Crítica | Asteroid City
Organizado e vazio, ao contrário do universo,
“Asteroid city” sucumbe ao ego de Wes Anderson que está preso no próprio cinema.
O livro “O Processo” do Kafka é lembrado sempre que alguém se sente preso em uma situção desorganizada. O célebre livro do autor alemão conta a história de um homem acusado de um crime que não conhece e não consegue descobrir devido a natureza da burocracia do Estado. Na minha opinião essa interpretação de que a burocracia que o personagem enfrenta no livro é desorganizada está errada, acredito que Kafka critica o excesso de organização sem sentido. Que é por natureza o significado do estado liberal, quando se esconde atrás da técnica para esconder sua ineficácia.
Eu enxergo o cinema de Wes Anderson, especialmente seu novo “Asteroid City”, dessa maneira. O que é tratado por organização, equilíbrio das formas nos espaços, paleta de cores e o que é descrito como seu estilo (que há alguns meses foi reproduzido facilmente por milhares de pessoas no Tik Tok) na verdade esconde como essas técnicas não produzem sentido na tela. Podemos ver isso na cena em que as crianças-prodígio almoçam juntos depois de receber seus prêmios, apesar de tudo estar equilibrado espacialmente, não há motivo nenhum para estarem na ordem que estão, a imagem não nos conta nada sobre eles ou sobre o filme. E essa é a síntese do estilo de Anderson, uma imagem que simula estar organizada, mas é só simétrica, em um olhar mais analítico não se encontra organização nenhuma.
Dito isso, não é um filme imprestável, há algumas boas cenas. A melhor delas, com muita distância é no fim do primeiro ato quando o ET desce a terra fictícia para recolher o asteróide do título. Não lembro de outro momento na obra de Anderson tão entregue ao prazer do cinema como esse. O diretor conduz seus personagens e o público por algo completamente inesperado e encantador, sem truque de cor e de geometria só deslumbre em descobrir o novo. Já no final do terceiro ato vemos todos personagens em uma mesma sala quase rompendo o tecido escapista do diretor, eles gritam com a câmera que se vira em contra plongées, planos holandeses e lentes grande angulares, técnicas tipicamente utilizadas para criar estranhamento e desconforto, o anti-Wes Anderson, enquanto aparecem brevemente fora dos tons pastéis e do preto e branco.
Esse momento no final quando os personagens parecem tentar quebrar a barreira imposta entre o diretor e o público denuncia um problema do Wes Anderson. A carreira construída com base em frames compartilhados na internet e a fama de organizado e bom autor o tornaram um diretor preso no próprio estilo. E tudo em “Asteroid city” precisa ser controlado por ele. Esses breves segundos em que vemos essa fuga é rapidamente esquecido com tom confessional. Já, o outro bom momento que descrevi, do ET, é em dois minutos desmontado, quando o diretor da peça mostra a miniatura da nave que acabamos de ver, como sua invenção. Não temos direito a nenhum prazer sem Anderson reforçar seu poder sobre o que estamos vendo. “Asteroid city” procura a infinitude do universo, mas esbarra em um jeito de fazer cinema que repele a produção dos sentidos que quer e no limite das coisas, quem sai prejudicado é Wes Anderson.