Os 10 Melhores Filmes de 2015
A simples ideia de listar obras de arte é um exercício de futilidade. Porém, a vida não vale a pena ser vivida se não for, também, comentada, analisada e pensada. Por isso, muitos de nós somos apaixonados por listas dos mais variados tipos mesmo que raramente, se alguma vez, elas reflitam com exatidão nosso gosto pessoal.
Portanto, e dentro da proposta do site de listarmos os melhores de cada ano da década, decidi me entregar à tarefa de listar os melhores filmes de cada ano, assistindo e re-assistindo dezenas, até centenas, de obras no processo.
Neste ano, como em todos, excelentes obras ficaram de fora. Entre elas: um dos filmes brasileiros mais aclamados desta década em “Que Horas Ela Volta”, o qual confesso não sou muito fã, mas cujos temas são essenciais para o momento que vivemos; a divertida animação “Divertidamente”, a qual também não sou muito fã, mas reconheço todos os méritos técnicos e temáticos; o estonteante “O Regresso” que finalmente deu o Oscar à DiCaprio e coroou mais uma vez o trabalho do mestre Emanuel Lubezki; a volta a forma de Ridley Scott no divertido “Perdido em Marte”; um dos terrores mais invetivos destes últimos anos em “It Follows”.
Abaixo, falo sobre aqueles que considero os melhores de 2015:
10 | califórnia
Após pensar muito sobre a décima colocação, me vi rendido à uma obra que traz alguns de meus temas favoritos no cinema.
Este filme quase auto-biográfico dirigido por Marina Person não apenas apela para qualquer jovem crescido em solo brasileiro, mas para todos aqueles de nós que nutriram sonhos com pessoas e lugares que só poderiam ser perfeitos como imaginávamos em nossos sonhos. Sutilmente construindo um retrato dolorido da realidade brasileira no surgimento da Aids, “California” é um filme delicado e caloroso sobre uma jovem tão bem escrita que podemos apenas acreditar que ela foi, pelo menos um dia, real.
9 | straight outta compton
Nem sempre fiel à fatos, mas sempre fiel à importância da história que procura contar, este filme de F. Gary Gray foi uma das epítomes do ano onde o Oscar finalmente viu que precisava se reformular, ou de nada se diferenciaria da sociedade branca e racista que era menos alvo das letras do N.W.A. do que a causa das mesmas.
Evocativo, nostálgico e ousado, “Straight Outta Compton” pode romantizar suas três figuras principais, pode não ser honesto com a misoginia presente no hip-hop, pode até mesmo incitar a violência, mas acima de tudo é um projeto que ressalta um dos momentos culturais mais importantes das últimas décadas, onde anos de repressão e racismo finalmente começaram a ser respondidos a altura.
Embora os seres humanos que ali vemos não sejam exemplares em tudo o que fazem, não deixam de ser um exemplo para as minorias que representam.
8 | os oito odiados
Não, não é uma piada que o oitavo filme de Quentin Tarantino (que tem oito no nome) esteja na oitava posição desta lista, mas é o tipo de referência/coincidência que o próprio cineasta aprovaria (ok, talvez seja proposital).
Dono da melhor filmografia dos diretores de sua geração, é complicado sempre que um novo filme seu é lançado, pois o mesmo é incessantemente comparado à seus melhores trabalhos. É como se fazer um “Pulp Fiction” todas as vezes fosse o minimo esperado de um homem que nunca chegou a realmente errar na carreira.
“Os Oito Odiados” pode muito bem ser o filme mais difícil do diretor: lento, paciente e ambiental, sim, mas jamais pode ser confundido com tedioso, pois para os amantes do cinema sempre há algo para se captar. Seja pelo fato de ter sido gravado em 70mm e que qualquer pequeno movimento na cena é importante para sua compreensão, ou pelas inúmeras alegorias, referências e gêneros misturados de uma forma que apenas Tarantino sabe, ou tenta, fazer.
Sendo, também, uma alegoria riquíssima para os aspectos territoriais dos Estados Unidos, esta é a versão mistério do cinema de Tarantino, que, no fundo, continua sendo sobre apenas uma coisa: cinema.
7 | star wars episódio VII: o despertar da força
Hoje pode não parecer, mas, mais ou menos nesta mesma época, em 2015, a apreensão quanto ao novo filme da, até então, saga mais amada do cinema crescia em todos assim como o lado sombrio no coração daqueles naturalmente inclinados à ela.
O que J.J. Abrams não poderia esperar, no entanto, é que mesmo com todo o sucesso e amor que sua injeção de energia à saga receberia, a mesma seria posteriormente questionada pela fan-base mais tóxica da sétima arte, usando elementos narrativos de disfarce para criticar todos os tons políticos que tornam este um dos melhores da franquia.
Horas, como assim a personagem principal é uma mulher?! Como ela derrota o homem muito mais poderoso?! Como seu principal aliado é um negro rebelde?! Como alguém tão legal como Poe Dameron pode vir a ter um relacionamento com este negro rebelde?! E Abrams, inteligentemente, não precisou forçar nada em tela, ou transformar o filme em um aglomerado de alegorias para que os fãs irritadiços saltassem de suas poltronas. Mas é claro, eles não poderiam falar tudo isso, então preferiram dizer que o longa era apenas uma re-edição de “Uma Nova Esperança”, que não trazia nada de novo, que era muito seguro.
E é verdade, “O Despertar da Força” é, acima de tudo, um filme delicado que honra e evoca a trilogia original ao mesmo tempo que expande seu universo e temas, realizando um trabalho de desenvolvimento de personagem superior à qualquer dos filmes da saga. Uma pena que o próprio Abrams se corromperia ao voltar para a saga…
6 | carol
É sempre curioso quando um cineasta pouco ativo volta, do nada, com uma obra culturalmente tão importante como este “Carol”, de Todd Haynes.
Já um clássico cult e um ícone do movimento LGBTQ, demorei tempo demais para conferir o longa, talvez justamente por conta das expectativas monumentais criadas a sua volta. Simbolicamente rico e visualmente um deslumbre, é claro que o que mais nos chama a atenção é ver duas atrizes como Rooney Mara e Cate Blanchett se entregando a um romance tão intimo e pessoal que é como se as próprias atrizes por traz das personagens fossem intrusas da própria relação que construíram.
Em um mundo que ainda tem dificuldades em aceitar o diferente, “Carol” é um exemplo de que o amor é sempre a resposta, não importando se você é homem ou mulher, rico ou pobre.
5 | ex-machina
Poucos filmes me deixaram tão apreensivo como esta surpresa de Alex Garland que, com todo seu minimalismo, sucede em fazer coisas que obras com um digito a mais no orçamento falham miseravelmente.
Ao buscar questões filosóficas em um ambiente tão fechado como a própria paranoia de seu personagem principal, “Ex-Machina” prova que maior do que nosso medo do desconhecido é nosso profundo, e inevitável, fascínio com coisas e criaturas que podem significar o fim de nossa própria espécie.
Por isso, a Ava de Alicia Vikander não figura apenas como uma das personagens mais enigmáticas do gênero, mas como uma síntese de nossa própria forma de encarar a humanidade. Robótica o suficiente para que tentamos entender como “funciona”, mas humana o suficiente para ficarmos constrangidos por jamais pararmos de analisar-la, apenas enxergá-la em tela é um exercício que pode levar a loucura. Imaginar que, talvez, em algum lugar do mundo, alguém tenha ao menos a capacidade de fazer algo similar, pode te deixar sem dormir por dias.
4 | o quarto de jack
*Texto de Pietro Braga.
O Quarto de Jack é uma aula de cinema em todos os aspectos possíveis. Primeiramente, é uma aula de atuação. Não há nada a se retocar na inocência de Jacob Tremblay e na melancolia irreparável de Brie Larson. Tecnicamente, a direção do filme cria uma contradição visual-narrativa inexplicável. O quarto, através dos olhos das câmeras, é um dos lugares mais claustrofóbicos criados na história do cinema. É pesado e suga qualquer olhar mais esperançoso mas ele é o mundo de Jack, e tudo que o menino conhece, o que cria através de seus olhos alguma beleza dentro de algo tão apavorante.
Dito isso, Room é um filme apenas pra se ver uma vez.
Com todas suas virtudes técnicas, a atmosfera do filme é capaz de imergir a mais despretensiosa das pessoas e deixá-las completamente destruídas emocionalmente. Digerir tudo que acontece aqui é uma missão e não um processo, e só da certo no final porque enfim, depois da desolação e da depressão que nos preenchem, a história é principalmente sobre o amor entre mãe e filho e como ambos renascem como dentre de um universo desconhecido ou esquecido. Esse acaba transcendendo os mais aflitivos momentos.
3 | creed
Seria impossível colocar Rocky em meio a um ringue novamente sem que isso desse ares quase de anime à saga do personagem. O bom “Rocky Balboa”, de 2006, parecia o capítulo final da saga de um dos personagens mais icônicos do cinema e, não apenas isso, uma despedida a altura do mito que fora criado com uma série de seis filmes e três décadas.
Porém, estamos vivendo na era dos remakes, reboots e spinoffs, o que permite aos produtores inventarem qualquer conexão suficientemente lógica para voltar ao universo desejado. Surpreendentemente, este parece ser o caso de “Creed”, mas há algo a mais neste que considero o melhor filme de boxe desde que Scorsese e DeNiro decidiram dar sua versão ao gênero.
Fã incondicional do personagem e da música que move suas sequências de treinamento, jamais poderia adivinhar que seria na pele de Apolo Creed que conheceria meu filme favorito da franquia, o mesmo que alçaria Michael B. Jordan ao estrelato e deixaria todos os cinéfilos esperançosos com uma vitória de Stallone no Oscar (que deveria ter vindo).
E sim, a fórmula continua a mesma, mas a emoção ao ouvir os trompetes é um dos poucos momentos da tão falada movie magic que, ao menos para mim, nunca, jamais envelhece.
2 | spotlight
Poucos filmes, na história do cinema, foram capazes de tocar em assuntos tão delicados, e reais, sem enfurecer aqueles envolvidos como esta obra prima de Tom McCarthy.
Frio, distante e calculista, “Spotlight” conta a história do escândalo descoberto em Boston, no início dos anos 2000, acerca do encobertamento da igreja católica quanto ao abuso sexual de menores cometidos por padres ao longo de décadas sem fazer algo que muitos cineastas julgariam válido na mesma situação: explorar o sofrimento de suas vítimas, demonizar as personas dos criminosos e, principalmente, transformar em herói seres humanos que apenas queriam fazer o bem.
Pois se aquela equipe, interpretada com maestria por todos os seus membros, consegue passar todo o senso de moral e coragem que jornalistas têm de ter para entrar em uma história como essa, todos são retratados como seres humanos comuns, que recebem notícias ruins sem escândalo, que exercem sua profissão, tão marginalizada, com um olhar de cansaço, mesmo que a vontade de fazer justiça continue lá. Por isso, quando vemos um deles externalizar suas dores, o impacto fica ainda maior.
E fica claro, durante a projeção, que “Spotlight” não é sobre indivíduos, nem sobre os casos em específico, por mais que não deixe de tratá-los com tanta delicadeza. É um filme sobre a corrupção de sistemas que deveriam oferecer luz às pessoas, e não mergulhá-las em escuridões que parecem não conseguir escapar.
Mais do que qualquer filme de terror, “Spotlight” é um filme aterrorizante e absolutamente necessário.
10 Menções Honrosas Sem Ordem Específica: O Regresso; Perdido em Marte; Que Horas Ela Volta; Divertidamente; 45 Anos; Anomalisa; Tangerine; It Follows; A Grande Aposta; Sicario.
1 | mad max
Virou chover no molhado - ou melhor, solear no seco - falar bem de um filme que já fora universalmente reconhecido como um dos melhores da história de seu gênero. Porém, tentaremos ser originais.
É maravilhoso morar em um mundo onde um cineasta de mais de 70 anos, responsável por “Babe: O Porquinho Atrapalhado” e “Happy Feet”, seja capaz de revitalizar sua própria franquia, que funciona como extremo oposto destes dois filmes citados acima, 30 anos após o lançamento do terceiro episódio e faça isso provando comandar as novas tecnologias a seu favor melhor que praticamente qualquer diretor mais jovem que, inspirados em seus trabalhos passados, viriam a dar luz à era dos blockbusters barulhentos.
E é maravilhoso, também, que Martin não precise de mais do que algumas cenas, quase sem diálogos, para estabelecer um discurso anti-fascista latente no longa. E continua sendo maravilhoso que, na sua grandiosa primeira cena de perseguição, carros e mais carros repletos de adornos sinistros se embolem e explodam de verdade, e que um deles tenha um ser alucinado tocando guitarra em meio a lança chamas, com uma tempestade de areia devastadora prestes a tomar conta do lugar.
E é maravilhoso, também, que este “Mad Max”, com o subtítulo “Estrada da Fúria”, consiga apresentar um discurso feminista tão eficaz sem necessitar expressar com palavras praticamente nada. Logo, é maravilhoso que o personagem principal de um filme chamado “Mad Max” seja, na verdade, uma mulher, que por sua vez batiza o “fúria” do subtítulo ao se provar uma das mulheres mais implacáveis e honrosas da história da sétima arte.
Em suma e referenciando a frase popularizada pelo filme: “Mad Max: Estrada da Fúria” is lovely.