Crítica | O Rei de Staten Island

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Judd Apatow se junta ao comediante Pete Davidson para essa dramédia semi autobiográfica sobre Davidson.

Scott (Davidson) é um jovem morador da região suburbana de Staten Island, sua vida se resume em fumar maconha com seus amigos enquanto veem a vida passar, órfão de um pai bombeiro que morreu heroicamente em um incêndio, o personagem sempre reforça como o trauma de perder o pai causa dificuldades em se ajustar no mundo. Ele tem um relacionmento escondido com sua amiga de infância Kelsey (Bel Powley) e uma relação complicada com sua mãe Margie (Marisa Tomei), as dificuldades de se relacionar se acentuam quando sua irmã mais nova Claire (Maude Apatow) vai para a faculdade e sua mãe começa a namorar Ray (Bill Burr) um bombeiro que não gosta do estilo de vida levado por Scott. “O Rei de Staten Island” conversa, às vezes abertamente, com a geração milenial, a geração que vive pós a decadência do sonho capitalista e vive entre a falta de perspectiva e a necessidade de cumprir as expectativas de outras gerações sobre trabalho e cultura, de alguma maneira, esse é “Era Uma Vez um Sonho” que deu certo, trazendo o dilema da classe média no Século 21. Apatow faz um dos seus melhores trabalhos, mais maduro que nunca, mas sem abandonar aquilo que mais gosta: um protagonista jovem maconheiro carismático, os dilemas de Scott não são muito diferentes dos personagens que o roteirista trabalhou em “Ligeiramente Grávidos” nem na aclamada série “Freaks and Geeks”, mas no seu recente filme ganhamos uma retratação mais dramática das consequências de viver… sem consequências, mesmo que isso acabe custando um filme longo além da conta.

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Com paciência para gastar o tempo, o longa compensa com um ritmo calmo e cada cena propicia algo para aproveitar, a fotografia é bem crua e a captação de som também privilegia a captação das falas criando uma atmosfera involvente, muitos dos personagens são fáceis de simpatizar, especialmente pelos elementos humorísticos jogados para eles. Ainda assim, o roteiro dificilmente apresenta duas cenas cômicas em sequência criando sempre uma sensação de ação e reação e colocando cada momento organicamente na narrativa, mesmo no primeiro ato temos cenas construindo tensão, Claire, a irmã de Scott, tem grande dialogo com seu irmão sobre a mudança na dinâmica da casa depois que ela for para faculdade e a primeira aparição de Ray é raivosa e contribui muito com o tom do filme. Com um ar indie típico da narrativa de amadurecimento do protagonista, o filme se preocupa muito mais em criar do que resolver problemas para Scott e sua recuperação jamais ocorre totalmente, aprendendo mais sobre lidar com as expectativas criadas por ele sobre o mundo do que tentar de fato cumpri-las. Isso passa por entender melhor quem foi seu pai e jogar no mundo sozinho por um tempo.

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Outra marca autoral típica de Apatow é a capacidade de fazer um elenco brilhar individualmente e de forma coletiva e esse também é o caso de “O Rei de Staten Island”, a performance de Davidson é tocante, mesmo que interprete a si próprio, consegue apresentar Scott como a bomba de incertezar que é a todo momento e cada um dos relacionamentos, com sua família e amigos é permeado por uma carga emocional imensa que temos só um pequeno vislumbre durante o filme. Marisa Tomei segue sendo uma das minha atrizes favoritas, pelo menos nos últimos anos, com uma atuação carregada do peso de se sentir fracassndo com o filho, da solidão por ser viúva por 17 anos e ainda assim aquele frio na barriga do começo do relacionamento com Ray, ela é uma personagem tão central para a narrativa do longa e a não poderia ser melhor apresentada. Bill Burr é o terceiro grande destaque, muitas vezes é difícil de gostar do seu personagem, seja pelo antagonismo eventual com Scott ou pela percepção que ele é um fracasso tão grande quanto o protagonista em muitos aspectos da vida dele, essa dicotomia cria uma interpretação essencialmente humana. Além dos três, alguns coadjuvantes chamam atenção, Bel Powley rouba qualquer cena que está presente, tanto por uma pureza romântica quanto um aspecto maduro que falta em seu namorado, muitas vezes deu vontade de ver Kelsi livre de Scott só por estar torcendo pela felicidade dela, Maude Apatow é excelente também, não é o primeiro mas acredito que seja o maior papel que ganha sob direção do pai. Mesmo esses sendo alguns destaques, todos que ganham um tempo nas lentes de Apatow saem de cena maiores que entraram e essa característica segue me fazendo gostar do trabalho do diretor.

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“O Rei de Staten Island” é um filme sobre aceitarmos aprender coisas novas para a nossa vida, ambientado em um cenário político-social que eleva sua relevância, a mensagem sobre aceitar a perda, sobre podermos mexer nas nossas ideias sobre o passado e aceitar tanto os nossos erros quanto os das pessoas que amamos é universal e carrega o coração desse roteiro baseado na vida de seu ator. Eu concordo com as críticas que o filme às vezes soa superficial e o protagonista é um babaca na maior parte do tempo, mas as pessoas podem ser mais de uma coisa simultaneamente, um bom personagem costuma ser, inclusive, e a possibilidade de vermos Scott em momentos tão vulneráveis ainda mentindo para si mesmo sobre seus sonhos é um presente num ano em que passamos por provações individuais e coletivas tão profundas, aceitar que qualquer um pode estar certo e errado ao mesmo tempo ou em tempos diferentes sobre aspectos diferentes da vida é a lição que mais gostaria que tirássemos desse filme.

No fim, “O Rei de Staten Island” era o filme que eu precisava ver para sair de 2020.

7,5

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