Crítica | Aquele Que Sabe Viver

UM POUCO DE NADA

Em grande filme, Dino Risi filma a sutileza da mudança


Jubilante é o início da cinefilia, ou melhor dizendo, a pré-cinefilia, quando um escreve o que sabe sobre um filme, mesmo que esse o que sabe venha das mais limitantes concepções, onde o diretor parece um operário qualquer na miríade de elementos que aprendemos existir ao ler um artigo que as compara com as categorias do Oscar.

Então, pra mim, era fácil falar sobre estes elementos, os encher de adjetivos e chamar aquilo de crítica, muitas vezes suprindo a própria sensação pessoal em prol de uma fórmula pré-concebida de enxergar cinema e crítica.

Hoje, com um pouco mais de conhecimento e muito mais autoconsciência, me sinto irresponsável escrevendo sobre um diretor ao qual assisti apenas dois filmes (e que não são os dois primeiros), ainda mais sem estudar sobre o contexto geral em que estes filmes foram lançados.

Na ignorância, o Marco do passado produzia mais, mas não produzia nada. Na sabedoria, o Marco de hoje produz menos, e apesar de ainda nada, quase.

E é nesse quase que a crítica habita, numa experiência pessoal, subjetiva, embasada com bases objetivas, que auxilia na construção de um imaginário popular, girando mesmo que minimamente a roda do debate e conversa cinematográfica. De certa forma, cada um pode oferecer a mesma contribuição, se uma apenas mais bem formulada por todo o conhecimento e estudo do que outra, feliz e despreocupada em sua protetora ignorância.


Cinema de momentos

O título Brasileiro de Aquele Que Sabe Viver pouco tem a ver com A Ultrapassagem do título Italiano, mas me pergunto se quem o escolheu não fez a livre associação deste filme de Dino Risi com Viver (1952), de Akira Kurosawa.

Ambos sobre seres presos em uma vida de mesa, que são convidados a experienciar por um curto espaço de tempo a vida de todo o resto. Ambos os filmes, apesar de um sobre um senhor e outro sobre um jovem, dissertam - ou melhor, são - sobre a efemeridade da vida, sobre momentos subsequentes que não bem dizem nada enquanto ocorrem, mas que no final do dia organizam-se em uma memória, por mais que em constante transformação, concreta.

Nesse sentido, o filme de Risi empresta de Kurosawa em movimento e de Howard Hawks em simplicidade: tal qual Uma Vida Difícil (1961, seu outro filme que assisti), este é um filme de clareza imagética e de ações limpas, mas que dentro desse jogo de frontalidade esconde pequenas nuances que tornam uma mise-en-scène aparentemente operacional em algo exuberante. Tal qual as memórias, que revivemos e ressignificamos depois, estes dois filmes de Risi trabalham o conceito de tempo como algo que muda assim que deixamos de vivê-lo.

Peguemos uma conversa em um restaurante, inundado pela luz do sol lá fora, onde há pouco se qualquer contraste pintando as imagens de protagonistas e os destacando do ambiente. A profundidade de campo, em Risi, não esconde nada. Nem mesmo uma invasão noturna, que nos apresenta relações familiares problemáticas que frente a lente de um Antonioni procuraria significado na justaposição de imagens e na poesia das maçãs de rosto, parece conseguir ir além da simples descrição que a trama apresenta. A conversa entre pai e mãe, por exemplo, não dá em nada, e a filha segue sendo como é.

Mas são desses pequenos nadas que as coisas mudam, são desses momentos avulsos que construímos ideias, sensações e pensamentos que, eventualmente, mudam nossa forma de ver o mundo. Quando Bruno aponta a Roberto uma mancha (o primo que na verdade é filho de outra pessoa), o momento que seria suspenso em Hitchcock, existencial em Rohmer, se torna apenas uma dúvida que logo é deixada de lado, em um filme de deambulações constantes. é como se nessa viagem atabalhoada proposta por Bruno, uma grande quantidade de poucos transformasse Roberto em muito.

O que, junto com a trágica sequência final, configura um filme inegavelmente belo, e um retrato muito mais complexo do que se aparenta, sobre a efemeridade. Momentos que se somam, e antes de poderem provocar uma mudança que resultaria em um dos filmes mais feel good da história, se tornam triste memória de um, enquanto desaparecem com outro.

9

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