Crítica | Monster
A câmera e as perspectivas.
Kore-eda descasca as dimensões de um problema usando apenas a nossa visão.
Quando se filma uma história de perspectivas diferentes a ideia é repetir os bits por outro ponto de vista para mostrar diferentes lados de uma história. De certa maneira, “Monster” faz isso, mas o diretor opta por contar três histórias diferentes a partir dos mesmos incidentes. Partindo de um incêndio em uma boate, vemos três vezes a vida de diversos personagens se desenrolando por caminhos separados ainda que ligados pelos mesmos pontos e conforme a câmera vai se aproximando do núcleo de onde partem os conflitos que vemos, menos espaço dá para seus verdadeiros protagonistas.
A sinopse é bem reta: uma mãe luta por justiça depois que seu filho diz que está sofrendo violência de um professor. Quando vemos a primeira parte, a visão da mãe, parece que o resto se construirá de maneira bem automática, que mesmo que as outras perspectivas mudem nossa percepção do que está acontecendo entre o professor e o filho a história não irá mudar. Mas na primeira parte todos outros personagens parecem incomodados com o olhar inquisidor da mãe que também é assumido pela câmera de Kore-eda.
No entanto, quando acaba a história dela não vemos mais o mesmo filme. O segundo capítulo, contado na perspectiva do professor, vira uma história sobre bullying e um professor que ao tentar intervir na situação vira alvo de uma arapuca armada por um aluno ardiloso. O olhar primeiro solidário e depois desesperado da câmera também não consegue explicar as passagens que temos na história desse menino que quanto mais perto chegamos mais distantes estamos.
É no terceiro ato só que como um predador (ou um monstro) o diretor consegue encurralar esse personagem tão importante e, sem saída, ele finalmente nos mostra o que ocorre adiante da onde os olhares alcançam. E aí “Monster” se torna um grande filme, o diretor troca a inquisição protetora da mãe e o desespero do professor pelo amor e carinho de dois meninos navegando em um mundo de romance, parceria, violência e contradição. É quando filma os dois meninos em uma gaiola olhando o mundo na sua volta que compartilha ao fim que a história trágica dos dois só acontece quando ele liga a câmera na sua volta, os deixando presos.
A final, o monstro referido no título é todo conjunto de relações que cerca esses personagens, todas pressões, olhares, procedimentos e preconceitos que faz a vida de todo mundo muito mais difícil. O monstro é o que está do outro lado da câmera, a única perspectiva que Kore-eda não diz que está adotando, a nossa mesmo, público que vê o que está acontecendo sentado em silêncio. E quanto mais chegamos perto, maiores os prejuízos na vida desses personagens.