Crítica | Assassinos da Lua das Flores
Scorsese quer nos ensinar algumas coisas.
Quebra do tempo do cinema blockbuster não rompe com os problemas do cinema atual.
Scorsese está numa posição importante na Hollywood de hoje: ele é um dos diretores ativos que conheceu o cinema sem Spielberg, Coppola e, bom, sem Scorsese. Então, quando crítica o tipo de filme que se produz atualmente, ele mostra as alternativas ao gênero que chama de “parque de diversões”. “Assassinos da Lua das Flores” parte da história da nação indígena Osage em Oklahoma, e assim procura estabelecer um tempo próprio, circular, uma proposição diferente àquilo que é a norma hoje. Para mim o resultado não é diferente do que circula nas salas de cinema que o público do Scorsese frequenta, mesmo que seja um bom filme.
Baseado em uma história real do assassinato em massa de um povo indígena com território rico em petróleo, a história usa o ponto de vista do personagem interpretado por DiCaprio, um jovem que casa com uma rica herdeira indígena a mando do seu tio. Mas o diretor costura um conto acrescentando detalhes de outros pontos de vista, ou coisas que talvez o protagonista não saiba, procurando mostrar na atmosfera o perigo que os Osage correm, independente de quem forem as pessoas os matando.
Nas primeiras horas a gente vê uma colagem de imagens e situações, com mortes misteriosas, com as pessoas indígenas adoecendo sem explicação, com conflitos internos entrando na cena, com longos planos às vezes paralisados em algum espaço enquanto pessoas entram e saem de cena. Scorsese tenta propor uma noção de tempo dilatada, isso é que se dobra contra o relógio em algumas situações. Vemos o adoecimento da personagem de Lily Gladstone rápido e depois lento e depois rápido. O assassinato do Osage que poderia ameaçar a herança de DiCaprio e devia para o DeNiro é planejado rapidamente depois passa por uma amizade de meses entre ele e seu futuro assassino até uma rápida execução.
A apresentação dessas histórias além de ser pouco linear tem o trunfo de esconder do público o que está acontecendo exatamente. Vemos flashes de crimes, mas não vemos quem os executa, sabemos de mortes como fatos menores que saem da boca dos personagens. Isso torna o vilão Rei Hale, interpretado por DeNiro, muito mais ameaçador, pois na maior parte do longa não sabemos do que mais ele é capaz, qual o tamanho da sua rede criminosa, com quais recursos ele conta e quanto o personagem de DiCaprio está envolvido com seus crimes.
O tempo dos Osage é diferente do tempo dos brancos, a sua maneira de ser também é. Nas cenas em que se reune família criminosa em sua mansão temos planos que acentuam as diferenças de cada pessoa, umas ficam na luz outras no escuro, só os homens falam e as mulheres raramente participam das conversas verborrágicas na mesa. Já quando vemos os indígenas se reunindo, o diretor cria uma sensação de unidade na imagem, na maneira como as conversas acontecem, a câmera fica presa a maior parte do tempo na linha dos olhos de quem fala e as falas são mais lentas, vemos uma comunidade ao invés de um grupo de indivíduos.
A imposição de um ritmo próprio a “Assassinos da lua das flores” em que cada quadro aproveita pelo maior tempo possível a sua existência, a ideia de usar uma perspectiva diferente do tempo do relógio escolhendo o tempo da natureza é uma tentativa de se contrapor ao que se faz nos blockbusters de hoje em dia. Os desafetos de Scorsese, que usam edição e planos sem graça e sem vida para que o espectador passe o menor tempo possível pensando sobre o que está vendo e saia com a sensação de que gostou de algo, mas sem lembrar de nada.
O problema é que no terceiro ato, o filme de Scorsese também escorrega para algo sem graça. Os últimos 90 minutos são um penoso documentário de true crime, a partir do momento que o personagem de Jesse Plemons chega para investigar os crimes cometidos por De Niro, DiCaprio e comparsas, o filme se arrasta. E, se nas primeiras horas, o trunfo da trama é esconder a profundidade da maldade dos seus vilões, no final um personagem olha para a câmera em plano fechado e conta tudo que aconteceu, temos flashbacks dos crimes completos, um a um. E não precisamos nos preocupar com nada, o roteiro, não as imagens, nos explicou qualquer dúvida que a gente poderia ter.
Scorsese diz que não gosta de filmes da Marvel, mas eu não vejo nenhuma diferença entre ele ou a Brie Larson no tapete vermelho de seus filmes dizendo que está contando uma história importante. Se for para analisar os problemas do cinema atual a fundo, são dois lados da mesma moeda. O que muda de um para o outro, claro, é que Scorsese sabe filmar e sabe filmar sem a influência de Taxi Driver, Star Wars, Poderoso Chefão ou Indiana Jones, e por isso é muito capaz de tentar retomar o cinema de onde estava antes dos anos 1970. Essa é a vontade de “Assassinos da lua das flores”, por isso ele volta ao velho oeste, por isso ele dilata o tempo e por isso ele escala poucos atores muito famosos e trabalha com gente menos conhecida, tentando emular um cinema que se perdeu, na tentativa, muito importante, de retomar o gosto do público por esse cinema.
Os 206 minutos causam muitas sensações. É bonito o jeito que são filmadas as cenas, como a câmera do diretor se acalma e procura o que está acontecendo com alguma distância. É boa a tentativa de não disparar informações para o público, nos deixar imaginar as situações, o que, infelizmente, acaba antes do filme. É ruim a ideia de contar uma história importante porque é importante, de colocar a si mesmo ao final com uma cara de tristeza para ler como terminou a história em um microfone como num podcast de true crime (mentindo que aquilo é rádio). E é errado achar que isso é uma oposição ao que se faz no cinema hoje.