Os 30 Melhores Filmes de Ação do Século 21 (até agora)

O cinema de ação é universal.

Um dos maiores gêneros do cinema é ferramenta para falar dos mais temas importantes humanos. É o motivo por ser tão popular e influente, por falar sobre paixão, sobre emoção no seu limite, colocando seus personagens em situações extremas em que eles tem que arriscar a própria vida por uma causa, seja família, romance, vingança, país. E fala de tudo isso nos impressionando com um grande espetáculo.

A ideia de um filme de ação pode ser até redundante dependendo da perspectiva. Cinema vem da palavra movimento. A ideia ocidental de uma história é um conjunto de ações. Em inglês, o ofício do ator é agir, que em português é sinônimo de atuar. E as primeiras películas dos irmãos Lumière com nomes como “Trem Chegando a Estação”, “Trabalhadores Saindo da Fábrica” descrevem, literalmente, ações.

Mesmo assim, quando as palavras são combinadas nessa ordem, “filme de ação”, todo mundo entende o que significa: o gênero mais popular de cinema que existe. Produzido em larga escala nos Estados Unidos pelos grandes estúdios, mas que na maneira como conhecemos hoje tem influência muito importante de Hong Kong dos anos 1970 (e a lista vai refletir bastante a importância desses dois mercados).

Essa popularidade se expandiu da tela do cinema e foi ampliada pelas locadoras: passaram a ter centenas de produções lançadas diretamente em vídeo, na era dos DVDs nenhum gênero foi tão pirateado e hoje se difunde em cópias no YouTube com presença em streaming. Nos últimos anos, o filme de ação se dividiu de maneira muito notável, há os ultra-blockbusters que batem 1 bilhão de dólares nas bilheterias e as dezenas de produções menores feitas para as pequenas telas das casas.

A ideia dessa lista é entender como aconteceu essa mudança ao longo desse século, ver quais foram as principais tendências internacionais do gênero e celebrar as produções que se destacaram entre centenas de filmes. Caso goste desse trabalho, recomendo que leia as outras listas semelhantes que fizemos aqui no Outra Hora sobre os melhores filmes desse século:

Não é a primeira dessas listas que eu escrevo, mas enquanto outras vezes (musicais, comédias) era difícil sair da narrativa hollywoodiana por vários motivos culturais e pelo tipo de produção que queria celebrar naquele momento, para falar de filmes de ação foi necessário fazer uma viagem pelo mundo para encontrar o que havia de melhor no gênero. O eixo hollywood-hong kong se destaca, mas na última década especialmente outros países asiáticos passaram a ter indústrias fortes de cinema enquanto Hong Kong desacelerou seu processo de alta dos anos 90 e começo dos anos 2000.

Pela universalidade dos temas, por dar importância ao que se faz e não ao que se fala e por tudo que os filmes de ação representam, essa lista acabou com longas de seis continentes diferentes, diversas línguas e escalas de produção. Além de muito divertido, isso reflete a busca por produções que eu fiz nos últimos meses. Busca relativamente fácil, considerando a diversidade desses filmes, porque é um gênero muito difundido que as pessoas assistem muito e em muitos lugares diferentes.

Além dos temas e da linguagem, há outras características que se destacam no gênero da ação. As estrelas de ação são uma força desses filmes. Em Hollywood esse talvez seja o único gênero que manteve a ideia de estrelas que, independente de qual o nome do personagem, mantém características semelhantes, em oposição ao sistema da nova Hollywood que criou essa ideia de que um ator deveria se transformar em quem está interpretando. Nos filmes de ação a gente sabe o que esperar no momento que vê o ator em cena: Arnold Schwaznegger vai ser um mega humano indestrutível, Stallone até vence no final mas apanha muito antes disso, Tom Cruise nem sempre faz as coisas do jeito mais ortodoxo mas cumpre suas missões com muita atitude.

Para montar um belo filme de ação ainda precisa-se de bons números, uma sequência em larga escala de preferência com explosões, tiros, veículos em perseguição, lutas acrobáticas e como vou mostrar na lista, nem sempre isso significa um grande orçamento. Esses momentos são o coração do cinema de ação, são onde os dilemas e as contradições dos personagens aparecem levando eles ao limite físico e psicológico, também movimentam a trama e nos faz engajar com a história.

Um gênero tão complexo, popular e amplamente produzido e disseminado só poderia se dividir em dezenas de subgêneros. Aqui começo a fazer alguns recortes, pois selecionei alguns desses subgêneros apenas, em alguns casos por entender que thriller, aventura e ficção científica são macro gêneros do cinema (que até podem ganhar uma lista própria por aqui um dia) com muitas intersecções e aí nesses o que contou para “desempatar” quando se encaixava em qualquer gênero é a maneira como eu me senti assistindo cada filme, porque acredito que o filme de ação a cima de tudo é um cinema de sensação. Filmes de super-heróis não foram considerados (esses já tem uma lista própria aqui) e a gente tem um combinado editorial no Outra Hora de não repetir os títulos nessas listas, por isso também “Hot Fuzz” (2007) também foi descartado, por exemplo. Outros subgêneros que acabei desconsiderando foram filmes de guerra, desastres naturais e demais sobreposições com terror, roubo, westerns e animações. Também limitei um filme por diretor ou franquia (já que as franquias também são grande parte do cinema de ação) para que pudesse abordar mais filmes. Ah, lembrando que, oficialmente, o Século começa em 2001.

Mas o critério principal é claro: quem manda é a ação.

Vamos explodir umas coisas.


30 | Ip Man (2008):

Se muito do que temos como “filme de ação” hoje vem de Hong Kong e Bruce Lee, não é a toa que o mestre que ensinou Kung fu para o lendário ator se tornou um mito no cinema. Essa cinebiografia sobre o artista marcial Ip Man (Donnie Yen) conta o começo da vida desse professor e lutador de maneira dramatizada com incríveis cenas de luta e muito drama pessoal.

29 | O Ultimato Bourne (2007):

Foi difícil escolher entre apenas um dos filmes da franquia para a lista, mas esse que é o terceiro da série e o segundo dirigido por Paul Greengrass é o que mais chama atenção pela capacidade de utilizar a ideia de um agente que se vê contra o sistema que é parte e expande ela para uma grande reflexão sobre o comportamento de agentes militares. Além disso, é o que melhor executa as sequências de ação se aproximando da tendência realista e violenta.

28 | O Procurado (2008):

Famoso pelas balas que fazem curvas, o primeiro filme em hollywood do diretor cazaque Timur Bekmambetov é o conto clássico do homem comum vs uma organização maior que ele e por mais que no final falte um pouco de conflito no roteiro, a execução é divertida o suficiente.

27 | 13 Assassinos (2010):

O gênero de samurai até pode estar em baixa, mas esse remake do diretor Takashi Miike resgata não só o gênero como seus importantes valores. Honra, inteligência, equilíbrio e a missão samurai estão no centro da história do grupo que se reúne para matar um sádico Senhor de terras no Japão. O ponto alto da trama, claro, são os incríveis 45 minutos de ação ininterrupta que encerram o longa.

26 | Tetralogia John Wick (2014-2023):

Quando lançou o primeiro filme da franquia em 2014 o dublê e diretor Chad Stahelski não poderia imaginar o fenômeno que o personagem interpretado por Keanu Reeves se tornaria no mundo. Em uma década que Hollywood desaprendeu a entrar na zona de hiper realidade e violência, a história do assassino de aluguel que apenas quer vingar a morte de seu cachorro traz coreografias inovadoras e elaboradas resgatando a cinematográfica arte marcial chamada de gun fu, popularizada por John Woo. Filme após filme, a equipe de “John Wick” buscou criar números cada vez maiores e mais violentos para prazer do público que respondeu a altura todas vezes.


25 | Furie (2019)

Esse filme vietnamita dirigido por Le-Van Kiet até pode lembrar a série “Busca Implacável”, porque conta a história de uma assassina aposentada que precisa voltar a ativa para salvar sua filha sequestrada pelas pessoas para quem trabalhava. Mas a maneira como o diretor e a atriz Ngô Thanh Vân (que está construindo uma carreira em Hollywood como Veronica Ngô) trabalham as complexas coreografias em um visual super estilizado que privilegia as cores neon sobre a personagem.


24 | SPEED RACER (2008)

A recepção terrível e o fracasso na bilheteria desse filme talvez tenham sido definitivos para estragar as carreiras das irmãs Wachowski (que ainda tiveram algum sucesso com “Sense 8”), mas com 15 anos de distância e uma Hollywood que dificilmente permite que os criadores mostrem qualquer tipo de autoria sobre seus projetos resgatou o prestígio das diretoras com parte da crítica. É verdade que “Speed Racer” pode parecer um pouco e com certeza é muito estranho, são 135 minutos de pura energia, cores e corridas com números criativos cheios de recursos visuais e narrativos. Não acredito que vamos ver algo dessa criatividade vindo dos EUA de novo por muito tempo.


23 | Who Killed Captain Alex? (2010)

Não precisa saber muito sobre cinema para entender que a profecia da “democratização” no século em que todos tem acesso a câmeras e a filmes não aconteceu, pelo contrário se aumentou o monopólio, os custos e se dificultou que a arte seja acessada plenamente. Mas em alguns espaços vimos histórias improváveis acontecerem, é o caso do diretor ugandense Nabawana IGG que alcançou prestígio internacional a partir das suas produções caseiras com amigos. Uma cópia com narração no Youtube (a versão original foi perdida) é o registro que temos de “Who Killed Captain Alex?”, um filme que encontra prazer em se dizer o primeiro do gênero de ação do seu país e fazer piada com seus personagens e efeitos especiais enquanto vemos uma história que se leva a sério criando um efeito de convergência entre um público e um filme que amam cinema.


22 | A Origem (2010)

Christopher Nolan sintetiza o desejo que o cinema seja um espetáculo. Ao longo das últimas duas décadas acompanhamos ele se esmerando para criar uma obra capaz de aumentar a experiência de estar numa sala de cinema, se esforçando para que o visual e o som dos seus trabalhos sejam sempre os mais impressionantes e que o público possa ver efeitos práticos cada vez mais raros. “A Origem” é um importante capítulo da sua carreira marcando sua maior bilheteria sem nenhum super-herói, seu filme mais prestigiado no Oscar e as melhores críticas da sua carreira. A confusa premissa de pessoas entrando nos sonhos uma das outras cria a base para uma bela trama sobre amor, sobre realidade e para cenas complexas e bem executadas em que o espectador é convidado a entender uma física com regras próprias propostas por Nolan.


21 | Ford v Ferrari (2019)

Um dos subgêneros que eu quis homenagear nessa lista foi filmes de corrida. Se eu afirmei no começo do texto que cinema é movimento, o que é mais cinema que corridas em alta velocidade com desafios diversos para nossos personagens. Com uma incrível sequência entre “Os Indomáveis” (2007) passando por “Encontro Explosivo” (2010) e “Logan” (2017), James Mangold é o melhor diretor de ação da década passada e trabalhando com a história de dois mecânicos que resolveram ganhar da poderosa Ferrari nas 24 horas de Le Mans, uma das corridas mais perigosas do mundo, ele abre sua caixa de ferramentas e constrói cenas poderosas e emocionantes. Nunca vou esquecer do som que os motores faziam na sala de cinema e da maneira como Christian Bale ultrapassava seus adversários com agressividade serena.


20 | Haywire (2011)

Um dos efeitos midiáticos da invasão do Iraque por parte dos Estados Unidos foi o crescimento de histórias que retratam os famosos mercenários e as implicações desse tipo de contrato firmado por governos do mundo todo. Em “Haywire” vemos uma agente dessa natureza interpretada pela lutadora de MMA Gina Carano que é traída pelo seu chefe e precisa enfrentar sozinha uma poderosa rede para sair viva dessa situação. Steven Soderbergh faz seu habitual uso extravagante de cores e filtros para reforçar a maneira como devemos nos sentir em cada cena e aproveita das habilidades marciais da atriz principal para criar um spy thriller focado em lutas corpo a corpo bem filmadas.


19 | A Noite nos Persegue (2018)

Essa lista até aqui já aponta a principal tendência dos últimos 10 anos no gênero de ação: filmes ultra violentos que misturam histórias simples com coreografias complexas e imagens super estilizadas. Esse é um fenômeno que aparece dos dois lados do Oceano Pacífico e no lado asiático se destaca no cinema da Indonésia, mas isso é assunto para depois. Em “A Noite nos Persegue” vemos a história de um assassino de elite do crime organizado que precisa fugir dos seus ex-colegas depois de salvar a vida de uma menina durante um massacre. Protagonizado pelos sempre excelentes Joe Taslim e Iko Uwais, o longa é um incrível exercício de criar números de ação cada vez maiores, mais violentos em cenários criativos com a utilização da arte marcial típica indonésia Pencak Silat. O diretor Timo Tjahjanto não economiza recursos estilísticos para filmar tudo isso e usa todo tipo de truque visual para que o espectador possa aproveitar os movimentos executados pelos personagens em cada uma das lutas.


18 | Atualização (2018)

E se existisse um chip capaz de dar os movimentos de volta a pessoas tetraplégicas? E se ele também conseguisse controlar os corpos dessas pessoas?

O segundo filme do diretor Leigh Whannell, anteriormente aclamado pela criação da franquia “Jogos Mortais”, aborda o tema da inteligência artificial e da influência da tecnologia no nosso futuro com estética bastante própria e original. O protagonista, interpretado por Logan Marshall-Green, é um mecânico de carros antigos que ao ver sua esposa assassinada na sua frente e perder seus movimentos nos braços e pernas pela ação dos mesmos criminosos parte em busca de vingança. Ele é auxiliado por um chip instalado na sua coluna para recuperar seu corpo, porém, para isso ele precisa ceder o controle para o computador chamado STEM.

Com elementos de terror, body-horror, ficção científica e alguns outros gêneros, “Atualização” é um filme que empolga pela capacidade do diretor de criar um visual bastante próprio para contar essa história, que lembra muitas outras já contadas, e parece ter uma perspectiva própria para o debate e um visual novo para sequências de luta em que os movimentos de câmera se tornam mecânicos quando STEM está no controle do personagem.


17 | Vingança (2017)

Os filmes de exploitation praticamente sumiram das telonas, alguns estúdios até apostam em filmes que tratam o gênero como peça de nostalgia como “Dolemite é meu nome” (2019), mas os mega-orçamentos e monopólio de franquias e mega corporações expulsou um dos mais populares tipos de filme em outro momento. “Revenge” é uma boa excessão e um exemplo de como trabalhar essa linguagem de maneira contemporânea.

A diretora francesa Coralie Fargeat foi muito elogiada pelo uso de filtros saturados para mostrar o deserto em que vemos a trama. A história segue a estrutura do rape-revenge, nela a personagem interpretada por Matilda Lutz vai a uma viagem de caça com seu namorado e dois amigos dele no meio do nada, um dia os amigos aproveitam a ausência do namorado para estuprar a moça, depois os três a deixam para morrer. Abordando a vingança de forma visceral, a diretora busca na new french extremity, movimento caracterizado pelas imagens chocantes, elementos de horror corporal que criam choque no espectador ao ver caçador(a) e presa(s) se transformando e indo até o seu limite físico.


16 | Tropa de Elite (2007)

Quando comecei a escrever o que deveria ser um parágrafo sobre “Tropa de Elite” em uma lista não imaginei que tinha tanto para dizer sobre o que é, aparentemente, na minha opinião o décimo sexto melhor filme de ação do Século 21. Esse parágrafo acabou virando um texto maior que está nessa postagem separada: “Quem não entendeu Tropa de Elite?” e pode ser encarado como uma expansão dessa lista. Abaixo deixo uma versão resumida de um dos parágrafos:

É importante a gente sempre entender é: o que está em “Tropa de Elite”? O que acontece nesses 120 minutos que teve tanto poder sobre o debate público? Um filme extremamente contraditório. O ritmo frenético, a narração de Wagner Moura, as cenas de ação espetaculares e a história, sobre um capitão do BOPE que quer encontrar um sucessor e dois amigos formados juntos pela academia de polícia que são os principais candidatos para a vaga. A contradição está em todos lados que enxergamos, Nascimento, Mathias e Neto todos se confrontam como sua luta pelo “bem” causa destruição e morte por onde passam e não conseguem conter essa violência a quando estão trabalhando de farda. Também está na maneira como Padilha pinta a polícia como uma instituição corrupta, mas “separa” o BOPE disso, como se existisse ali uma virtude do bem que os outros agentes de repressão não têm. Aliás, é justamente por José Padilha posicionar tanto Nascimento contra uma “corrupção” genérica (a principal preocupação da classe média) que legitimam a tortura, o assassinato e as ações dos personagens que achava que estava criticando.


15 | O Gosto da Vingança (2005)

Para quem gosta de acompanhar os enredos dos filmes, talvez “A Bittersweet Life” não seja o título mais recomendado. O diretor coreano Kim Jee-woon escolhe nos impressionar com sua imensa capacidade de criar cenas visualmente marcantes, como a que escolhi para destacar na imagem. A história do habilidoso agente de um mafioso, interpretado por Lee Byung-hun, que se envolve em alguns problemas após receber a missão de seguir a namorada do seu chefe para descobrir se a mulher está tendo um caso fica em segundo plano. O que assistimos é um personagem obstinado, que mesmo quando não cumpre a missão da maneira correta segue acreditando, a cima de tudo, em si mesmo e nos seus princípios. E, para mim, esse é o tipo de emoção que move o bom cinema, especialmente o cinema de ação, a luta pelo que se acredita, mesmo que isso resulte nas mais distorcidas atitudes. O inferno deve estar cheio de boas intenções de heróis de ação.


14 | Nuit Blanche (2011)

Para algumas pessoas só estar em uma festa já é motivo de ansiedade. Imagina então passar a noite em uma gigante casa de festa tentando resgatar seu filho de traficantes que você roubou um carregamento de cocaína enquanto centenas de pessoas dançam, trabalham, jantam e ouvem música alta a sua volta. É esse o espírito que o diretor Frédéric Jardin impõe ao seu espectador. Uma produção que impressiona pela capacidade de gerar tensão quase todo o tempo em um ambiente muito limitado em espaço, em possibilidades e em número de personagens que não impedem que a gente entenda as complexas relações entre essas coisas ao longo de uma única noite em que o personagem de Tomer Sisley, um policial que roubou drogas, tenta salvar seu filho. Tensão, ansiedade, atordoamento são as sensações que operam ao longo de 100 minutos. E, como em uma festa, no final me deixaram exausto.


13 | Mato seco em chamas (2022)

Foi longo o debate comigo mesmo sobre colocar esse filme nessa lista, com um certo questionamento sobre o próprio gênero que se enquadraria “Mato seco em chamas”. Minha escolha, no fim, foi pela visão de cinema que Adirley Queirós e Joana Pimenta trazem na sua carreira e nessa produção (visão que me dá a impressão que eles não gostariam muito de estar nessa lista, inclusive). O próprio gênero do longa talvez seja discutível, pois ao construir uma trama a partir das histórias das atrizes que estão na tela, mulheres ex-presidiárias da Ceilândia, é impreciso limitar o resultado disso a um gênero, quando na verdade há muitos elementos constituindo as cenas e as vidas dessas mulheres.

O enredo criado conta sobre a gangue de mulheres que encontra e vende petróleo na região satélite de Brasília, essas mulheres também se organizam no Partido do Povo Preso para disputar as eleições de 2022 e o abismo ideológico gerado nesse momento. A maneira como os diretores filmam Joana Darc Furtado (Chitara) e Lea Alves da Silva (Lea), suas motos, suas armas e suas conversas criam sequências fortíssimas com os veículos ocupando o espaço de maneira violenta e impositiva.


12 | Kung fusão (2004)

O chamado action comedy é um subgênero muito popular, em Hollywood especialmente nos últimos anos. Sua atitude despreocupada e cheia de ironias com o mundo dialoga com a maneira como o público tem gostado dos seus filmes, muitas estrelas foram para esse caminho contra histórias sérias cheias de valores morais comuns na ação. Mas foi de Honk Kong que as comédias de ação tomaram o mundo, especialmente em torno de um nome: Jackie Chan. Seu reinado como uma das maiores estrelas do gênero durou mais de 20 anos entre o final dos anos 1970 e o final dos anos 1990, quando fez seus últimos filmes populares. Nessa época surgiu em Honk Kong outro nome, muito menos famoso, mas que sem dúvidas dominou o começo do século com action comedies: Stephen Chow. Pelo menos é isso que eu sentia.

Quando falei que as locadoras eram um espaço importante para a popularidade dos filmes de ação, falo da minha própria experiência. Foram nesses espaços que descobri os inesquecíveis “Kung Fu Futebol Clube” (2001), que por pouco não entrou nessa lista e “Kung Fusão” (2004). Numa época em que o mundo olhava para o que vinha de Honk Kong novamente com o gênero wuxia e seus “O Tigre e o Dragão” (2000) e “O Clã das adagas voadoras”, Chow dirigia e protagonizava seus contos de exaltação ao Kung fu e seus valores utilizando as mesmas ferramentas narrativas de contos épicos e técnicas como o wire fu.

“Kung Fusão” é além de muito engraçado com todo tipo de piada por minuto, um filme de valores rígidos, em que um personagem precisa reencontrar a sua crença no bem para ajudar as pessoas na sua volta. Com números imaginativos que me fazem sentir uma criança de novo, não apenas por lembrar de assisti-los na minha infância mas por me maravilhar com a capacidade de imaginar técnicas malucas e engraçadas de Kung fu novas a cada cena.


11 | Missão: Impossível - Protocolo Fantasma (2011)

Eu lembro quando “Protocolo Fantasma” foi lançado, o mundo ainda não tinha assimilado muito bem a transformação que “Avatar” (2009) tinha causado nos filmes, pelo menos não até aqui. Só 4 anos depois de “m:i-3” (2007), de repente esse parecia obsoleto, pertencente a um outro tempo. E essa nova era, dominada por franquias cada vez mais populares, teve a constante presença de Ethan Hunt e sua capacidade infinita de nos impressionar. Dirigido por Brad Bird, o quarto filme da franquia se tornou para mim o segundo melhor de todos (atrás apenas da versão original de 1996), é uma série que eu já assisti várias vezes em todas ordens possíveis e “Protocolo Fantasma” é um dos melhores exercícios de trama misturada com ação.

Desde a incrível sequência de fuga da prisão nos primeiros minutos até a inesquecível escalda do Burj Khalifa que é na minha opinião o mais incrível dos feitos de Tom Cruise (mais além na lista vou falar um pouco mais sobre ele) enquanto ator-dublê, uma cena que não importa quantas vezes eu veja, sempre me deixa tenso e impressionado com a beleza de uma tempestade de areia refletida em um prédio enquanto nosso protagonista está pendurado com uma mão do lado de fora. Os números de ação seguem um atrás do outro com a capacidade de todos se tornarem memoráveis, mas além disso temos duas tramas sólidas, uma tentando entender o que aconteceu com a esposa de Hunt e qual a relação do personagem de Jeremy Renner com isso, a outra uma história de vingança que envolve as incríveis Paula Patton e Léa Seydoux.


10 | The Raid (2011)

Mencionei mais cedo que os filmes de ação se tornaram mais violentos na década passada, para mim o marco dessa transformação é “The Raid”. O diretor britânico Gareth Evans era um desconhecido iniciante quando foi contratado para fazer um documentário sobre pencak silat na Indonésia, ele não podia imaginar que nesse processo iria conhecer o office boy Iko Uwais e o instrutor de luta Yayan Ruhian e que os três juntos seriam precursores de um novo estilo de filmes de artes marciais. A primeira parceria dos três foi com “Merantau” (2009) que angariou fãs especialmente na Indonésia e mostrou o potencial do silat no cinema, os três seguiram seu trabalho com o aclamado vencedor da Sessão da meia-noite no Festival de Toronto: “The Raid”.

Filmes de uma locação só podem ser repetitivos, cansativos ou às vezes só a ideia de estar nesse lugar perde a graça, mas quando uma equipe policial invade um imenso prédio controlado pelo tráfico e sua única missão passa a ser sair de lá com vida, “The Raid” nos deixa tensos por todos 100 minutos. Os dois artistas marciais transformados em atores se juntam em tela com Joe Taslim e passamos a acompanhar as implicações da ação da polícia na vida dos protagonistas quando os moradores do prédio se unem para atacar os invasores. A cada andar que o protagonista Rama entra temos um novo conjunto de defensores com outras armas prontos para desafiar o personagem. O que me agrada tanto nesse filme é que conforme esses inimigos vão sendo derrotados e o número de pessoas em tela diminui a escala da ação aumenta, quer dizer, o diretor sempre equilibra perfeitamente o que temos que acompanhar. Ao final os três atores protagonizam uma das melhores lutas já vistas no cinema.


9 | RRR (2022)

O diretor indiano S. S. Rajamouli descreve seu estilo de direção com uma palavra: emoção. O que é perceptível nos seus dois épicos “Baahubali” (2015, 2017) e no seu impressionante sucesso “RRR”, que encantou o mundo em 2022. O diretor mais bem sucedido de Tollywood se projetou internacionalmente com a seriedade e a intensidade com que trata suas complicadas tramas mostrando em cada take uma complexa teia de sentimentos e sem medo de mostrar seus personagens chegando ao limite físico e mental a cada cena.

E a mágica de “RRR” está justamente na maneira como esses desafios se impõem para os personagens Bheem (N. T. Rama Rao Jr.) e Rama Raju (Ram Charan) dois homens que farão de tudo pelo que acreditam e que, por isso, se tornam grandes amigos, apenas para descobrirem que a missão de um era oposta a missão do outro. Em um momento que parte do público se frustra com as ironias e com a autopiada dos filmes em Hollywood, Rajamouli cria uma história com romance, comédia, drama, amizade, vingança, dança e mais uma dúzia de sensações, todas no último volume. E mais, se os seus dois longas anteriores têm uma ética contraditória na maneira de retratar o nacionalismo telugu, em “RRR” o inimigo é o colonialismo britânico e, bom, esse é um inimigo que qualquer lugar mundo consegue se identificar.

A relação entre a emoção buscada pelo diretor e a ação se constrói naturalmente, seja nos grandes números de luta como aquele em que Rama enfrenta centenas de pessoas sozinho ou na épica batalha de dança entre os personagens ao som da premiada canção “Naatu Naatu”, o filme sempre é capaz de usar a cinética para criar e resolver conflitos. E dessa maneira acabamos encantados com a amizade entre o raio e o trovão.


8 | 007 - Casino Royale (2006)

Tem sido um grande século para James Bond. O personagem nunca teve uma sequência de filmes tão consistentes e isso se deve em grande parte ao seu intérprete Daniel Craig. Depois de uma sequência de produções protagonizadas por Pierce Brosnan o mundo se questionava se o agente do MI6 com licença para matar ainda era um bom personagem. O velho estilo de spy thriller que não se levava a sério frente os desafios improváveis e a maneira como Bond os enfrentava não satisfazia mais o público. Com Craig, os filmes de 007 foram mais explosivos, mais sérios e mesmo que o personagem ainda seja um canastrão, nunca ele ou os roteiros trataram Bond assim.

O primeiro encontro entre Bond e Craig aconteceu com “Casino Royale”, dirigido pelo experiente Martin Campbell, esse era o jeito perfeito da gente conhecer e entender a nova versão do personagem. Conhecemos o arrogante e inconsequente 007 e vemos ao longo de 140 minutos a desconstrução do arquétipo do super agente que conhecemos e a reconstrução do novo Craig-Bond. Sobre “RRR” falei da construção de ação em uma batalha de dança, em “Casino Royale” tem um bombástico confronto de ação em que o herói e o vilão Le Chiffre (Mads Mikkelsen) se enfrentam em uma partida de pôquer.


7 | à Prova de Morte (2007)

O outro representante do gênero exploitation que escolhi é um dos melhores filmes de Quentin Tarantino. Ele é, como a obra do diretor costuma ser, uma homenagem ativa ao cinema, seus personagens são dublês colocados em posições de heróis e vilões com ações heroicas, seus diálogos são sobre grandes carros que marcaram os filmes e sua história investe em uma trama divertida e tensa. Um dos meus atores favoritos de ação, Kurt Russell interpreta um serial killer que tem por modus operandi seguir suas vítimas e provocar acidentes fatais de carro. Além dele, o diretor escalou a dublê Zoë Bell e a atriz Rosario Dawson que interpretam as suas heroínas apaixonadas por filmes.

Tarantino filma os diálogos entre seus personagens com a empolgação que boa parte dos diretores atuais não conseguem filmar cenas de luta. Seu estilo de falas rápidas sobre cultura pop que escondem os comentários do diretor sobre cinema e revelam a posição de cada personagem na trama enquanto fazem o público pensar sobre outra coisa é um dos trunfos de “À Prova de Morte”. Os seus dois grandes números de ação em que o vilão persegue dois grupos de mulheres na estrada com seu carro estilizado com uma caveira toma seu nome emprestado do título do filme, são a extensão dos seus diálogos.

Essas duas sequências além de emocionantes transformam a história contada por Tarantindo. O seu stuntman Mike (Russell) usa o cinema para cometer assassinatos brutais contra as mulheres que persegue. As dublês da segunda parte do filme, por sua vez, usam o cinema para se defender a ponto de inverter a hierarquia da narrativa imposta e passarem de perseguidas para perseguidoras de Mike. Não existe ação maior no cinema que um personagem tomar sua história nas próprias mãos e decidir seu final.


6 | Top Gun: Maverick (2022)

Tom Cruise é o grande nome dos filmes de ação no Século 21. Se na primeira década muitas estrelas se destacaram no que ainda era um gênero muito produzido, nos últimos 10 anos ele se tornou um símbolo de um jeito antigo de se fazer cinema. Eu acho sua carreira muito singular, nos anos 1980 e 1990 (quando se faziam muitos filmes de ação), o ator fez dramas e trabalhou com boa parte dos mais prestigiados diretores dessa época como Coppola, Kubrick, Oliver Stone, Scorsese, Spielberg e Paul Thomas Anderson. Ao mesmo tempo, trabalhou com os bons diretores de ação como Tony Scott, Michael Mann e, em 1996, Brian De Palma quando estreou o seu “Missão: Impossível”, a partir desse papel ele passa a ocupar o status de super herói de ação na indústria até eventualmente se tornar o maior símbolo do gênero.

Suas ambições o permitiram ultrapassar o cargo de protagonista e ele passou a ser um autor dos seus filmes, sendo responsável por escolher a equipe, por executar a produção, promover as peças e, mais importante, trabalhar os temas que considera importante. Em uma Hollywood que vive de sequências, reboots, spin-offs e dezenas de outros termos para descrever maneiras de reciclar franquias antigas para vender aos novos públicos, Tom Cruise trouxe de volta um dos seus maiores sucessos dos anos 80. Mas, se “Top Gun” (1986) era um filme bobo, que brincava com os filmes de ação chauvinistas da sua época, “Maverick” é fruto de uma época em que a indústria é tão diferente que ele tem uma relação de oposição ao filme original.

“Top Gun: Maverick” se tornou um grande sucesso de público e crítica pela sua seriedade em ser um grande filme de ação, a maneira como o personagem principal se comporta, um velho rebelde que não se conforma ao status quo representa a visão que Cruise tem de si mesmo na indústria cinematográfica. E é uma grande história. O conflito entre o protagonista e o personagem de Miles Teller, os imensos e emocionantes números com os aviões que jamais nos permitem relaxar e pensar que tudo pode ir por água abaixo, sua estrutura rígida em três atos que possibilitam a compreensão de todos movimentos dos aviões na hora que eles são feitos. O diretor Joseph Kosinski descreve o filme em uma frase: “em Top Gun sempre é a hora dourada”, e podemos sentir o que isso significa em cada cena de “Maverick”.


5 | Chamas da Vingança (2004)

Denzel Washington? Imagens com filtros escuros? Título genérico? Violência gratuita? Tudo isso dirigido por Tony Scott? Só pode ser um filme de ação dos anos 2000. Quando falo da importância das locadoras na primeira década desse século para disseminação dos filmes de ação, é algo assim que eu lembro. Os cartazes nas portas das casas de vídeo que dão as sensações de urgência e de importância do desafio que seus personagens iriam enfrentar e quando esses cartazes tinham Denzel Washington era certeza de sucesso.

Depois da Guerra no Iraque o cinema norteamericano e o seu público se tornaram mais conscientes sobre seu papel no mundo, histórias sobre agentes da CIA e a violência das suas ações cresceram em produções com um ar pesado em que a vida desses personagens parece sempre difícil. “Chamas da Vingança” existe nesse universo. Seu protagonista, um agente da CIA aposentado se torna segurança privado de uma menina no México em meio a uma onda de sequestros. Alcoólatra e assombrado pelo seu passado, o personagem reencontra alegria na vida ao criar um vínculo com a criança interpretada por Dakota Fanning. Isso vai por água a baixo quando ela é sequestrada e ele parte em uma missão para salvá-la a qualquer custo.

Na época, o estilo arrojado de Tony Scott não foi bem aceito pela crítica, mas assistindo hoje seu ritmo frenético, suas maneiras de moldar a percepção do tempo a partir da perspectiva dos personagens, seu uso de trilha sonora como contraponto das ações e a temática profunda e ambígua me fazem sentir em uma jornada emotiva e profunda. A violência é retratada como algo destrutivo que faz a vida do protagonista piorar cada vez mais e a cada ato dele vemos a degradação do ser humano se aprofundando. A maneira que Scott filma isso foi comparada na época com videoclipes pela velocidade e os truques visuais com que a câmera se mexe para demonstrar como o personagem de Washington se sente atordoado em relação ao mundo. O diretor ainda demonstra ser um velho hollywoodiano pois ao final a capacidade de amar é mais importante que a capacidade de causar dor e destruição a sua volta.


4 | PTU (2003)

Eu não conheço um diretor com mais prazer em filmar que Johnnie To. Sua notável habilidade técnica em compor quadros e contar histórias sobre crimes, sobre amizades, sobre honra de maneira emocionante o tornou um dos diretores mais admirados no mundo. O diretor de Hong Kong parece ter prazer em filmar porque cada movimento que sua câmera faz é mais bonito que o anterior, a generosidade com a maneira de colocar cada personagem em tela sempre chama atenção. Seu estilo amplificou as grandes histórias que conta sempre destacando a violência e suas consequências em um lugar que tem um pouco mais de 1 mil km².

“PTU” é mais de suas histórias sobre as tríades. Quando um policial é encurralado por um grupo e sua arma é roubada, ele teme que a pistola tenha sido usada para executar um líder criminoso local e pede ajuda para a tropa de elite da polícia de Hong Kong para recuperar o revólver. A história se passa toda durante uma noite em que os diversos grupos policiais e criminosos se cruzam buscando seus objetivos. O diretor usa o cenário para explorar as complexas relações entre crime e lei na cidade, com as rivalidades e disputas pessoais entrando no caminho dos desafios de cada um.

Como é costume nos filmes do leste asiático, a presença da polícia é sempre assustadora e opressora e a banalidade com que usam da violência contra seus adversários é chocante, já as tríades são munidas de muita violência sem direção e assim acabam disparando uns contra os outros. As imagens noturnas são belas e impressionantes, Johnnie To passou dois anos filmando “PTU” para obter o resultado que vemos em tela, a sensação de caminhar na rua a noite, admirando a beleza do silêncio com receio que a qualquer momento algo possa nos acontecer acompanha o espectador ao longo dos menos de 90 minutos da história.

Sem dúvida, “PTU” é o mais parado filme dessa lista. Com poucas sequências de ação, o diretor passa mais tempo construindo as dinâmicas da disputa em tela e aumentando o peso que cada uma das escolhas dos personagens têm para que as disputas se tornem mais importantes e valiosas. Ao final, uma grande cena catártica em que finalmente vemos toda tensão acumulada explodir e tomar a cena, rendendo a visão do diretor sobre o mal que toda essa violência causa para seus personagens.


3 | Colateral (2004)

Falando em um diretor que demonstra raro prazer em filmar contando uma eletrizante história que se passa em apenas uma noite. Michael Mann é uma das melhores coisas que aconteceu em Hollywood nas últimas décadas, seu interesse por cinema é algo que impressiona, o jeito de filmar a noite com muita luz e claridade, a movimentação das suas câmeras de mão ou os conflitos internos que seus personagens sempre ostentam em tela foram sempre aclamados.

Meu primeiro contato com “Colateral”, há muitos anos, foi lendo um dos manuais de roteiro de Syd Field atualizado em 2004. Trago isso porque ao assistir o filme é bem fácil compreender o porquê da escolha para um manual de roteiro, a história sobre um taxista que passa a conduzir um assassino profissional pela noite de Los Angeles enquanto ele comete uma série de assassinatos. O diretor passa todos 120 minutos desenvolvendo conflitos internos e externos entre os dois protagonistas, um interpretado por Tom Cruise e outro por Jamie Foxx, que na época ainda não era um ator tão aclamado. Além da dupla, vemos um policial interpretado por Mark Ruffalo, o único que compreende o que está acontecendo.

Os dois personagens são opostos em tela, o motorista sonha em um dia abrir seu próprio negócio, ele descreve suas férias como os poucos segundos em que olha uma foto de uma praia no seu quebra-sol, ele visita a sua mãe todas noites, mesmo que ela o trate mal, ele se conforma a imposição da realidade sobre sua vida. O assassino é pragmático, racional, ele dobra o mundo para encaixar na sua própria perspectiva, justificando com facilidade suas ações e seu trabalho.

O motivo de “Colateral” ter se tornado exemplo de bom roteiro é como seu terceiro ato faz o protagonista confrontar a realidade e alterar ela. A estrutura montada por Mann nos faz pensar ao longo dos dois primeiros atos que Ruffalo vai salvar Jamie Foxx, mas isso vai por água abaixo rapidamente em uma das melhores cenas do longa. A partir daí, cabe ao taxista tomar seu destino em suas mãos e confrontar seu antagonista, para quem passou a noite fazendo concessões. E quando ele assume as rédeas do seu destino ele é capaz de moldar sua realidade ativamente. A estrutura de roteiro baseada no modelo dialético é uma das maiores qualidades de Mann e somando isso com a maneira como cria tensão visualmente temos “Colateral”.


2 | Herói (2002)

Nos anos 1990 o cinema chinês levou grande reconhecimento internacional, o que culminou no sucesso de “O Tigre e o Dragão” (2000), nesse contexto o diretor Zhang Yimou despontou como um dos grandes nomes do país e seus filmes de drama foram laureados nos maiores festivais do mundo e seu estilo reconhecido pelo forte uso de cores e criação visual era aclamado. “Herói” foi seu primeiro wuxia e foi um imenso sucesso de bilheteria. Contando com as super estrelas do cinema chinês Jet Li, Tony Leung, Donnie Yen e a incrível Maggie Cheung como os quatro assassinos que planejam matar um rei da dinastia Qin.
Se destaca a estrutura narrativa que remete ao clássico “Rashomon” (1950) de Akira Kurosawa. Em “Herói” um prefeito local descreve ao rei a maneira como executou os três assassinos que queriam matá-lo, vemos essas versões e depois outras versões oferecidas pelo próprio rei de como ele acredita que essas batalhas foram forjadas para baixar a guarda. O eixo temático principal é sobre poder, e as diferentes formas que esse conceito pode se manifestar. Como ter poder ou como utilizá-lo, inclusive o poder de não fazer nada frente uma causa maior.

Ainda que a história e sua ética sejam grandiosas, como o gênero wuxia deve ser, mais notável ainda é o que o diretor coloca na tela. Um espetáculo de cores e formas se movimentando em tela como uma força só criando as versões espetaculares contadas pelos personagens e ampliando os sentimentos nossos e deles sobre cada uma dessas histórias, de maneira que lembra outro filme de Kurosawa: “Kagemusha” (1980) e seu intenso uso de cores.


1 | Mad Max: Estrada da Fúria (2015)

Eu lembro das manchetes vindas de Cannes em 2015: O novo “Mad Max” aplaudido por mais de 10 minutos. Lembro também de estranhar isso, não imaginava o que a terceira sequência de uma franquia dos anos 1980 teria para acrescentar no mundo, especialmente no mundo do cinema, 30 anos depois de seu predecessor. 2014 havia sido o grande ano do cinema dos maiores autores da nova década, havia “Whiplash”, “Birdman”, “O Grande Hotel Budapeste” e “Interestelar”, entre outras produções que falavam com a nova geração de apaixonados por cinema numa língua que fingia não ser mainstream.

Lembro também do impacto de assistir ao filme de George Miller. E de rever tantas vezes. Dois destaques chamam atenção todas vezes, a substituição da gasolina pela água como o grande recurso que move a trama e o discurso sobre as mulheres. Depois disso, mais dois destaques: Tom Hardy e Charlize Theron. Mas a joia, o motivo do culto em volta de “Estrada da Fúria”: o seu tamanho. A vibrante construção de mundo que cria personagens e lugares excêntricos onde tudo parece próximo da realidade de um jeito estranho e que nos faz sentir que a Austrália pós-apocalíptica não está tão distante da gente quanto gostaríamos. Miller constrói um mundo de cores quentes, o laranja invade cada buraco dos cenários e mesmo na versão chamada de black & chrome a temperatura na tela é algo arrebatador.

Por sua vez, os personagens também agem de maneira quente, suas atitudes são baseadas nas suas emoções, naquilo que acham certo e na sua sobrevivência, quando estão em conflito Max e Furiosa não abrem mão da sua visão e do seu lugar na história, o mundo de “Mad Max” toma forma na ação dos seus personagens. Aquilo que é chamado de extravagância e circense nesse trabalho, como o guitarrista-estandarte da comitiva do Immortan Joe, os grandes números de perseguição, são todos elementos para a construção da atmosfera quente e passional de Miller. Além disso, “Mad Max: Estrada da Fúria” é um dos filmes mais divertidos de todos os tempos e o meu filme de ação favorito desse Século.

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