Crítica | Oppenheimer

Já faz algum tempo que eu digo que Cristopher Nolan só precisa de uma coisa para que seus filmes atinjam o nível de sua direção: um roterista que não seja ele


Infelizmente, Oppenheimer reforça minha crença, novamente.

Francamente, preciso dizer que fiquei muito feliz ao assistir esse filme, porque ele me fez perceber quanto eu “cresci”, como consumidor de cinema ao longo da minha vida, e o quanto sinto que meu entendimento do cinema evoluiu. Porque eu já fui muito fã do trabalho do Nolan. Até alguns anos atrás, na época do lançamento de “Dunkirk”, eu achava tudo que ele fazia incrível. Apesar de ainda gostar de muitos de seus filmes, hoje reconheço alguns traços (para não dizer falhas) que, na época, me passavam batido.

E, meu Deus, eu não poderia estar mais cansado do estilo de direção dele, por mais lindo que seja.

Como diretor, Nolan é um excelente cinematografista.

E seria um espetacular diretor de comerciais publicitários. Metade de “Oppenheimer”, um filme que é pra ser uma cinebiografia histórica, parece que será invadido a qualquer momento pelo logo de uma grife, assinando o anúncio de um perfume novo. “Oppenheimer, the new fragrance by Coco Chanel”. Planos cheios de movimento, pra nada. Trilha sonora no filme inteiro, com o objetivo de criar uma tensão eterna, onde até uma conversa tem que ser emocionante. E nem sempre uma conversa precisa ser emocionante.

Essas pequenas coisas vão se somando: o exagero megalomaníaco no tom de diversas cenas, a tensão que acaba com o senso de contraste rítmico e, para piorar, a mistura de histórias e quebras de tempo que não são necessárias e tornam uma história interessante por si só, mais cansativa e confusa do que precisaria ser. É claro que entendi que a intenção de Nolan foi passar ao espectador o senso de confusão do próprio protagonista, mas a forma como a narrativa é conduzida acaba confundindo o espectador não de forma sensorial, como “A Chegada” faz com maestria, e sim confundindo de forma cognitiva: do tipo “eu perdi alguma coisa na legenda?”

Dito isso, é um filme decente. Tecnicamente formidável, bem fotografado, produzido e atuado, como de costume nas produções de Nolan; a trilha sonora dessa vez não é de Hans Zimmer, mas Ludwig Göransson não fica para trás, entregando um trabalho minuciosamente explosivo (risos). Acima de tudo, é um filme decente porque a história base é muito, muito interessante, e só ela já é engajante por conta própria. Conciliando isso a uma performance brilhante de Cillian Murphy, e temos uma razão para passar três horas no cinema. Sempre achei Murphy um ator mediano, mas ele abraçou a responsabilidade do protagonismo aqui com afinco, fazendo desse o seu melhor trabalho (ao menos, entre os quais assisti). Emily Blunt está ótima, como sempre, e neste caso, tirando leite de pedra - o roteiro não dá muito material, mas o que ela tem, ela usa com excelência.

Voltando a “Tenet”, de 2021: há uma melhora notável aqui no que se refere ao roteiro: se lá o diretor mirou no abstrato e acertou a bagunça, aqui ele consegue, ao menos, tornar a maior parte do que se propõe a executar, inteligível. Mas, ainda assim, tenta repetir algumas ideias que não se fazem necessárias.

O que me parece é que Nolan tenta repetir, a cada filme, os acertos de seus filmes anteriores, mesmo quando eles não fazem sentido na obra em questão.

Em “Interestelar”, temos planos subjetivos que refletem a confusão mental de Cooper; aqui temos planos parecidos que mostram a lente atômica através da qual Oppenheimer vê o mundo - o único resgate que funciona a favor do filme. Quando o diretor tenta repetir as idas e vindas temporais de “A Origem” e “Tenet”, acaba picotando cenas, dificultando a percepção das atuações e mexendo na história de forma que poucas vezes funciona. Quando ele resgata o senso de urgência de “Dunkirk”, mantendo uma trilha musical tensa e uma edição dinâmica pelas primeiras duas horas do filme, quase achata uma curva de tensão que poderia ser exponencial.

E para além disso tudo, há o roteiro. Quando digo que ele é um mau roteirista, não me refiro à diálogos ruins ou personagens mal construídos (ainda que isso tenha sido o caso em alguns outros de seus filmes). Em “Oppenheimer”, o argumento do filme num sentido amplo parece ter sido organizado de forma heterodóxa, para dizer o mínimo, sem nenhuma razão que beneficie o longa. O roteiro insere mais do que é necessário, em uma não linearidade que parece buscar fazer o difícil só pelo difícil, sem entender onde quer chegar com isso. Assim, tira o gás do filme após a marca das duas horas, tornando o longa, dali pra frente, uma série de sequências cansativas e difíceis de acompanhar.

E com essa soma de coisas, a impressão que fica é que, a cada filme lançado, Nolan se coloca no meio do caminho de sua própria obra. Incapaz de reconhecer o que a crítica repete a cada lançamento e delegar aquilo que ele tem dificuldade de melhorar.

Fazendo, assim, que eu goste de alguns de seus filmes apesar dele, e não por causa dele.

“Oppenheimer” vale a pena ser visto, especialmente no cinema. Tem momentos muito bons, de movie-magic completa, e um terceiro ato que fecha o longa em uma nota positiva, em especial nos momentos que contam com Albert Einstein, interpretado por Tom Conti.

Talvez esse texto possa ter parecido prenúncio de uma nota mais baixa do que a que estou prestes a digitar, mas essa é a sensação que levei da sala Imax na última quarta-feira, como fã de cinema e admirador de muitas competências de Cristopher Nolan. A sensação de que, com poucas mudanças, podia ter sido um grande filme. Um dos melhores filmes do ano, se não o melhor.

Se apenas Nolan não fosse tão... ele. Tão ele.

7

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