crenças a qual fui exposto desde criança, mas um desafio à própria hipocrisia que, involuntariamente, adotei durante toda a vida.
Uma profunda e provocativa meditação sobre a condição humana e sua relação intrínseca com a fé, o longa ainda traz toda a perfeição quase obsessiva de um homem com mais de 50 anos de carreira que parece não se contentar com a já histórica filmografia que possui. Tecnicamente impecável, também, em fotografia, trilha sonora, design de produção, interpretações e edição, “Silêncio” é uma aula de cinema tão valiosa que poderia ser feito um curso apenas em cima de seus méritos em linguagem.
Minha ideia era ter esta, que é mais uma obra prima de Scorsese e seu quarto grande filme da década (dois dos outros três apareceram entre os 10, e um nas menções honrosas, de seus respectivos anos) mais abaixo na lista, mas após reavaliar o impacto emocional e filosófico que causou em minha cabeça, vi que não conseguiria baixar mais do que esta quarta posição que, em um ano como este, é uma conquista incrível.
3 | a chegada
Para os que conferiram outras das listas anuais que compilei para o Outra Hora, é visível meu apreço pelo cinema de Dennis Villeneuve e, apesar de apreciar a ideia de utilizar estes espaços para indicar o maior número possível de cineastas, me rendo à mais uma grande obra de sua filmografia.
Gigantesco e de tirar o fôlego em escala, mas ainda mais profundo e complexo emocionalmente, esta é uma rara ficção científica que consegue olhar para dentro do ser humano ao mesmo tempo que procura respostas na vastidão do espaço que ainda não compreendemos. É um filme sobre nossa desunião como raça, sobre nosso olhar vendado para o que está a nossa volta, sobre nossa arrogância de achar que sabemos tudo quando, na verdade, precisaríamos viver de novo para compreender que nem em cem vidas saberíamos de qualquer coisa.
“A Chegada” me arrebatou mais da segunda do que da primeira vez, e desconfio que repetirei a frase continuamente conforme o revisite.
E é claro, a performance de Amy Adams, por sua vez, traz uma pergunta mais intrigante que a busca por vida inteligente: como esta mulher ainda não tem um Oscar?
2 | capitão fantástico
Se “Na Natureza Selvagem” se tornou, para muitos aventureiros descontentes com a repressão da sociedade moderna, um escape e um legítimo artefato motivacional, este filme de Matt Ross tem tudo para ir, simplesmente, além. Digo, ao menos para mim, pois posso declarar que nenhum filme me encantou tanto em 2016 como “Capitão Fantástico”.
Contando a história - não verídica - de um pai que cria seus seis filhos em meio à mesma natureza selvagem que encantou Chris McCandless, este filme não apenas levanta as mesmas questões que o candidato a clássico Cult de Sean Penn, mas as aplica para a vida que conhecemos enquanto desafia nossa própria posição perante leis e costumes que juramos estarem de um lado ou de outro de uma barreira impenetrável.
Escolas raramente conseguem conquistar ou ensinar seus alunos, mas oferecem experiências sociais essenciais para seu crescimento; sedentarismo é uma das maiores causas de problemas de saúde no planeta, mas escalar penhascos com crianças de menos de dez anos é no mínimo tão ameaçador; Coca-cola é um veneno para nosso corpo, mas a fome é uma das piores sensações que o ser humano pode experimentar.
Mas Ben Cash, interpretado de forma absolutamente irrepreensível por Viggo Mortensen, quer apenas o bem dos filhos assim como nossos pais querem o nosso, e se seu desgosto pelo sistema o faz isolá-los de experiências valorosas para seu crescimento, não é como se a rotina exaustiva do mundo civilizado não impedisse tantos casais de dedicarem mais tempo para tornar seus filhos nas criaturas fantásticas que nasceram para ser, e não apenas em repetições de si mesmos.
E é esta lição que Ben tem de aprender ao longo do filme, que faz o belo trabalho de tornar esta jornada em uma experiência divertida e gratificante para qualquer um. Além de conter, é claro, uma cena tão linda que merece seu próprio texto.
10 Menções Honrosas Sem Ordem Específica: Manchester À Beira Mar; A Bruxa; Elle; Kubo e As Cordas Mágicas; Toni Erdman; O Lagosta; Deadpool; Um Limite Entre Nós; Paterson; Hunt for the Wilder People; Lion.
1 | moonlight
Infelizmente, talvez a coisa mais memorável em relação à “Moonlight” para o grande público tenha sido o infame engano cometido na entrega da premiação de Melhor Filme no Oscar de 2017.
Em cima disso que, brilhantemente, o rapper Jay-Z escreveu uma das músicas de seu álbum “4:44”, intitulada com o mesmo nome do longa e trazendo um refrão ao mesmo tempo cômico e triste: estamos presos em La La Land, mesmo quando ganhamos, perdemos. Afinal, não tem prêmio no mundo que alivie a dor que meninos como Chiron sofrem todos os dias, mesmo vivendo em cidades tão relacionadas ao já dilacerado Sonho Americano.
Entregando um retrato intimista e sincero sobre um ser humano confuso entre sua sexualidade, sua masculinidade, sua cor e seu lugar no mundo, esta obra prima de Barry Jenkins também consegue olhar para a situação precária de tantos outros jovens, aparentemente mais seguros sobre quem são, que têm de reprimir suas verdadeiras personalidades apenas para encaixarem em um mundo que quase nunca os dá chance de respirar. Pois se é tão difícil encontrar alguém para lhe ensinar a nadar, ou para lhe cozinhar uma comida com afeto, é muito mais fácil se ver cercado de pessoas que lhe fazem o mal apenas para se sentirem menos piores com quem elas realmente são.
Neste sentido, Chiron serve quase como um espelho, de emoções tão reprimidas e afundadas em meio à alguns de seus colegas que preferem não acreditar que são como ele. Que não é preciso ser hétero para ser homem, e que, definitivamente, não é preciso ser “durão” para ser hétero, lições que a grande maioria de homens, jovens e velhos, ainda não aprenderam.
Simbólica e visualmente tão rico como em história e interpretações, “Moonlight” é uma aula magistral de cinema e um artefato histórico de nosso tempo, que merece ser visto e revisto diversas vezes. É, também, o melhor filme de um 2016 tão importante para o curso da história mundial e uma lembrança, de que a repressão nunca deveria falar mais alto que o pingo de humanidade que ainda nos resta e no qual Chiron, sob a luz da lua, se banha para se sentir vivo.