Os 10 Melhores Musicais do Século 21 (até agora)
Não se fazem musicais como antigamente…
Mas ainda se faz muita coisa, essa lista exalta algumas das melhores produções do gênero nos últimos anos.
Se nos anos 50 e 60 nenhum gênero foi maior em Hollywood que os musicais, esse certamente deixou de ser o caso a partir da Nova Hollywood, movimento que ocorreu simultaneamente à decadência da Broadway e ao acirramento das lutas sociais no final dos anos 1960, onde o escapismo otimista dos musicais já não dava as respostas que a população buscava. De tempos em tempos se tentou revitalizar o gênero e algumas coisas boas foram feitas as margens do sistema dos estúdios, em 2021 tivemos um número acima da média de produções musicais, o que talvez indique uma tímida reapariação desses filmes no imaginário das pessoas. Não é coincidência que o filme mais antigo dessa lista foi lançado em 2001 e o mais novo em 2021, o começo e o momento atual desse século foram dois picos em filmes musicais e esse ranking destaca o que de melhor foi feito entre esses dois momentos.
Eu comecei a desenvolver essa lista em 2019, na época tive muita dificuldade em encontrar 10 filmes musicais da maneira que queria e resolvi esperar o lançamento de outras coisas que estavam por sair como “Cats”, “West Side Story” e “In the Heights”. Acredito que tenha sido uma boa escolha pois pude incluir dois desses filmes e fazer uma lista mais próxima daquilo que eu queria. Essa lista ranqueia musicais do Século 21, mas um tipo específico de musical, por exemplo, não considerei animações (há algumas que certamente teriam entrado) e nem biopics (esse gênero pode ter uma lista própria com filmes como “Piaf”, “rocketman”, “Johnny e June”, “Tim Maia” e “Straight Outta Compton”), há um terceiro tipo de musical que não considerei: o “não-tenho-tanta-certeza-que-é-um-musical”. Para esse texto quis entender e falar sobre o musical-musical, que grita na cara do espectador qual meio usa para contar sua história. Feita essa filtragem sobraram poucas opções, aliás, seria mais fácil fazer uma lista dos piores musicais do século (“Cats”, “Querido Evan Hansen”, “Rent” e por aí vai).
O resultado são esses 10 musicais, 7 adaptações do teatro e 3 roteiros originais sendo só 1 com músicas totalmente compostas para o filme (“La La Land”), mas algumas coisas muito boas e pelo menos metade da lista entraria entre as melhores produções do seu ano, indicando que há um número de bons musicais produzidos nos últimos 21 anos, com o streaming e o ganho de popularidade da broadway na última década existe a tendência de vermos mais peças sendo adaptadas em um futuro próximo, apesar disso, o filme musical é um meio que deixou seus dias de glória no passado. A escolha de trabalhar com esse gênero hoje é bem feita quando há uma intenção firme para escolher ele e não qualquer outra mídia disponível e nesses casos ainda acredito que veremos bons musicais sendo lançados.
10 | La La Land
Muitas críticas foram feitas a “La La Land” e de certa maneira a curta carreira de Damien Chazelle nunca mais se encontrou a partir dessa produção. O roteiro original concebido como uma carta de amor para Los Angeles foi talvez excessivamente desdenhado depois de ter sido excessivamente aclamado, claro. Lançado para ser um Oscar bait, nos poucos meses entre o dia que estreou e a premiação daquele ano, o filme viveu uma verdadeira montanha russa em relação à opinião popular e desde então ocupa um espaço negativo no imaginário de quem acompanha cinema. É verdade que se ele sempre tivesse sido tratado pelo que realmente é talvez fosse mais fácil encontrar o valor de “La La Land”, um filme naive, uma ode liberal à indústria cultural e que mesmo assim é capaz de encontrar sentimentos verdadeiros e bons impulsos no seu caminho.
Tentando escapar das cansativas tentativas de Chazelle mostrar que era um diretor “bom” (os planos sequências, os movimentos de câmera desnecessariamente gritando na cara do espectador, as paletas de cores exageradas e sem significado) e das limitações técnicas de Stone e Gosling para estarem em um musical. “La La Land” apresenta uma história confortável e bonita de amores, novos e antigos, em uma cidade que está em constante transformação. Talvez, também, seja o melhor trabalho de Paul & Pasek, dupla que assina a trilha sonora.
Melhor cena musical: Desde a primeira vez que assisti “La La Land” o momento que mais se destaca é a sequência de abertura. Sem depender da falta de coordenação dos atores protagonistas essa cena tem a coreografia mais complexa com bons bailarinos, essa música existe no filme só para apresentar e justificar a visão de mundo otimista, apaixonada e musical que Chazelle colocou no seu filme, e acho que faz isso muito bem.
9 | A Escolha Perfeita
Essa comédia-romântica jovem e ingênua é talvez o exemplo mais criativo de um musical no cinema, e esse passou no cinema de verdade, o roteiro escrito por Kay Cannon (30 rock) explora a inusitada cena de competição de canto acapella universitária nos Estados Unidos sem nenhum medo de assumir o quão ridículo é esse argumento. Além disso, os extremamente carismáticos Anna Kendrick, Skylar Astin e Bittany Snow sustentam momentos bastante engraçados. No estilo juke box, “Pitch Perfect” brinca com hits e clássicos pop criando harmonias vocais diferentes e performances eletrizantes, além disso, o roteiro é consistente o suficiente para carregar tudo isso e ainda contar uma simples história de amor que faz qualquer um se sentir bem.
Melhor cena musical: Tem uns dois ou três momentos que chamam atenção e poderiam estar aqui, mas o que melhor usa as ferramentas disponíveis é “Riff-off”, uma sequência brincalhona e alto astral que apresenta um jogo criativo dentro das regras do universo do filme.
8 | Hairspray
“Haispray” é uma adaptação de uma peça musical que por sua vez é adaptada de um filme não-musical (esse movimento não é nem um pouco incomum) de 1988 e de maneira bastante simples conta uma história otimista sobre superação do racismo na cidade de Baltimore usando como palco o programa de auditório The Corny Collins Show, um show vespertino de dança nos anos 1950. Não tem nada de muito complexo na trama e é por isso mesmo que funciona, com o coração no lugar certo, o roteiro apresenta mais de uma sequência energética, otimista e com boas músicas integrando bons atores como Michelle Pfeiffer, John Travolta, Queen Latifah e Christopher Walken em cenas cômicas e dançantes. O debate político no mundo tomou necessários tons mais sérios nos últimos anos, mas “Hairspray” é uma boa lembrança ao bom-humor e a alegria em meio a tempos difíceis.
Melhor cena musical: Sendo esse grande compilado de bons momentos musicais, há muitas boas sequências para se destacar mas a última “You can’t stop the beat” é uma síntese ótima do roteiro em que todos personagens ganham momentos para brilhar, a música tem uma melodia com níveis muito altos de energia e felicidade perfeita para encerrar “Hairspray”.
7 | Sweeney Todd - O barbeiro demoníaco da rua Flint
Uma das mais famosas obras de Stephen Sondheim no teatro e que, ao contrário de outras grandes peças, parecia clamar por uma versão no cinema, pelo uso dos seus temas mórbidos, dos espaços da cidade e dos personagens dramáticos. E o mais obscuro e mórbido dos hollywoodianos dos anos 90 que encarou o desafio de adaptar o trabalho de Sondheim. Esse é um dos filmes mais burtonianos de Tim Burton (e, na minha opinião, o último bom filme dele), seus filtros escuros e movimentos de câmera utilizados para fazer o espectador ficar desconfortável encontram uma história a altura e o resultado é um slasher musical bastante gráfico.
Sondheim assina a trilha do filme e adapta sua obra retirando números centrais da versão do palco para aumentar o senso de evolução da trama, o famoso tema “The ballad of Sweeney Todd” que é cantado 7 vezes ao longo da peça de três horas aparece apenas como melodia em algumas cenas, isso contribuiu para “Sweeney Todd” ser uma boa experiência de cinema diferente do que é de teatro.
Melhor cena musical: Como toda obra de Sondheim, há um complexo emaranhado de sonoridades aqui, de maneira que destacar uma pode resultar em desmontar totalmente a estrutura da peça, porém “Not while i’m around” é um grande momento, talvez o melhor, o último suspiro de otimismo na peça antes do trágico desfecho.
6 | Amor, Sublime Amor
Quando Spielberg resolveu adaptar a peça de 1957 e o clássico filme de 1961 para uma nova versão no cinema muita gente questionou se isso funcionaria, além de já ser uma história consagrada, “Amor, Sublime Amor” podia se apresentar distante do público e dos costumes atuais em comparação com aquilo que apresentava mais de 70 anos atrás. Porém, as músicas de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim se mostraram muito maiores que essas preocupações, o trabalho do diretor foi excelente, recriando e atualizando a tragédia para 2021. A história do amor mais profundo que o mundo já viu, Tony e Maria os moradores de um bairro dividido entre duas gangues étnicas em que jovens entravam por serem excluídos pela economia que também destruía o bairro. “Amor, Sublime Amor” é uma história tão romântica, quanto trágica, quanto é política e o filme de Spielberg navegou os temas da peça com maestria misturando o drama com enormes, energéticas e coloridas sequências de dança.
Melhor cena musical: De toda essa lista, talvez “West Side Story” tenha as mais belas canções e, se não fosse a pífia atuação de Ansel Elgort, talvez “Maria” ou “Tonight” teriam mais destaque, sem elas “America” é sem nenhuma dúvida o melhor momento do filme, uma música engraçada e bastante política sobre o problemas da imigração utilizando uma escala imensa, complexa coreografia e muitas cores e com Ariana DeBose e David Alvarez brilhando nos vocais e na dança.
5 | Dreamgirls
“Dreamgirls” é um interessante exercício de narrativa, pois pega determinados elementos da história da famosa gravadora Motown e os desenvolve a partir de ideias próprias, o resultado é um forte drama envolvente com brilhantes músicas. Adaptado de peça musical lançada em 1981, o filme dirigido por Bill Condon e estrelado por nomes como Beyoncé, Eddie Murphy, Jamie Foxx e Jennifer Hudson, depende da força dos seus personagens que transitam por cenas com profundos e melancólicos sentimentos enquanto cantam e dançam músicas alegres. Nesse contraste que “Dreamgirls” encontra seu sentido, escancarado as fronteiras entre real e imaginado, visto e não visto, entre o que é performance e o que é bastidores.
Melhor cena musical: Há cenas que ficam maiores que o próprio filme e “And I’m telling you I’m not going” é uma delas, a performance de Jennifer Hudson fez história e é um dos momentos mais emocionantes que temos no cinema.
4 | Hedwig and the Angry Inch
Com certeza o filme que mais foge ao padrão dessa lista. Apesar de ser uma adaptação do teatro também, “Hedwig and the Angry Inch” é um musical indie dirigido e estrelado por John Cameron Mitchell, que também criou, dirigiu e fez Hedwig no teatro, sobre uma cantora de rock trans chamada Hedwig, a obra funciona como um estudo de personagem analisando passado e presente de uma personagem com interações controversas e intensas com o mundo a sua volta. Com uma filmagem intimista que busca recorrentes close-ups na protagonista (que constantemente busca a câmera, também) “Hedwig and the Angry Inch” escancara intencionalmente o visual de low-budget e prefere ser sustentado pelas sequências memoráveis em que Mitchell dança e canta entre mesas de restaurantes para poucas pessoas convivendo com o seu fracasso e seu sentimento de não-pertencimento. Com certeza é um filme que escancara os limites da representatividade que formou a geração millennial mesmo em uma manifestação óbvia da contracultura, mas se sustenta pois tem a qualidade mais importante para uma obra perdurar: tem sentimentos verdadeiros e é gritantemente humano.
Melhor cena musical: Ainda no meio do primeiro ato quando estamos começando a conhecer melhor a protagonista, Hedwig canta “Origins of Love” música que reinterpreta o mito da criação apresentado por Aristófanes e apresenta um aspecto profundo e fundamental da psique da personagem para o espectador. Para isso, além da letra da música e da performance de Hedwig, o filme apresenta desenhos feitos por ela em seu diário quando era criança e os transforma em sequências animadas e narradas pela canção que de maneira muito sensível expõe os temas mais importantes da história.
3 | Em um bairro de Nova Iorque…
Adaptado da peça de 2007 escrita por Lin-Manuel Miranda, a história do jovem dominicano Usnavi e os dilemas da imigração latina no bairro de Washington Heights em Manhattan é um cartão de visitas do tipo de trabalho que o compositor realizaria no futuro. Misturando ritmos latinos, hip hop e show tunes, “Em um Bairro de Nova Iorque” apresenta consistente identidade musical que representa cada um dos diversos personagens do bairro e da peça. O filme soube adaptar os melhores elementos da história e representar com muitos recursos criativos o ambiente da narrativa, com cores e sons que evocam a latinidade como identidade em conflito com o racismo e a xenofobia que os imigrantes enfrentam.
Dirigido por John M. Chu e trazendo Anthony Ramos, Melissa Barrera e Corey Hawkins nos papéis principais, a história sobre amor e sobre os sonhos das pessoas que emigram virou um belo exemplo de um musical que não tem nenhuma vergonha de ser musical, com grandes números de dança coreografados brilhantemente e interpretações ótimas dos protagonistas.
Melhor cena musical: A capacidade do diretor de traduzir teatro para cinema é demonstrada no tamanho da produção das principais sequências musicais e há uma em especial que é de arrepiar: “Paciencia y Fe”, em que Olga Merediz como Abuela Claudia faz uma retrospectiva da sua vida com uma composição cênica reproduzindo as imagens descritas com bailarinos em um vagão de metrô.
2 | Chicago
Talvez o mais aclamado dos filmes dessa lista, "Chicago" é o único musical que ganhou um Oscar de Melhor Filme nos últimos 50 anos, adaptado da peça de Bob Fosse a história sobre duas mulheres acusadas de assassinar seus maridos presas na Chicago dos anos 20. A história de crime e de vaudeville se transforma numa farsa protagonizada por elas e seu advogado, a peça tradicionalmente é montada com pouquíssimos recursos cênicos além da orquestra de big band posicionada em uma arquibancada no meio do palco. Por isso a adaptação de Rob Marshall surpreende, ambientando as cenas de jeitos criativos e que reproduzem a experiência de assistir a uma peça de teatro, mas não de assistir Chicago no teatro, veja bem. As performances de Catherine Zeta-Jones, Renée Zellweger e Richard Gere nos papéis principais reproduzem o exagero visual e musical que é “Chicago”.
Melhor cena musical: Num filme que celebra a dança, o jazz, a performance e o crime há uma sequência que representa tudo isso, “Cell Block Tango” é a representação perfeita dos temas de “Chicago” e a representação no cinema é de tirar o fôlego (literalmente no caso dos maridos das personagens).
1 | Moulin Rouge! (2001)
Lendo essa lista podemos analisar e questionar um pouco o que se quer dizer quando se fala em autoria no cinema, sem dúvida um debate antigo mas que volta e meia retorna à tona. Há filmes que não tentam em nenhum momento apresentam sinais de autoria (como “Pitch Perfect”), tem outros que, sendo adaptações de peças teatrais, demonstram qualidades autorais não de seus diretores mas dos dramaturgos que conceberam a narrativa (“In the Heights”, “Chicago”). “Sweeney Todd” é interessante nesse sentido porque tanto Tim Burton quanto Sondheim têm presenças imensas no filme que é, no fim das contas, uma síntese entre os dois, “La La Land” simula muito bem técnicas que estão ali para chamar atenção para Chazelle, mas é uma película tanto dele quanto de Paul & Pasek. John Cameron Mitchell não possui uma obra tão vasta, mas em Hedwig sua voz como dramaturgo, diretor, roteirista, ator é muito presente e visível ao longo do filme, apesar de não podermos identificar exatamente os elementos que apontam esse musical para ele e não outro diretor.
“Moulin Rouge!” é completamente diferente de qualquer outro filme aqui, Baz Luhrmann é sem dúvida alguma autor dele e funciona como um emulador do discurso do diretor sobre a época que foi feito. Lançado em maio de 2001, o roteiro ecoa por todos cantos a ideia de “fim da história” tese forte entre o fim da União Soviética e os atentados do 11 de setembro, Luhrmann integra na trama diversos elementos discrônicos (não necessariamente anacrônicos) como o uso de músicas pop dos anos 80 numa história que se passa na belle-epoque, alguns elementos refletem “La bohème” opera lançada na mesma época em que “Moulin Rouge!” (nota-se que poucos anos antes Jonathan Larson tentou adaptar a obra também em “Rent”, o que talvez evidencie a tese predominante naquela década), com a exaltação de valores pequeno-burgueses.
O que chama atenção e transforma “Moulin Rouge!” nessa força, é a maneira como Luhrmann trata o filme, sobreposição entre forma e conteúdo que ridiculariza a ideia central da trama sobre amor e arte pela arte, a escala de produção exageradamente colorida e gigante é uma sátira da sua própria existência. As atuações brilhantes de Jim Broadbent e John Leguizamo evidenciam isso ao transformar a história em algo nitidamente ridículo, um pastiche de impulsos sem origem e sem destino. “Moulin Rouge!” não é um filme de seu tempo, ele é o filme de seu tempo e depois dele nunca mais podemos entender a representação da mesma maneira.
Melhor cena musical: A abertura do terceiro ato acelera a mudança de tom de uma comédia romântica para uma tragédia e faz isso com “El Tango de Roxanne” uma sequência triste e desconfortável em que a edição destaca os pontos baixos de Christian e Satine.