Os Melhores Filmes Brasileiros do Século 21 (até agora)
o cinema brasileiro é um dos mais ricos do mundo.
Sempre que falamos sobre filmes brasileiros no Outra Hora, faço questão de repetir a frase acima, pois todos que o criticam, também não o assistem.
Neste século, falhamos em conseguir indicações para o Oscar pela falta de investimento e organização de nossas campanhas, mas conquistamos prêmios nos mais importantes festivais mundo afora e vimos uma variedade de obras que apenas um país com dimensões continentais pode proporcionar. Os filmes feitos no Nordeste são incrivelmente diferentes daqueles de São Paulo, que diferem daqueles do Sul, que por sua vez nada tem a ver com os feitos no Rio.
Mais do que isso, apesar de vivermos uma época difícil para a arte no Brasil, são justamente nesses tempos que os melhores artistas encontram combustível para fazer diferente e, por isso, a lista abaixo reflete todos os muitos momentos difíceis e conturbados que vivemos desde a virada do milênio. Mas antes de ir para a lista propriamente dita, é importante constatar que teremos uma postagem única para documentários, por isso sua ausência aqui.
Além disso, se quiserem conferir outros de nossos especiais, aqui estão alguns.
E também gostaríamos de deixar nosso amor para as menções honrosas que não fizeram a listagem final de 21 filmes: Amarelo Manga de Cláudio Assis; Sonhos Roubados de Sandra Werneck; O Signo do Caos de Rogério Sganzerla; O Céu de Suely de Karim Ainouz; Lisbela e O Prisioneiro de Guel Arraes; Estômago de Marcos Jorge; A História da Eternidade de Camilo Cavalcante; Nise: O Coração da Loucura de Roberto Berliner; Hoje Eu Quero Voltar Sozinho de Daniel Ribeiro; Tatuagem de Hilton Lacerda.
21 | lavoura arcaica
“Lavoura Arcaica” é marcado pela tradução, feita por Luiz Fernando Carvalho, do fluxo de pensamento escrito pelo autor Raduan Nassar. O espectador tem a mesma sensação de confusão que o protagonista André, interpretado por Selton Mello, sente em relação a sua própria história.
A narrativa em primeira pessoa conta sobre revolta, angústia, religiosidade e incesto. A falta de roteiro e as atuações feitas a partir do texto original do livro ajudam na percepção da falta de clareza e de compreensão dos sentimentos de André com a sua família.
A insubmissão em relação a seu pai, a responsabilização de sua mãe, o amor pela sua irmã e o estupro do irmão menor são traços e atos do personagem apresentados à audiência tal qual como foram escritos, e essa é uma das maiores conquistas do diretor.
20 | los silencios
Uma mãe se muda com seus dois filhos, Nuria de 12 anos e Fábio de 9, para uma pequena ilha na Amazônia, numa zona fronteiriça entre Brasil, Colômbia e Peru, após seu marido e pai de suas crianças ter desaparecido lutando em conflitos na Colômbia.
O que a primeira vista carrega pesadamente a aura de um documentário, ao longo de seus 90 minutos se mostra um delicado e emocionante drama sobre guerra, meio ambiente, populações marginalizadas e, acima de tudo, sobre como um mundo conflituoso afeta as crianças que nele crescem.
Misturando elementos sobrenaturais a dura realidade do cenário em que o filme se passa, Los Silencios é uma das obras mais emocionantes produzidas nos últimos anos no Brasil, com um final que te deixa com aquela sensação de que vai passar um tempo até que outra produção consiga te tocar dessa forma. Não à toa, foi considerado um dos melhores filmes a serem exibidos na Quinzena dos Realizadores em Cannes, no ano de 2018. Beatriz Seigner, diretora, produtora e roteirista do longa, se coloca como um dos nomes do cinema brasileiro a serem cuidados com mais atenção.
19 | bingo
Hey vocês fãs incondicionais de “Coringa (2019)”, sabiam que “Bingo”, de Daniel Rezende, fez o mesmo que aquele filme, mas antes… e melhor?
Com uma performance magistral de Vladimir Brichta na pele do palhaço que conquistou as manhãs brasileiras anos atrás, “Bingo” é um estudo de personagem, de cultura e de sociedade. Em uma das melhores cenas, o ator adapta as piadas originais - vindas dos EUA - porque eram bobas demais para as crianças brasileiras.
Ácido na medida certa e com uma reconstrução de época imersiva, “Bingo” é um grande filme sobre a natureza do espetáculo - e do Brasil.
18 | o beijo no asfalto
Em seu primeiro trabalho como diretor, Murilo Benício (o Tufão de Avenida Brasil) reúne um elenco recheado de estrelas pra contar uma história de um modo diferente do que o cinema geralmente se propõe. Misturando ficção, teatro e documentário, Benício adapta a famosa peça de Nelson Rodrigues de um jeito bastante singular.
O ponto de partida é simples: Arandir (Lázaro Ramos), um banqueiro, no caminho para seu trabalho testemunha um atropelamento e tenta socorrer a vítima, mas o homem, prestes a morrer, pede apenas que Arandir lhe conceda um beijo. Sem saber como reagir, o banqueiro realiza o pedido do moribundo e sai de cena. O problema começa quando Aprígio (Stênio Garcia), sogro de Arandir, e Amado Ribeiro (Otávio Müller), um fotógrafo de um tabloide, presenciam a cena sem que nosso protagonista percebesse.
A partir daí, de maneira muito intensa e fluída, somos apresentados a uma crescente de conflitos frutos de uma mídia sensacionalista e de preconceitos enraizados em nossa população, que levam a um desenrolar de fatos muito interessantes e levantam questionamentos importantes sobre as estruturas da sociedade. Por qual motivo o beijo é o centro da narrativa? Será que eles não vêem que alguém morria?
17 | benzinho
Dirigido por Gustavo Pizzi e provavelmente um dos filmes mais tocantes e recomendados pra toda a família de nossa lista, Benzinho é, como diz o nome, uma das simples e aconchegantes preciosidades de nosso cinema. É como um abraço de mãe, um carinho de avó ou um riso com os irmãos.
O filme é uma montanha-russa de emoções, mas todas elas giram em torno da importância que a família representa no nosso desenvolvimento e em nosso cotidiano.
É difícil não se emocionar com o longa e ainda mais complicado não se ver em uma, duas ou até mais cenas e situações pelas quais nossos personagens passam. Todas elas entregues em atuações lindas de todo o elenco, com destaque pra Karine Teles, que também assina como roteirista do longa.
16 | tropa de elite 1 e 2
Impossível escolher entre os dois, os longas de José Padilha curiosamente - ou não! - continuam atuais até hoje, mais de dez e 13 anos depois de seus respectivos lançamentos.
O Capitão Nascimento de Wagner Moura se consagrou como um de nossos principais personagens, um símbolo da hipocrisia estrutural da polícia e da índole do cidadão de bem, mas também daqueles poucos que a reconhecem e querem lutar contra ela.
Um herói para muitos, Nascimento é, na verdade, uma figura trágica, um homem que ensina a violência, e tem de enfrentá-la ao ouvir a pergunta do filho que, caso respondida, resumiria a ambiguidade dos dois filmes: “Por que seu trabalho é matar pessoas?”
15 | entre nós
Assisti poucos filmes tão melancólicos como este.
Mostrando um encontro mais do que agridoce entre amigos que não se viam a tempos e desde uma tragédia que marcou para sempre a vida de todos, “Entre Nós” tem em seu título um duplo significado: tudo que ali ocorre é entre a amizade daquelas pessoas, mas as relações de cada um e os sentimentos que nutrem um pelo outro são um verdadeiro emaranhado de nós.
Com atuações fortes e um texto poético sem nunca se tornar forçado, é um filme sobre a verdade, a mentira, e tudo que nasce, cresce e morre entre ambas.
14 | o som ao redor
Se sobre qualquer coisa, “O Som Ao Redor” é sobre a vida e como ela é vivida por diferentes brasileiros.
Emprestando um pouco do cinema de Linklater e do próprio Charlie Kaufman, Kleber Mendonça faz um filme sem uma premissa própria, mas com pequenas aventuras e objetivos de cada um de seus personagens, todos em seu microcosmos e com seus próprios problemas.
Individualmente, nenhum mereceria um filme para si próprio (ou você acha que alguém liga para seu stress quanto ao cachorro do vizinho?), mas juntos formam uma viagem nem tão para os arredores, mas para dentro de muitos brasileiros.
13 | deslembro
Poucos países esquecem tanto de sua história e, obviamente, tendem a repetí-la como o Brasil.
Deslembro é uma pequena obra prima de Flávia Castro justamente sobre isso, mas e principalmente também sobre a importância das memórias afetivas que temos e como no pior período de nossa história elas foram afetadas de maneira irrecuperável.
Visualmente lindo, e com planos marcantes como este da foto ao lado, “Deslembro” faz a dor da ditadura doer naqueles que a viveram, ainda mais por fazer todos relembrar das coisas que, infelizmente, não conseguem mais.
12 | califórnia
Uma das maiores qualidades dos filmes desta lista é contar momentos pontuais da sociedade brasileira sem jamais precisar aludir diretamente a eles.
Neste maravilhoso filme de Marina Person vemos a vida da jovem Estela… acontecer. Do primeiro interesse amoroso, às primeiras festas, à primeira transa, à sua linda relação com o tio e seu ingênuo sonho que dá nome ao filme.
Mas o que vemos vai muito além disso, desde como o sonho americano é injetado na cabeça de jovens brasileiros à uma síntese da angustia e preconceito provocados pela explosão da Aids nos anos 90.
É um filme sutilmente doloroso, mas que nunca deixa de ser encantador justamente por Estela ser uma menina tão bacana. Sentir orgulho de uma personagem é uma das melhores sensações que podemos ter em relação a um filme, e é isso que sentimos aqui.
11 | bicho de sete cabeças
Baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, “Canto dos Malditos”, o filme dirigido por Laís Bodanzky e roteirizado por Luiz Bolognesi foi o nosso pré Selecionado para a 74ª edição do Óscar, em 2002, para concorrer na categoria “Melhor Filme Estrangeiro”.
“Cantos dos Malditos” acontece na década de 70, porém o que impressionou Laís, é que o desconhecimentos e o tabu envolvendo instituições psiquiátricas permanecia o mesmo. Por essa, razão decidiu retratar a história nos anos 2000.
O filme é pauta para estudo até hoje, determinando a importância de materiais que denunciam o abuso recorrente sofrido por marginalizados.
10 | que horas ela volta
Quem não se emocionou quando Jéssica passou no vestibular?
Sucesso de bilheteria, escrito e dirigido por Anna Muylaert, o longa relata o cotidiano da doméstica Val (Regina Casé) que trabalha na residência de uma família classe média alta.
Após anos distante de sua filha (Camila Márdila), a menina viaja para São Paulo para prestar vestibular para arquitetura. Sua presença traz incômodo para muitos, inclusive para Val, que lentamente começa a perceber o tratamento de desigualdade em que vive.
O filme narra um fenômeno recorrente no Brasil; A emigração. Já que muitos saem de suas casas com o propósito de prover uma vida melhor para suas famílias. Para mulheres, isso pode muitas vezes significa que criem filhos dos outros e estejam distantes dos seus.
“Que Horas Ela Volta?” conta com o brilhantismo na atuação, que contou com a direta colaboração da atriz Regina Casé. Uma escrita e direção carregado de sutileza humorística, que demonstra a tentativa de amaciar uma triste realidade.
9 | o palhaço
Dirigido e estrelado por Selton Mello, é uma homenagem ao cinema nacional, ao mambembismo e a palhaçaria como jamais se viu, repleto de significado e poesia é uma potência temática e apresenta narrativa tocante.
São muitos adjetivos porque falar de um filme tão completo é sempre uma missão complexa.
Já na cena de abertura vemos trabalhadores em um canavial que veem passar os caminhões do circo na estrada em direção a próxima cidade, o que causa já o estabelecimento da estética sertaneja do interior brasileiro capaz de evocar diversos sentimentos e situações típico de filmes de estrada, um ambiente já bastante conhecido do cinema nacional que parece uma fonte inesgotável de histórias.
8 | o homem que copiava
Fazendo a minha lista para submeter para a votação (que sempre fazemos em listas colaborativas), ignorei completamente um dos filmes que mais assisti quando pequeno.
Por qualquer motivo que ainda não sabia, “O Homem Que Copiava” me fascinava, talvez por se passar em Porto Alegre, talvez pela personalidade cômica sem ser intencional de André, talvez por ele gostar de desenhar e eu também.
Hoje, revendo e relembrando, percebo tudo que este filme tinha e que não era capaz de captar, tanto do ponto de vista técnico como dramático.
Divertido, mas, acima de tudo, inteligente e singular quando comparado a outros filmes brasileiros, “O Homem Que Copiava” merece inúmeras repetições, assim como as cópias que André fazia. Apesar de que as novas jamais serão iguais as últimas.
7 | a vida invisível
O final de “A Vida Invisível”, estrelado pela inigualável Fernanda Montenegro, pode sim ser mágico e arrebatador, mas isso apenas fora possível graças ao que o filme de Karim Ainouz construiu durante suas duas primeiras horas.
Um melodrama que não tem medo de ser o que é, poucos filmes vão te deixar mais indignado e emocionalmente exausto do que este, um conto de duas irmãs separadas, duas vidas marcadas por mentiras, mas mais do que isso, de um Brasil que subjugou, e continua subjugando, meninas e mulheres.
Com atuações comoventes de Carol Duarte e Julia Stockler, o filme pode até não ter sido a escolha certa para o Oscar de 2020 (ver abaixo), mas não deixa de ser um dos melhores filmes de um recheado 2019.
6 | bacurau
O segundo filme de Kleber Mendonça na lista é um dos mais comentados longas brasileiros nacional e internacionalmente por ser sobre e ter sido lançado em meio a um período tão crucial na nossa história.
Disfarçado de, como Iñárritu chamou, uma guacamole de gêneros, “Bacurau” é sobre a resiliência do brasileiro, sobre lutar e resistir contra as tentativas de não apenas retroceder, mas apagar a história.
Com um elenco recheado de não atores, um universo extenso que fica apenas sugerido e atuações espetaculares de nomes como Sonia Braga e Udo Kier, talvez esta tenha sido a nossa maior chance perdida no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Sempre que escrevo sobre “O Lobo Atrás da Porta” enfatizo como a personagem de Leandra Leal é uma das mais marcantes do suspense nestes últimos anos, isso contando filmes do mundo todo.
Dirigido com maestria e evocando um senso sufocante de claustrofobia, com atuações exemplares de Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento, esta obra prima de Fernando Coimbra te engana de diversas maneiras, chega a brincar de “Cidade dos Sonhos” e entrega um final chocante, ainda mais quando descobrimos que é baseado em fatos reais.
Um confesso fã do gênero, não acho que este longa tenha nada a perder quando comparado à outras obras contemporâneas, aclamadas e idolatradas, como “Garota Exemplar”, “Ilha do Medo” ou “Os Suspeitos”. E caso ache que estou exagerando, empreste seu tempo para este filme e venha me agradecer depois. Estarei esperando.
Também na nossa lista das melhores animações do século 21 até agora, “O Menino e o Mundo” é um verdadeiro tesouro do nosso cinema, não apenas pela qualidade, mas por provar que em um país com tantas histórias a serem contadas, as vezes uma aventura sem qualquer palavra ser pronunciada consegue cobrir um caminho ainda mais extenso.
Merecidamente indicado ao Oscar do gênero, o filme de Alê Abreu é visualmente singular e contém composições deslumbrantes, que ressaltam a beleza mesmo nos lugares menos belos do país, onde a gangorra da desigualdade chega a tocar o chão.
E o mais impressionante é que nos afeiçoamos pelo Menino e com a jornada gigantesca que ele trava ao redor de diversos mundos, todos eles dentro desse Brasil gigantesco e que nenhum filme de carne e osso conseguiu representar tão bem como esse trabalho encantador.
“O Menino e o Mundo” já é um clássico.
O terceiro filme de nosso diretor mais celebrado da atualidade é talvez o “menos ambicioso”.
Diferentemente da narrativa solta e cheia de enigmas de “O Som ao Redor”, ou da trama fechada e repleta de metáforas de “Bacurau”, “Aquarius” centraliza nossa visão em Clara, uma mulher independente, forte e abraçada com o que de mais importante lhe resta da vida que vivera: o apartamento onde sempre morou, onde criou os filhos, onde se tornou quem é.
Filmado por Kleber com uma série de nuances que sugerem o mesmo universo incompreendido de seus outros dois longas (estaria ele preparando a versão tupiniquim de “Vingadores”?), “Aquarius” não deixa de ter seus mistérios, ou de traçar o mesmo comentário político/social característico de seu realizador, mas realmente parece que o sentimento central aqui é outro.
O de memória, o de pertencer, o de não querer abrir mão de quem é. E Clara é a personagem perfeita para esse sentimento.
Provavelmente um dos filmes que mais apelam pro sentimental do telespectador, O Auto da Compadecida é uma obra que marcou gerações e que tem um espaço cativo na memória dos que o assistiram. Não a toa é a maior bilheteria de um filme brasileiro no ano 2000 e uma das maiores bilheterias de filmes brasileiros na história.
Baseado na obra de Ariano Suassuna, o filme é fruto de uma minissérie produzida pela Rede Globo, que ganhou uma versão cinematográfica, com algumas cenas cortadas. Ele se passa em algum local do sertão paraibano e acompanha Chicó e João Grilo, nossos dois heróis inesperados, interpretados magistralmente por Selton Mello e Matheus Nachtergaele. Entre as diversas situações cômicas pelas quais ambos passam, como conseguir que um padre dê a benção a cachorra de seus patrões após a morte dessa e a conquista da autorização do major da cidade para que Chicó possa casar com sua filha Rosinha (Virginia Cavendish), a narrativa do filme explora questões essenciais para entender a situação política e cultural no começo dos anos 30 naquela região do Brasil.
O momento emblemático do filme é quando João Grilo, ao tentar usar sua esperteza contra o cangaceiro Severino (Marco Nanini), acaba sendo morto junto a outros personagens e por conta disso vá de encontro ao Diabo (Luís Melo), para ser julgado e ter seu destino decidido entre o paraíso ou o inferno. Se utilizando muito de um dos recursos mais fortes do longa, o afiado texto, a discussão ao mesmo tempo tensa e divertida culmina no aparecimento de Jesus Cristo (Maurício Gonçalves) e de Nossa Senhora da Compadecida (imortalizada por Fernanda Montenegro), que decidem por enviar a alma de João Grilo de volta a Terra.
Nas palavras do próprio Suassuna, que aprovou a adaptação de sua obra, os personagens de O Auto da Compadecida, em especial João Grilo, representam uma parte essencial ao nosso país, parte essa que “luta contra o patriarcado rural, a burguesia urbana, a polícia, o cangaceiro, e até contra o Diabo”.
Ainda vivemos em um país democrático, mas nem que todos votassem contra eu permitiria que “Cidade de Deus” não fosse o primeiro desta lista. Inclusive, pode ser o primeiro de outra, ainda maior, que vamos lançar próximo ao fim do ano…
Dirigido por Fernando Meirelles e dado a alcunha por boa parte da população como nosso maior clássico, a história da Cidade de Deus se tornou lenda nos cinemas mundo afora, sendo considerado um dos melhores filmes, ponto.
Uma espécie de “Os Bons Companheiros” versão Rio de Janeiro, mas ainda melhor que a obra prima de Scorsese (sim, eu disse), este é um daqueles casos de filmes que você assiste milhares e milhares de vezes, e não deixa de se impressionar, assustar, espantar, chorar, rir (muito) e vibrar. Na pele de Buscapé, vemos uma síntese do brasileiro comum, e nos relacionamos, torcemos e acreditamos nele não por ser 100% bom - talvez nenhum brasileiro seja -, mas por ser apenas mais um jovem que quer sobreviver em um lugar que parece a todo momento cercá-lo de morte e destruição. Ele fazer isso com um sorriso no rosto (presente até quando ouvimos a narração que oferece) apenas atesta a forma como leva a vida.
Com algumas das cenas mais intensas que já assistimos e, ao meu ver, a melhor performance infantil da história do cinema (sim, eu disse) com Douglas Silva vivendo Zé Pequeno, talvez nosso maior personagem e, também ao meu ver, o merecedor do Oscar de Melhor Ator de 2003 em Leandro Firmino (e repito), “Cidade de Deus” é um clássico irretocável do cinema brasileiro e mundial, nosso melhor filme e a representação mais próxima que um dia chegaremos do Brasil e do brasileiro em uma tela de cinema.
Pois mesmo que se passe inteiramente na Cidade de Deus, ali vemos todo nosso país, em toda sua grandeza, sua incomparável beleza e sua profunda e, as vezes, irônica tristeza.
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