Os 10 melhores filmes de 2023
O ano que derrubou impérios.
Na sombra de um triunfo inesperado do futebol sul americano contra a hegemonia de 20 anos do futebol europeu na copa do mundo em dezembro de 2022, 2023 foi um ano que várias hegemonias da última década foram derrubadas ou enfraquecidas.
Na música pop um ano sem nenhum grande hit marcante e com gêneros menos relevantes surgindo como destaques e no cinema um raro ano em que as franquias foram todas mal sucedidas entre a crítica e o público. Em 2023, o super inflacionado mercado de Hollywood sofreu o golpe que há anos temia, a falta de interesse do público nas suas maiores produções. Entre escândalos de bastidores a Disney viu seu poder de monopolizar bilheterias despencando com o fracasso de "Indiana Jones 5", "Capita Marvel 2", "Homem formiga 3" e "A Pequena Sereia". Outros empreendimentos mal sucedidos no ano incluem 4 lançamentos da DC, Transformers, Mercenários, Jogos Mortais, Missão: impossível e Velozes e furiosos, os dois últimos com orçamentos tão escandalosos que bilheteria maior que 500 milhões de dólares não foi o suficiente para darem retorno financeiro aos estúdios.
O fim de um império do mal não significa uma vitória do bem. A indústria, e o público, parecem ter sido transferidos para um gênero que é literalmente propaganda de grandes marcas na telona. "Barbie" e "Super Mario", as duas maiores bilheterias do ano são comerciais de brinquedo, "Air", "Blackberry", "Tetris", "Gran turismo", "Flamin Hot" ainda são exemplos do que Hollywood quer nos vender: tudo. Uma vez que os filmes são tão caros que não faz sentido produzi-los sem um apoio generoso de uma empresa, tão generoso que ficou mais fácil fazer comerciais para essas marcas.
Mas não só onde a luz dos holofotes ilumina que observamos o fim de algo. Nos filmes que não são blockbusters também houve desinteresse por aquilo que costumava dominar o debate. Os principais lançamentos dessa corrente são no mínimo aborrecidos e estão longe da aclamação consensual que esse público costuma prestar para seus queridinhos. Wes Anderson fez um filme que mesmo seus defensores não quiseram defender, já "Anatomia de uma queda" , vencedor da Palma de Ouro, é um filme incapaz de causar devoção intensa pelo cinema de Triet. Se as franquias de herói foram substituídas por cinebiografias neoliberais, o cinema de festival não foi trocado por nada, apenas ficou observando o sucesso de "Barbie" e tentando entrar na onda rosa. A impressão é que cada pessoa viu filmes diferentes, ouviu músicas diferentes e ninguém se importou em discutir muito sobre isso em 2023.
Essa lista reflete quem sobrou no cinema. Ainda podemos contar com Kaurismäki, Kore-eda e Petzold para vermos grande cinema. Enquanto isso, Hollywood tem alguns velhos conhecidos capazes de nos encantar, Spielberg, Scorsese, Nolan, Fincher, Shyamalan se mantém fiéis ao que acreditam e não há bilheteria, premiações, notas de agregadores de crítica e debates vazios nas redes sociais e alicerçam seus filmes em ideias sobre o mundo que vivemos e sobre a indústria cinematográfica que sobrou para eles. 2023 foi um bom ano para o cinema, que possibilitou experiências individuais a cima dos eventos e pode ter sido decisivo para rumos melhores no futuro.
10 | Anatomia de uma Queda, de Justine Triet
*Por Marco Leal
Um filme que escancara a preocupação textual de boa parte da critica mainstream, Anatomia de Uma Queda funciona justamente por aludir a Hitchcock e Preminger, mas ser, em seu cerne, um drama familiar muito forte. Por mais que o filme se divirta com seus argumentos sobre língua e linguagem, o crime não é “diversão” - e isso o afasta completamente dos dois diretores citados.
9 | Oppenheimer, de Christopher Nolan
*Por Silvio Machado
Se qualquer um em 2022, afirmasse que uma cinebiografia de três horas sobre um físico nuclear durante a Segunda Guerra Mundial seria a terceira maior bilheteria (950 milhões) e fosse considerada o maior “filme-evento” do ano seguinte, seria certamente chamado de louco. Entretanto, essa loucura foi real e Oppenheimer foi um sucesso estrondoso, tanto para os festivais que participou quanto para o público comum que embarcou em um efeito-manada em direção ao cinema, muito pelo movimento de concorrência criado como piada nas redes sociais com outro grande sucesso de bilheteria, o filme da “Barbie” (2023). O mais interessante de toda essa movimentação foi acompanhar a valorização do cinema como um espaço único, combatendo a atual tendência de um mercado cada vez mais interessado no formato de streaming. Nesse quesito, temos que reconhecer que Christopher Nolan é uma figura representativa, pois sempre defendeu que o cinema fosse visualizado no seu espaço mais sagrado, e graças a sua representatividade que essa loucura se tornou um feito real – um filme biográfico, de época e de julgamento com um elenco recheado de estrelas figurando nos filmes mais populares do ano.
Seguindo o estilo estabelecido em “Tenet” (2020), Nolan está mais interessado em explorar os possíveis efeitos de impacto sensorial na imagem do que um desenvolvimento narrativo coeso, assumindo uma superficialidade em seu texto e se dedicando quase que inteiramente em traduzir a carga dramática na forma fílmica, principalmente no ritmo de edição das cenas. Para ilustrar o pesadelo psicológico de culpa, a opressão de um governo paranoico durante o Macartismo e o medo existencial do universo incompreensível, Nolan cria imagens artificiais em um ritmo quase surrealista, entregando-se a uma megalomania sem fim onde qualquer ato, qualquer conversa e qualquer detalhe tem um valor fora do normal e está inserido neste movimento em cadeia rumo a destruição do mundo. E fora isso, o filme conta com atuações e outros vários elementos que beiram o terror psicológico ao abordar a criação bélica. Oppenheimer é um poderoso retrato biográfico que analisa a história além de um fator de culpabilidade, evidenciando uma cultura de guerra impregnada no sistema tudo isso centralizado na figura sensível do físico norte-americano.
8 | Mato Seco em Chamas, de Adirley Queirós e Joana Pimenta
*Por João Francisco Milani
Em 2023, o cinema brasileiro viveu um vácuo de poder. O diretor que protagonizou a década passada lançou um filme quase insignificante e para o seu lugar não surgiu nenhuma nova onda ou moda que servisse para homogeneizar o debate como os filmes de KMF faziam. Nas salas comerciais uma onda insuportável de biografias que parece não ter fim e que chegou a conquistar o Festival de Gramado em 2023. Nas salas alternativas os cartazes se alternaram entre os bons “Noites alienígenas” (no começo do ano) e “Pedágio” (no fim) e nossa equipe gostou muito de “Raquel 1:1” e “Capitu e o capítulo”, mas para mim o melhor representante do cinema brasileiro é “Mato Seco em Chamas”.
Adirley Queirós se consagrou como um diretor de imenso cinema. Sua parceria com Joana Pimenta tomou conta do cinema candangueiro (o nosso Oeste) e passou de moto por cima da Ceilândia. As mulheres que descobrem petróleo no sol nascente e formam uma gangue de ex presidiárias para vender gasolina refinada para os muito motoqueiros da região. Trabalhando com atrizes ex presidiárias daquele bairro, as incríveis Lea e Joana Darc ocupam a tela com o fogo que sempre queima na volta das cenas. “Mato Seco em Chamas” é um desses filmes que toma seu próprio tempo para fazer sentido, mas no ritmo de Queirós e Pimenta se consagra como grande cinema.
7 | Batem à Porta, de M. Night Shyamalan
*Por Marco Oliveira
Chega a ser bizarro que Shyamalan lance filme ano sim e ano não e nunca seja nem considerado para qualquer honraria pelos portais mainstream. Não sei se houve, historicamente, um diretor mais desintegrado de sua contemporaneidade ao mesmo tempo que é também o melhor diretor de sua geração. Não é novidade que a noção de Cinema pro pessoal que “comanda” essa discussão é rasa, mas me impressiono como as pessoas fazem força, coletiva e individual, para não admirar um filme como “Batem à Porta”. Filme que conversa com o grande público ao passo que segue expandindo na jornada cinematográfica do Shyamalan, que segue explorando os temas que ele lançou com “O Sexto Sentido”, que sugere um diretor cada vez mais consciente e no controle de sua própria forma.
6 | Os Fabelmans, de Steven Spielberg
*Por Maria Fernanda Santana
Spielberg nos mostra uma cinebiografia extremamente íntima e única, que homenageia o cinema de forma tão bonita e inocente em sua visão sobre. Transformando sua própria vida em uma historinha familiar, com tamanha naturalidade e leveza dos atos cômicos aos reflexivos, com a dose certa de emoção e hilaridade. A ótica na narrativa de amadurecimento, além da excepcionalidade da direção em quando e como encaixar as imagens precisamente, é o que permite que The Fabelmans converse universalmente e alterne entre o drama e a comédia naturalmente. Exatamente como a experiência de crescer.
Após tantos e tantos blockbusters de sucesso, Steven Spielberg dividiu uma parte de si para seu público (e ele o entende como ninguém) com um “filme dentro de outro filme” e particulamente foi um ato inesquecível e extraordinário. Ele nos fez entender que o cinema é uma arte extremamente útil pra nós pessoalmente, apenas por existir e incentivar a reflexão entre muitos outros pensamentos, sejam eles críticos ou emocionais, mudando perspectivas sobre nossas vidas e ao redor delas. O cinema nos leva para o além das telas. The Fabelmans é um marco cinematográfico.
5 | O Assassino, de David Fincher
*Por Silvio Machado
A cada ano que passa, a Netflix investe mais dinheiro em produções que possam figurar nas indicações ou até mesmo disputar prêmios nos grandes festivais de cinema pelo mundo, e gostando ou não dos resultados, muitos desses filmes originais se tornam potenciais atrativos dentro da plataforma como “História de um Casamento” (2019), “Ataque dos Cães” (2021), “Nada Novo no Front” (2022) e a obra não premiada e divisória de Martin Scorsese, “O Irlandês”(2019).
Mas o verdadeiro segredo dessa fórmula de sucesso não se dá exclusivamente pelo selo de produção, e sim pela quantidade de pessoas talentosas no elenco e na realização destas obras. Por isso, não poderíamos deixar de fora desta lista a mais recente colaboração de David Fincher com a Netflix, “The Killer”, o thriller ovacionado durante 7 minutos no Festival de Veneza.
The Killer é um reflexo absoluto da personalidade obsessiva do cineasta, e seu desejo por controle fica evidente até mesmo na escolha dos colaboradores. A maioria da equipe técnica, desde o design de produção, edição até a trilha sonora, é composta por colaboradores de projetos passados. Isso tudo indica uma filosofia de trabalho que se perpetua do início ao fim: Fincher, assim como o personagem principal, não confia em ninguém, nem mesmo em seus espectadores. Logo tudo apresentado na imagem com um formalismo extremamente metódico e calculista, nada mais é que apenas uma expressão apática e desconfiada, e apesar do filme ser inteiramente narrado pela voz melancólica e niilista do assassino (Michael Fassbender), o encerramento do filme nos traz o mesmo nível de informação e ligação sentimental do que seu início, ou seja, nada. Toda essa banalização autoconsciente da narrativa, misturada com referências diretas ao cinema gênero de Jean-Pierre Melville e algumas pitadas do Voyeurismo Hitchcockiano, cria um filme excêntrico, irônico e, com certeza, um dos mais memoráveis do ano.
4 | Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
*Por João Francisco Milani
Martin Scorsese é de uma linhagem de cineastas que está acabando. Um dos últimos nomes que mudou chacoalhou Hollywood nos anos 1970 que ainda cria projetos autorais com alguma frequência tem muitas lições para ensinar no seu mais recente filme. Desafiando o cinema das franquias, o diretor ambiciona o trabalho em um ritmo próprio, circular e batimentos por minuto menores do que a gente se acostumou na última década. Para impor à história esse contraste ele escolhe um conflito entre duas culturas com percepções de tempo diferentes. Os brancos que invadem de maneira menos óbvia o território Osage do que os seus antepassados haviam com outras culturas indígenas nas américas, mas com a mesma violência.
“Assassinos da Lua das Flores” parece ter surgido para responder aos anseios dos mais assíduos a Scorsese. Um filme sem dúvida feito para threads no twitter e episódios de podcast e que usa a estrutura do tão em alta true crime. Porém, o bom velhinho hollywoodiano esconde dentro disso uma declaração contra a celeridade do tempo das redes sociais e contra a mediocridade desse tipo de narrativa que pode ser construída e destruída ao trocar a perspectiva da câmera.
3 | Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki
*Por João Francisco Milani
Um filme sobre possibilidade do amor e da dignidade em meio a devastação neoliberal. Duas pessoas, da Finlândia, de certa idade, da classe operária que escutam pela rádio as notícias da Guerra da Ucrânia se apaixonam mesmo que tenham todos esses problemas. Em Kaurismäki não há muitos sorrisos, o humor é sutil e tímido, e o que vale é a literalidade do texto sobre as emoções dos atores, assim ele cria um espaço sub real que rompe com a velocidade do mundo conectado, do industrialismo 4.0, ou o que quer que seja isso. Os personagens são reais, e em meio a problemas tão reais quanto encontram formas de viver nos pequenos gestos, na solidariedade e no amor da classe trabalhadora.
2 | Monster, de Hirokazu Kore-eda
*Por João Francisco Milani
Eu vi dois filmes do Kore-eda no cinema esse ano. O primeiro “Broker” foi tão ruim que quase desisti de assistir “Monster”, mas a volta do diretor para o Japão o fez voltar a velha forma e fazer um dos melhores do trabalho da sua carreira. Perseguindo uma verdade que parece sempre se esconder, o diretor corta a cebola ao meio e nos mostra um pouco de cada uma das suas camadas. O diretor é capaz de transitar entre perspectivas para cada segmento da história e do mesmo incidente extrair versões diferentes, mas sempre absolutas no olhar que a câmera assume.
A relação entre cada personagem é sempre formada por binômios e cada encontro entre esses seres gera uma nova síntese em tela e a cada nova síntese temos uma nova dimensão do tamanho das dores dessas pessoas. A honestidade de Kore-eda sobre tudo isso, a humanidade com que mostra o tamanho que o medo do preconceito pode alcançar na vida de duas crianças, a alternância entre pavor, ansiedade, compreensão e uma relação afetiva verdadeira e linda é o que faz “Monster” ser um dos grandes filmes de Kore-eda, da década e do ano de 2023.
1 | Afire, de Christian Petzold
*Por Marco Leal
Não muito diferente do que escrevi sobre Shyamalan, é assustador o modo como a grande mídia ignora a existência de Christian Petzold, ainda mais porque, diferente de Shyamalan, seu Cinema se adequa a muitas tendências academicistas e que entrariam bem no Oscar. Dramas “sérios” que alinham relacionamentos adultos (talvez aí esteja o problema) a um cenário histórico e analítico da Alemanha, enquanto ainda se empregam de alguns artifícios que o Oscar adora (como a atuação dentro da atuação em Phoenix). Mais bizarro ainda é Paula Beer não ser reverenciada como a melhor atriz em atividade, pois o que ela faz aqui é de uma magnitude possível apenas para um diretor que sabe que a câmera está ali para capturar gestos, olhares, essência.
Para montar essa lista, juntamos os filmes favoritos de 2023 dos nossos colaboradores e tentamos criar um mosaico que representasse o que a gente vê de melhor no cinema atualmente. A diversidade de filmes que nossa equipe vê e assiste aparece em destaque nas listas individuais, são produções de diversos países e com maneiras únicas de pensar cinema. Para montar o nosso top 10 só foram considerados filmes que tiveram lançamento comercial no Brasil no ano de 2023. Confira abaixo as listas individuais da equipe do Outra Hora.