Crítica | Lana Del Rey - Norman Fucking Rockwell!

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álbum disponível no fim do post

 

“John met me down on the boulevard
Cried on his shoulder 'cause life is hard
The waves came in over my head
What you been up to, my baby?
Haven't seen you 'round here lately

All of the guys tell me lies, but you don't
You just crack another beer
And pretend that you're still here

This is how to disappear”

Entre as diversas qualidades de um álbum da Lana Del Rey, não costumavam estar suas letras. Isso muda de figura em “Norman Fucking Rockwell!”, seu quinto álbum de estúdio, lançado dia 30 de agosto.

Ouvir um disco de Lana, até então, costumava ser uma espécie de “exercício de vista grossa”, se você gosta da sonoridade dela. A artista produz uma música que tem uma própria personalidade, especialmente se tratando de pop dos anos 2010: com produções glamourosas, uma mistura de classicismo e contemporaneidade e um senso de intimidade nos vocais, Lana traz desde 2012 um trabalho que reverencia ao baroque pop dos anos 60 e 70 com exímio. Porém, ela costumeiramente descuidava-se de outros elementos das músicas… forçando o ato de apreciar suas obras esse contante exercício de ignorar seus problemas. Letras sofríveis, tanto pelos clichês, quanto pela escrita simplória, produções frequentemente sobrecarregadas de cordas, vocais desleixados.

Felizmente, os anos a fizeram bem. Lana Del Rey vem amadurecendo continuamente ao longo de sua carreira, álbum após álbum. “Norman Fucking Rockwell!” é o exemplar mais recente dessa evolução, e seu melhor disco até hoje.

O que era exagerado, foi atenuado. O que faltava, foi inserido. O que era ruim, foi praticamente eliminado.

 
 

É importante lembrar as vitórias de “Lust for Life” para entender o caminho se deu até aqui. Apesar de mais brando tematicamente e menos conciso esteticamente, “Lust for Life” já denotava uma melhora lírica nas composições de Lana. Era um sinal do potencial cada vez mais palpável, mas que se concretiza em “Norman Fucking Rockwell!”. Algumas das letras presentes nesse disco, como “How to disappear”, citada no início do post, são poemas tocantez, que propõe reflexão, passíveis de múltiplas interpretações e entendimentos: como a arte deve ser. Isso é algo que não se podia dizer de faixas como a terrível “he loved guns and roses, he loved guns, and roses, roses, roses”.

Não vou me ater a comentar mais sobre as letras porque, honestamente, poderíamos falar sobre elas por horas - a grande maioria, é muito boa.

Justaposição entre os temas e frases das faixas; construção imagética e narrativa inventivas, ambiguidade, atenção ao estilo, abordagens aprofundadas em temas tanto emocionais, quanto externos. Check, check, check.

Tal concisão lírica é acompanhada, e elevada, inclusive, pelas escolhas musicais feitas aqui. Pela primeira vez, Lana produz um disco com uma gravação fortemente acústica, o que faz todo sentido dada sua proposta artística de reclusão e nostalgia. Há um reverb que perpassa quase todas as faixas, mas como recurso estético, não como muleta para fraquezas. O minimalismo também tem uma parcela importante da construção do clima de “NFR!”; diferente de quase todos os outros álbuns de Lana, aqui há poucos momentos de explosão instrumental ou wall of sound, de forma que, quando eles ocorrem, o impacto é muito maior, como em “California” e “The greatest”.

A produção de JAck Antonoff em “Norman Fucking Rockwell!” confirma ele como um dos produtores mais versáteis da atualidade.

O álbum foi praticamente todo produzido por Lana e Jack Antonoff (produtor por trás de hits de Lorde, Taylor Swift e St. Vincent), porém, citando comentário da Pitchfork, “claramente ele está imerso no mundo dela, e não o inverso”. O produtor é um talentoso multi-instrumentista, e parece ter entendido bem o que Lana precisava em termos técnicos e estéticos em “NFR!”. No entanto, nada disso bastaria se não houvesse uma boa matéria-prima para trabalhar.

“Ultraviolence”, de 2014, também foi um álbum muito bem produzido e com coesão estética do início ao fim. Entretanto, sua falta de profundidade temática o impediu de ser o grande disco que poderia ter sido. “Norman Fucking Rockwell!” não comete o mesmo erro.

A faixa-título, que abre o álbum, já apresenta Lana Del Rey em uma posição de empoderamento ao falar de seu amante, um imaturo e pretensioso poeta. A canção tem um refrão melodicamente deslumbrante, e dá o tom do restante do disco, servindo como uma espécie de introdução. Entre outros destaques estão “Mariners Apartment Complex”, faixa bem estruturada e com uma das letras mais maduras aqui, uma das melhores canções da carreira de Lana; “Venice Bitch”, que, apesar de longa, justifica os 9 minutos por seus primeiros 4 minutos, impecáveis, e por suceder em ser a música perfeita pra se ouvir no carro, de tardezinha, no fim do verão; “California” e a releitura de “Doin’ Time”, do Sublime, também são pontos altos, ambas faixas desempenhando papel importante de situar a obra no famoso estado do oeste americano.

Ainda temos a brilhante “How to Disappear”, uma das faixas mais introspectivas, maduras e reflexivas do álbum, na qual Lana divaga sobre as idas e vindas de si, de quem está perto dela, e encerra nos propondo pensar sobre comos nós desaparecemos, e mudamos, mas continuamos de alguma forma, sem ir embora. Ela confirma essa ideia na letra de “Fuck it I love you”, faixa na qual cita “so i moved to California, but it’s just a state of mind, It turns out everywhere you go, you take yourself, that’s not a lie”. Em “Love Song”, Lana nos entrega uma de suas melhores baladas. Simples, mas efetiva, nos coloca dentro de um amor que tem muito carinho, mas não tem estabilidade em seu alicerce. Isso se confirma em “Happiness is a butterfly”: em “Love Song”, o carro é onde as roupas serão jogadas no chão e onde o tempo pára, em “Happiness is a butterfly”, Lana está indo embora, chorando no banco de trás desse carro, numa canção doce, mas melancólica, com uma das estruturas de composição mais rebuscadas de sua carreira.

Não é um álbum perfeito, contudo. “Cinnamon Girl” é uma boa composição, mas não é tudo que poderia ser, no contexto de “NFR!”, pela produção e pelo refrão estilo “Lust for Life” que destoam do minimalismo elegante das outras músicas. A faixa “The Next Best American Record” era uma demo já conhecida dos fãs há algum tempo, e certamente soa como tal aqui: fica clara sua precariedade perto do resto do disco; a impressão que fica é que para compensar isso, foi superproduzida, tornando-se longa, também, mas nada disso a salva de ser um ponto baixo no álbum. “Bartender”, apesar de apresentar uma narrativa interessante, é fraca melodicamente e soa boba em meio às canções mais adultas que Lana vem produzindo. Porém, o encerramento de “NFR!” é positivo, contando com faixas como “The greatest”, talvez um dos cortes que melhor resuma o tema e o sentimento geral do disco. Uma das faixas com maior instrumentação, e mais perto em estrutura de um possível hit, “The greatest” tem algumas linhas vocais brilhantes de Lana, uma letra que ao mesmo tempo critica o estado no qual nos encontramos, sofre por ele, e tem a auto-consciência de culpar-se, até onde for justo, por ele.

 
 

“Norman Fucking Rockwell!” não é um álbum conceitual, mas tem muitas de suas ideias bem alinhadas. Fala sobre as mudanças que ocorrem em nossas vidas, sobre amadurecimento, sobre amores que perdemos, que lembramos e que reencontramos, mas que se mostram desencontrados. É sobre abraçar o caos que ocorre no mundo lá fora, e tentar fazer as pazes com nossa impotência sobre ele. É sobre se render ao nosso próprio caos, com serenidade ao invés de desespero.

Retratando musicalmente e liricamente esses temas, Lana utiliza diversas vezes de referências a Califórnia, estado no qual foi morar quando saiu de Nova York. “NFR!” é profundamente “californiano”, das influências musicais às letras e títulos das faixas. Mesmo para quem não conhece a região, a representação feita da artista sobre o local é suficiente para que o ouvinte possa se sentir transportado para lá. Um local único; rico em cultura, história e passado; berço do cinema ocidental e dos mitos de Hollywood e da música; com beleza natural abundante, misturada a um charme urbano que parece condensar o que é para Lana o lado oeste dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, um local em ruínas, lidando com verões cada vez mais difíceis; um local que é a síntese da confusão política da América; um local cujo charme parece estar sob constante ameaça. Para Lana, a nostalgia parece a única saída possível para não sermos derrubados por um presente que nos oferece poucas esperanças.

2019, por uma provável coincidência, teve duas obras que retrataram fielmente o clima dos anos 60 e 70 da Califórnia: o quinto álbum de Lana Del Rey, e o nono filme de Quentin Tarantino.

Justamente sobre isso que ela fala em “hope is a dangerous thing for a woman like me to have - but i have it”, uma das melhores letras de sua carreira e mais um dos destaques do álbum. Uma faixa que sintetiza o estado emocional que a pessoa por trás do nome artístico, Elizabeth Grant, se encontra: não feliz, mas não triste. Nem otimista, nem desistente. Com uma performance vocal tocante por cima de um piano, é uma daquelas músicas que não se ouve com frequência.

“I had fifteen-year dances
Church basement romances, yeah, I've cried
Spilling my guts with the Bowery bums
Is the only love I've ever known
Except for the stage, which I also call home, when I'm not
Servin' up God in a burnt coffee pot for the Triad
Hello, it's the most famous woman you know on the iPad
Calling from beyond the grave,
I just wanna say, ‘Hi, Dad’”

 

“Norman Fucking Rockwell!” é a melhor surpresa de 2019 até agora. PAra quem acompanha a carreira de Lana Del Rey desde o princípio, é um álbum que vem com gosto de vitória: a artista que tinha tantas potencialidades, agora, as apresenta como virtudes concretizadas.

Lana, goste disso ou não, não é mais uma artista qualquer agora. Provou que sua trajetória fez dela mais do que uma voz distinta, mais do que baroque pop para millenials, mais do que uma “garota em apuros” apaixonada por um “bad boy”. Seu crescimento como compositora e cantora é notório ao longo dos anos, e “Norman Fucking Rockwell!” é sua grande obra até agora, álbum que a apresenta como uma das maiores compositoras de sua geração. Agora, esperamos que ela mantenha essa ascendente. Afinal, “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”.

9,2

 
 
 
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