Crítica | Midsommar

Até que ponto uma perda pode te desarmar? Até que ponto fé pode corromper? Até que ponto você está disposto a ir apenas para causar uma boa impressão?

No novo filme de Ari Aster, que chamou a atenção de todos com “Hereditário” em 2018, estas perguntas regem a vida pós tragédia de Dani, uma jovem estudante de psicologia que, após perder a família, vê no namorado Christian seu único conforto e, quando o mesmo revela que tem uma viagem marcada com seus amigos de faculdade - todos eles estudantes de antropologia -, ela decide ir junto para a Suécia, onde vivenciarão um festival que ocorre a cada 90 anos.

Eu estava consideravelmente ansioso para este filme, afinal, tenho um certo apreço por obras que sei que não terminarão ao rolar dos créditos (podem conferir minhas críticas de “mãe!” e “Enemy”, por exemplo) e, curiosamente, no dia da cabine de imprensa, meu ônibus estragou no meio de uma rua pouco movimentada com o céu cinzento e chuvoso a minha volta. Um eu mais jovem teria claramente ido para casa.

Porém, se sabia que o filme puxaria mais pro lado da nova onda de filmes de terror que vem tomando conta de estúdios menores, especialmente o A24, ainda assim esperava que o medo fosse a principal emoção causada pelo longa, mas estava enganado.

Misturando um pouco de “Corra”, “mãe!” e “A Bruxa” à uma premissa (muito) similar ao dinamarquês/sueco “Midsommer” de 2003 (e seu remake americano de 2008), este “Midsommar” é um daqueles casos já não tão raros de obras que foram concebidas com a ideia de se tornarem divisórias e polêmicas. Mais do que isso, deve se provar controverso e odiado por muitas audiências que, ao já não aceitarem o mais convencional “Hereditário”, devem fazer algo similar ao que ocorreu com o longa de Aronofsky em 2017, levando-o, por exemplo, ao Framboesa de Ouro. E Ari Aster deve estar dormindo tranquilamente no momento, pois é exatamente isso que ele procura fazer com sua arte: falar de coisas que muitos de nós preferem ignorar.

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E por mais inútil que pareça - após ter assistido o filme - comentar sobre como o festival em si é uma poderosa alegoria não apenas para cultos e festivais religiosos, mas para a influência de qualquer religião na vida de seus crentes, é inevitável fazer o comparativo elogiando, em partes, o trabalho do roteiro de Aster, que consegue enigmatizar seus conceitos tabu o suficiente para que tentemos desvendar os muitos traços expostos aqui e ali. Um acerto do cineasta é, justamente, não transformar o tal Midsommar em um festim demoníaco, mas sim como uma festa de extrema felicidade para aqueles que a abraçam, como o Natal ou Hanukkah, algo que acaba se passando quase como auto-indulgência pela tamanha importância que aqueles personagens dão ao festival.

Auto-indulgência esta que o filme, infelizmente, acaba abordando como sua filosofia principal, como se estivesse mostrando algo que nunca fora visto anteriormente, pois um erro de Aster foi julgar que o festival, por conta própria, seria o suficiente para tornar a narrativa interessante. Diferentemente de “Hereditário”, os personagens aqui acabam sendo mais instrumentos do que pessoas, e vários clichés podem ser facilmente notados logo nas primeiras interações do grupo dos amigos de Christian (curioso que seu nome seja Cristão, não?). Era óbvio, pra mim pelo menos, os destinos que seriam dados ao Josh de William Jackson Harper e ao Mark de Will Poulter (que, no meia boca “Maze Runner”, trabalhou com conceitos parecidos, mas com um personagem infinitamente mais rico), ambos prejudicados pelo roteiro, e se você não conseguiu captar na primeira vez que botou os olhos no Pelle de Vilhelm Blomgren, ou em sua primeira conversa com Dani, os objetivos do sujeito, provavelmente já não estava investido desde o começo.

Logo é um alívio que o elenco esteja ao menos razoável, incluindo o Christian de Jack Reynour, mas a diferença do nível de suas interpretações para o de Florence Pugh é notável, pois a jovem que interpretará a nova Viúva Negra exibe um talento considerável, por mais que o roteiro por vezes esqueça de desenvolvê-la por completo. Afinal, a melancolia presente em todas as suas emoções é forte, mas não é como se suas ações, e de ninguém daquele grupo, fizessem sentido presente ao que estavam assistindo e, para melhor exemplificar isso, usarei de leve spoilers a seguir:

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Do nada seus amigos começam a desaparecer - com finais preguiçosos, diga-se de passagem - e você nem ao menos cogita a possibilidade de voltar para casa?

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Acredito que uma frase seja o suficiente.

Mas se o roteiro de Aster falha como história e desperdiça um cenário tão aterrorizante como este, não pode-se dizer o mesmo de suas habilidades como diretor, que brilham mais forte que o sol do meio dia naquela terra sempre ensolarada.

Tecnicamente, “Midsommar” é um espetáculo, evocando composições visuais de Bergman e Malik, Aster abusa de planos sequência sugestivos, e planos abertos que revelam o quão vivo é aquele lugar, costurados por uma edição precisa e que reforça, em diversos momentos, o efeito de que a câmera adota uma postura voyeristica, como se víssemos não pelos olhos dos personagens principais, mas sim dos muitos habitantes misteriosos daquele lugar. Méritos também para o design de produção, que faz com que cada instalação, roupa e decoração soem partes de um mesmo conceito, e para a bela cinematografia de Pawel Pogorzelski, que torna todo aquele ambiente em algo propriamente divino. A música também é utilizada com eficácia, com misturas de composições clássicas e folk que dão um toque ainda mais hippie à atmosfera. E eu ficaria particularmente chateado se o longa não fosse premiado pelo surreal trabalho de maquiagem que, por vezes, é tão realista que te faz querer cobrir os olhos.

Muito menos ambíguo do que acredita ser e, definitivamente, menos perturbador ou assustador do que queria, “Midsommar” vai chocar alguns e confundir muitos, mas a falta de uma narrativa forte para acompanhar sua interessante premissa o impede de escalar degraus no alto escalão do terror nestes últimos anos. Ainda assim, é um deleite para os olhos e um presente para os amantes do terror de arte. Expressão esquisita, mas que encaixa com o que a obra se propõe.

Entre “Midsommar” e um derivado repleto de sustos fáceis, me dê um filme ambicioso como este todos os dias.

7.7

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