Crítica | Folhas de Outono
Os Operários amam.
Kaurismaki e sua câmera clássica capturam um romance pra todos tempos.
Uma sala vazia, uma rádio ligada dando as notícias da guerra na Ucrânia, uma personagem comendo uma lasanha fora da validade que pegou do supermercado em que trabalha. Sua casa demonstra um cuidado muito grande com a limpeza e com a decoração, tem cores mesmo que estejam desbotadas, e ela está sozinha. Do outro lado, um operário que esconde uma garrafa de destilado no trabalho e a noite sai para tomar cerveja com os colegas que moram no alojamento da fábrica. Quando a rádio é ligada também escutam as notícias da guerra.
O cinema europeu dos últimos anos pinta a ideia de um paraíso social-democrata e quando não faz isso é para contar histórias de lutas sociais e discursos políticos. Assistir “Folhas de Outono” te coloca em um lugar diferente desses. A Finlândia de Kaurismaki é, como todas sociedades, divida em classes e o diretor nos mostra a classe de baixo, trabalhadores que não tem iPhone, que não tem televisão, que não tem casa própria, como a maioria das pessoas no neoliberalismo. O que seus personagens têm de sobra é necessidade de amor e afeto, é solidariedade um com o outro e muita dignidade, presente na arrumação da casa da personagem sempre com flores, na forma como nunca demonstram tristeza ao serem demitidos, erguem a cabeça vão embora e começam de novo. Essas são as pessoas que o cinema europeu nem sempre mostra.
O que o diretor produz em tela é um sentido de representação estética dessa vida. Os quadros tem espaço para os personagens e para o vazio, e para ser ocupado. Conforme os caminhos de Ansa e Olappa vão se emaranhando os personagens ocupam mais, ou melhor qualitativamente o quadro e a solidão deles começa também a nos convidar para ver essas vidas de perto. E a gente se sente puxado pelos personagens a entrar na sua aventura, porque todos aspectos profundos que comentei a cima sobre suas vidas são apenas resultado do presente em que Kaurismaki filma, do nosso mundo. O sentimento que prevalece em “Folhas de Outono” é o romance entre duas pessoas que se apaixonam e não querem mais ser sozinhas.
“Folhas de Outono” é um daqueles raros filmes que quando acaba parece que a gente segue vivendo ele por alguns dias. Com menos de 90 minutos de duração eu tive a sensação que o ritmo do mundo da minha volta tinha se ajustado ao da câmera de Kaurismaki e levei um tempo para me acostumar a não viver no conto de fadas operário do diretor finlandês. A dimensão clássica da visão do diretor para essa história, sua honestida, sua solidariedade, seu enraizamento no mesmo mundo que vivo fazem “Folhas de Outono” ser um dos melhores filmes de romance que já vi.