Crítica | Que Horas Eu Te Pego
já sei namorar
Em filme auto-confiante, as comédias românticas voltam a respirar
A ideia de Jennifer Lawrence, uma das atrizes mais reconhecidas do planeta nos últimos dez anos, aceitar ser filmada totalmente pelada em uma luta com estranhos em uma praia a noite sempre vai ser uma das reflexões mais curiosas de 2023.
Um ano que, de canto, parece estar se tornando tão importante para o Cinema como foi 2022: entre a queda vertiginosa dos filmes de herói, o inacabável brilho de Tom Cruise e o fenômeno de Barbie, uma comédia romântica sexual não apenas faz sucesso na era da castidade, mas se se permite ser uma comédia romântica sexual e ainda condenar essa era da castidade.
Não que o filme de Gene Stupnitsky não seja marcado por algumas tendências limitantes do Cinema norte-americano contemporâneo: a decisão de usar o nu frontal de Lawrence em uma cena de comédia e não quando ela tenta seduzir o panaca já diz muito, em uma geração onde está tudo bem insinuar o sexo de maneira explícita desde que com um cunho cômico, mas explorar a sexualidade se torna cada vez mais tabu.
E também não ajuda que o diretor se acanhe em tentar fazer algo mais - pra usar um adjetivo que acho redundante - autoral, pois a sensação é que a decupagem é básica a um nível quase televisivo. Vemos o que precisamos ver para entender cada cena, a montagem avança as coisas pra frente, as intenções de todos os personagens são mostradas de maneira clara e direta. De certa forma, uma rom-com do início dos anos 2000, emulando ideias clássicas, mas nunca abraçando o conceito - ou qualquer conceito, no caso.
Ainda assim, é um filme bem iluminado (o que já é um milagre hoje em dia), mesmo quando o “bem” significa a meia luz da praia, ou um bar de luzes quentes que deixa tudo meio acobreado - e olhando os créditos descubro que Eigil Bryld foi também diretor de fotografia de Águas Profundas (2022), filme que não gostei muito, mas que tem no visual um ponto forte e marcante. Além disso, se qualquer coisa, Stupnitsky (não tinha um nome artístico melhor?) dá tempo a seus atores nos planos, incentiva a dramaturgia e ainda tenta, mesmo que esbarre na própria plasticidade das imagens em plano aberto, filmar a natureza e a humanidade em pequenos gestos. A conversa após o incêndio no mar sendo o melhor deles.
Ao contrário do que se tornou crendice popular, filmes de gênero muitas vezes sucedem ao seguir seus clichês e batidas, encontrando os pontos em comum conforme pintam suas próprias ideias e releituras. Por isso, quando o panaca toca no piano uma música que havia surgido na diegese do filme momentos antes (de maneira inteligentemente despretensiosa), e Stupnitsky vai pra um plano/contraplano emotivo e mais do que bem enquadrado, um filme que decidi assistir pra dar risada me fez quase - quase - marear os olhos.
Não necessariamente porque senti o drama de seus personagens, mas porque, em uma comédia romântica despretensiosa e que poderia muito bem passar batida, um momento devidamente CINEMA me faz pensar que, talvez, 2023 seja mesmo um ano importante.
E ah, duvido haver algum momento mais “necessário” do que quando Lawrence entra nos quartos de uma festa e condena os jovens por estarem fazendo de tudo, menos sexo. Que este filme, ao menos, faça alguns deles perceber que essa onda de conservadorismo (proporcionada pela esquerda do Twitter) é, além de tudo, muito chata.