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O Problema Com o Pós Horror (Overland)


Notas do tradutor (Marco Leal):

Artigo escrito por Michael Brown, publicado em 15 de Maio de 2019 no site da revista Australiana Overland (e que pode ser conferida aqui).

Texto incrivelmente elucidativo que contesta não apenas o termo, mas principalmente o preconceito com o gênero por parte dos próprios diretores, que se recusam a chamar seus próprios filmes de “horror”.


Após seu filme de estreia em 2017, a alegoria racial de terror Get Out, ser indicado na categoria de Melhor Filme – Comédia ou Musical no Globo de Ouro, o diretor Jordan Peele rapidamente tomou medidas para evitar mal-entendidos sobre seu mais recente filme, Us, recorrendo ao Twitter no lançamento em março para afirmar firmemente: “Us é um filme de terror.”

A decisão de Peele de situar seu filme de maneira inequívoca dentro do gênero de terror foi necessária devido a uma aversão entre alguns críticos mainstream de veículos respeitáveis em aceitar o terror como uma forma cultural séria. Em um artigo recente para The Monthly, por exemplo, Shane Danielsen elogia o filme de estreia de Ari Aster, Hereditary, como um exemplar do que erroneamente tem sido chamado de “terror elevado” ou, em outros lugares, “pós-terror”. Esses termos têm sido usados ultimamente para discutir uma série de queridinhos da crítica e sucessos comerciais, como Hereditary, que são recebidos por alguns como evidência de um renascimento ou nova seriedade no cinema de terror. O problema é que as implicações de tais rótulos apenas revivem velhas suposições que trivializam a legitimidade do gênero e falham em engajar com seu rico e variado legado.

A desvalorização de Danielsen ao terror como um cinema de “sustos baratos” não é nova. No entanto, é sintomática de várias críticas e reflexões de segmentos da comunidade crítica que ficam coçando a cabeça diante da atual onipresença do terror e de sua aparente nova respeitabilidade. Começando, talvez, em 2014 com The Babadook, da diretora australiana estreante Jennifer Kent, o público cinematográfico foi favorecido com uma abundância de filmes bem recebidos que empregam tropos de terror, enquanto evitam as fórmulas narrativas excessivamente familiares das quais Hollywood costuma ser culpada. A lista inclui The Witch, de Robert Eggers, It Comes at Night, de Trey Edward Shults, It Follows, de David Robert Mitchell, Raw, de Julia DuCournau, A Ghost Story, de David Lowery, Get Out, de Peele, e A Quiet Place, de John Krasinski.

Embora tais filmes claramente se baseiem na linhagem do terror, parece haver uma ambivalência, senão uma aversão total, em simplesmente aceitar esses filmes como “terror”. Aster, ele mesmo, parece ter internalizado essa ansiedade. Ao discutir sua estreia, Hereditary, isso é o que ele disse quando foi perguntado sobre seu gênero:

“Eu acho que, se vou fazer um filme de terror, quero que ele caia naquele subgênero estranho de ‘terror elevado’. E por essa razão, quando estava apresentando o filme, descrevi-o como uma tragédia familiar que se transforma em um pesadelo.”

Até Peele sucumbiu a essa relutância na época, preferindo chamar seu filme indicado ao Oscar, Get Out, de “thriller social”. Por que, então, o terror se tornou uma palavra tão maldita, um gênero que não ousa dizer seu nome?

Na crítica citada acima, Danielsen realiza um manobra semelhante, declarando que Hereditary é “na verdade um drama psicológico”. Implícito em tais qualificações está a presunção de que o drama “social” ou “familiar” é, de alguma forma, a forma superior de expressão cultural, ainda mais se reivindica uma espécie de realismo psicológico. Não é surpresa, então, que Jason Zinoman, escrevendo para o New York Times, atribua o que ele chama, de forma descaradamente pejorativa, de “uma era de ouro do terror maduro” a uma mudança em direção a temas “antes reservados para dramas de prestígio”. Esses sentimentos se aderem a uma noção de drama que deve muito ao romance realista do século XIX e, subsequentemente, se adaptou ao cinema narrativo mainstream. A lealdade a tais modos de contar histórias não apenas ignora as inovações artísticas do século XX e XXI, mas também falha em reconhecer as contribuições únicas do terror para a história do cinema.

Parte da justificativa para o status “elevado” desses filmes parece ser essa ênfase no doméstico. Em The Babadook, é o relacionamento entre uma mãe em luto e seu filho que informa a presença monstruosa que espreita nas sombras de sua casa. Da mesma forma, The Witch, It Comes at Night, A Quiet Place e, mais vividamente, Hereditary têm como preocupação central a claustrofobia e a apreensão do espaço familiar. Mesmo uma familiaridade passageira com o gênero de terror, no entanto, certamente encontraria nos temas de isolamento, paranoia, luto, trauma e desintegração dos laços familiares desses filmes paralelos não apenas com o drama, mas mais profundamente nos espaços fechados do romance gótico – com suas assombrações subconscientes, relacionamentos disfuncionais e heranças familiares, das quais filmes como Hereditary são simplesmente o exemplo mais recente. No cinema, a família e o doméstico figuram pesadamente em filmes de terror, como Psycho, de Alfred Hitchcock, Rosemary’s Baby, de Roman Polanski, The Shining, de Stanley Kubrick, The Exorcist, de William Friedkin, Don’t Look Now, de Nicolas Roeg, ou até mesmo Antichrist, de Lars von Trier (que aborda muito do mesmo que Hereditary). Como os diretores desta breve lista atestam, a noção de que o terror elevado ganha sua distinção por ser impulsionado por autores também deve ser definitivamente descartada.

Tampouco se pode argumentar convincentemente que a priorização de questões raciais em Get Out ou a abordagem de políticas sexuais em It Follows registram uma nova consciência social no terror. Este é um território bem coberto por nomes como a exploração de classe por George Romero em Night of the Living Dead, a vitimização racial em Candyman, de Bernard Rose, ou o comentário de Takashi Miike sobre a objetificação feminina em Audition, que ajudou a liderar o ciclo do J-horror. Mesmo a típica oferta de monstros envolvendo múmias ou zumbis reflete em seu melhor aspecto ansiedades europeias sobre a retaliação por práticas coloniais violentas e a supressão de histórias e populações regionais (no Egito e no Caribe, por exemplo). Também é duvidosa qualquer afirmação de que esse novo ciclo de filmes é mais experimental do que o terror convencional. Certamente um gênero que inclui Eraserhead, de David Lynch, Suspiria, de Dario Argento, ou o clássico expressionista alemão The Cabinet of Dr. Caligari, de Robert Wiene, merece crédito não apenas por explorar vários conceitos, mas por expandir a linguagem do cinema em si.

O apelo duradouro do terror é sua capacidade de espreitar além da borda de quaisquer limites sociais e culturais que nervosamente tentamos nos esconder, confrontando as aterrorizantes inadequações de nossas concepções intelectuais – incluindo os ideais humanistas aos quais o drama de prestígio se agarra enquanto busca incessantes garantias de sua própria importância. O terror remove as fantasias consoladoras sobre as quais o eu moderno é construído, levando-nos aos recantos sombrios além do que pensamos saber. O que poderia ser mais “maduro” do que isso? Certamente, o cinema de terror teve sua cota de fracassos derivados e formulaicos – pense nos filmes diretos para VHS dos anos 80 – mas o mesmo pode ser dito para qualquer gênero que caia nas armadilhas de produtores em busca de fazer dinheiro rápido com o público mais jovem.

O que, então, marca esse último ciclo de filmes como algo além de uma continuação das preocupações bem estabelecidas do terror? A influência da produtora independente A24 merece algum crédito. Juntamente com The Witch, A Ghost Story e It Comes at Night, a A24 também é a força por trás do vencedor do Oscar Moonlight, assim como Under the Skin, de Jonathan Glazer, e The Lobster, de Yorgos Lanthimos. Esse catálogo diversificado e bem considerado fala da disposição da empresa em apoiar cineastas mais jovens e assumir riscos criativos. Essa mudança não se limita ao terror, mas está evidente em toda a produção cinematográfica mainstream. À medida que o cinema perde parte de seu público para a televisão em longas temporadas, talvez não seja surpreendente que Hollywood tenha sido forçada a repensar suas práticas de produção e tentar replicar o sucesso da pequena tela com conteúdo dirigido por criadores.

Termos como “elevado” ou “pós-” terror são pouco mais do que palavras de marketing projetadas para rebranding do terror e aumentar sua audiência. É cedo demais para determinar onde esses híbridos de terror e drama se encaixam – apenas o tempo dirá onde tais filmes se situam na história do gênero. No final, o sucesso de um gênero é determinado menos por executivos de cinema ou firmas de marketing e mais pelas práticas do público e pelas comunidades participativas.

Em vez de afirmar que o terror está tendo um momento de “prestígio”, talvez devêssemos dizer que o drama está, mais uma vez, tendo um momento de terror. À medida que o cenário político se torna cada vez mais paroquial e a mudança ambiental avança em um ritmo caótico, não é surpreendente que as histórias que contamos a nós mesmos reflitam essas ansiedades. Sob o peso de forças externas hostis – tanto reais quanto imaginárias – o drama recua para as consolações da família, para o interpessoal, apenas para descobrir, tardiamente, que carregamos nossa programação social dentro de nós como uma herança gótica, e que o verdadeiro horror sempre foi a incapacidade de escapar das limitações de nossos eu excessivamente humanos.

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Como Filmes de Pós-Horror Estão Tomando Conta do Cinema (The Guardian)

De "It Comes at Night" a "A Ghost Story", uma nova forma de horror está surgindo nos cinemas, substituindo os sustos repentinos pela angústia existencial. Conversamos com os autores que estão quebrando todas as regras.


Notas do tradutor (Marco Leal):

Artigo escrito por Steve Rose, publicado em 06 de Julho de 2017 no site do jornal britânico The Guardian (e que pode ser conferida aqui).

Talvez o texto central para a justificação do tema dessa edição, causou tantos protestos e debate que o próprio autor teve que publicar uma tréplica.

A questão que Steve aponta é verdadeira: existem características em comum nos filmes mencionados. O que falta, e daí se a ele ou ao artigo, é a compreensão de que essa movimentação em direção à atmosfera e ao drama não é algo novo, e que o horror talvez tenha sido o gênero que mais se reinventou ao longo dos anos.

De valioso, estão também as citações dos próprios autores dos filmes, que contribuem um pouco para essa ideia de um suposto movimento cinematográfico na época onde esses são praticamente inexistentes.


"‘NÃO VÁ VER IT COMES AT NIGHT, NÃO VALE A PENA ASSISTIR, É O PIOR FILME DE TODOS OS TEMPOS”. O Twitter estava cheio de postagens assim após o lançamento do filme nos EUA no mês passado. O público em geral esperava um horror tradicional; ao saírem, estavam incertos sobre o que tinham assistido e não gostaram. Críticos e uma certa parte dos espectadores adoraram o filme, mas sua classificação no Cinemascore – determinada pelas reações do público na noite de estreia – é um D.

É possível entender a confusão. O título, por si só, sugere fortemente que It Comes at Night é um filme de terror. O mesmo acontece com o trailer do filme, que apresenta ingredientes como um cenário pós-apocalíptico, uma cabana na floresta, máscaras de gás, espingardas, prisioneiros, um patriarca severo (Joel Edgerton) e advertências para nunca deixar portas destrancadas ou sair à noite. Não se trata de propaganda enganosa, é apenas que este filme tenso e minimalista não segue as regras aceitas."

“Eu não me propus a fazer um filme de terror propriamente dito,” diz Trey Edward Shults, o roteirista e diretor de 28 anos do filme. “Eu apenas queria criar algo pessoal e foi isso que se tornou. Coloquei muitos dos meus próprios medos nele, e se medo se iguala a terror, então sim, é terror. Mas não é um filme de terror convencional.”

Considerando que o terror é o lugar onde exploramos nossos medos mortais e sociais, o gênero é, na verdade, um dos espaços mais seguros do cinema. Mais do que qualquer outro gênero, os filmes de terror são governados por regras e códigos: vampiros não têm reflexos; a "garota final" prevalecerá; os avisos do atendente do posto de gasolina/nativo americano místico/senhora estranha serão ignorados; o mal será, em última análise, derrotado ou pelo menos explicado, mas não de uma forma que feche a possibilidade de uma sequência. As regras são nossa lanterna enquanto nos aventuramos no desconhecido. Mas, em alguns aspectos, elas transformaram o terror em um reino do que Donald Rumsfeld descreveria como “desconhecidos conhecidos”.

Não é de se admirar que alguns cineastas estejam começando a questionar o que acontece quando você apaga a lanterna. O que acontece quando você se desvia dessas convenções rígidas e se aventura na escuridão? Você pode encontrar algo ainda mais assustador. Ou pode descobrir algo que não é assustador de forma alguma. O que pode estar surgindo aqui é um novo subgênero. Vamos chamá-lo de “pós-terror”.

Para seus fãs, pelo menos, It Comes at Night é ainda mais assustador porque você não sabe exatamente de onde o horror vai vir. Há um apocalipse que nivela a civilização, um vírus contagioso e uma floresta à la Blair Witch, mas o filme está mais interessado nos horrores internos. Edgerton e sua família formam uma aliança nervosa com outra que está em uma situação semelhante, e com espingardas à mão e confiança em falta, a ameaça de violência está sempre próxima. Há dor, culpa, arrependimento e paranoia. Existem laços familiares que passam de protetores a restritivos. O filho adolescente é atormentado por pesadelos. E há também a escuridão, da qual as imagens do filme fazem um uso extraordinário. É impressionante o quanto pode ser desconcertante apenas assistir alguém com uma lanterna vagando pela noite escura. É mais fácil identificar o que não é assustador.

“Estou ciente de que o título soa como um filme de monstro qualquer, mas ele se relaciona tematicamente com o filme, não de forma literal,” diz Shults. Ele desligou todas as luzes em sua casa no Texas e andou com uma lanterna para sentir o clima do filme, confessa. Ele também pesquisou genocídios e ciclos de violência na sociedade. Mas a história realmente vem de suas ansiedades pessoais. Shults fala sobre seu pai afastado, que tinha um histórico de dependência e morreu pouco antes de ele escrever o filme. Ele confessou seu arrependimento ao filho em seu leito de morte.

“A morte é o desconhecido. Nós não sabemos,” ele diz, “e isso é sempre aterrorizante. Mas o que é ainda mais assustador é o arrependimento. A maneira como você viveu sua vida, as decisões que tomou. Isso me aterroriza o tempo todo.” Como um ex-estudante de administração que abandonou a faculdade contra os conselhos dos pais para seguir a carreira de cineasta, o medo de tomar a decisão errada estava claramente presente para Shults. O que o encorajou a mudar de carreira foi conseguir um emprego com o autor local Terrence Malick, trabalhando em The Tree of Life. “Não sei se ele sabe, mas ele mudou o curso da minha vida,” diz Shults. “O que me inspirou foi o quão não ortodoxo você pode ser... apenas pense fora da caixa e encontre a maneira certa de fazer um filme para você.”

Esse não é um sentimento que os produtores de terror realmente querem ouvir hoje em dia. O terror é o gênero mais lucrativo da indústria e está em plena ascensão. Este ano está prestes a ser o melhor da história do terror, liderado por títulos como Get Out (que arrecadou $252 milhões globalmente com um orçamento de $4,5 milhões) e Split, de M. Night Shyamalan ($277 milhões com um orçamento de $9 milhões). Como resultado, há um mercado para filmes de terror com baixos orçamentos e grande apelo popular, o que basicamente significa variações em temas bem estabelecidos: possessão sobrenatural, casas assombradas, psicopatas, zumbis.

Esse é o mercado contra o qual o pós-terror está reagindo. Shults cita a influência de Roman Polanski, cujas aclamadas “trilogias de apartamento” – Repulsion, The Tenant e Rosemary’s Baby – foram exercícios semelhantes em reformular os tropos do terror com uma sensibilidade autoral, assim como Don’t Look Now, de Nicolas Roeg, e The Shining, de Stanley Kubrick. Mas esses filmes foram feitos na era do terror bem financiado pelos estúdios; agora, cineastas jovens como Shults precisam causar uma impressão distinta com um orçamento independente. (Vale mencionar que It Comes at Nightjá recuperou seu orçamento várias vezes.)

Vários outros filmes recentes poderiam se encaixar na categoria de pós-terror. The Witch, por exemplo, do ano passado, que leva uma devota família do século XVII para a floresta da Nova Inglaterra. Novamente, o título e o trailer sugeriam um filme de terror convencional, mas, embora estivesse imerso em uma autêntica lore satânica, The Witch era escasso em sustos repentinos, perseguições frenéticas e explicações. Pelo menos tinha uma bruxa. Mas, mais uma vez, foi comercializado para o público mainstream, que se sentiu enganado e tomou o Twitter com comentários como “O PIOR FILME DE TODOS OS TEMPOS”.

Tomando uma abordagem diferente, Personal Shopper, de Olivier Assayas, entrelaçou elementos sobrenaturais em seu estudo contido de uma assistente de moda parisiense, interpretada por Kristen Stewart. Ela busca “um sinal” de seu irmão gêmeo falecido. Ela acredita em fantasmas, e pelo que vemos, não está inventando, então, quando um stalker começa a enviar mensagens de texto, não sabemos se ele está vivo ou morto. Tecnicamente, é um filme de terror, mas ninguém confundiria Personal Shopper com A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2. De maneira semelhante, Nicholas Winding Refn trouxe supermodelos vampiras sanguinárias para o mundo da moda de LA em The Neon Demon – uma variação em tropos de terror já conhecidos, mas de forma alguma tradicional.

O filme que realmente pode selar o pós-terror é A Ghost Story, um filme extraordinário e exploratório que estreará nos EUA esta semana (e chegará ao Reino Unido em agosto). Novamente, é um título que cria certas expectativas. Há um fantasma, mas é Casey Affleck envolto em um lençol branco com dois buracos para os olhos. Ele é basicamente um emoji humano de fantasma. Após ser morto em um acidente de carro, ele assombra a casa de sua jovem viúva devastada, interpretada por Rooney Mara, mas ela não pode vê-lo. Quando ela se muda, ele fica preso lá. Para sempre. Novos inquilinos vão e vêm. O edifício em si eventualmente desaparece. O tempo se enrola sobre si mesmo, e a história se expande do trauma pessoal para os reinos da especulação cósmica.

“Eu queria me envolver com os arquétipos e a iconografia dos filmes de fantasmas e das casas assombradas, sem nunca realmente cruzar a linha para ser um filme de terror,” diz o roteirista e diretor David Lowery, que fez A Ghost Story com os lucros de seu filme anterior, um remake de Pete’s Dragon, da Disney. “Olhe para qualquer filme de terror e você pode rastrear até uma ansiedade social ou pessoal específica, e este filme não é diferente nesse aspecto: eu estava passando por uma crise existencial de grande perspectiva sobre meu lugar no universo, e ao mesmo tempo enfrentando um conflito muito pessoal com minha esposa sobre para onde íamos nos mudar. E tudo isso estava envolvido no meu desejo de longa data de fazer um filme com um cara em um lençol.”

Lowery não é um esnobe, no entanto: “Eu vou ver a maioria dos filmes de terror que saem, mas geralmente assisto com as mãos sobre os olhos.” Ele fala com admiração de The Conjuring 2. Mas Lowery também se inspira em uma visão mais oriental sobre espíritos e o sobrenatural. Goodbye, Dragon Inn, de Tsai Ming-liang, por exemplo, se passa em um cinema “assombrado” onde fantasmas e vivos sentam lado a lado. Ou os filmes de Apichatpong Weerasethakul, da Tailândia, em que o fantasma de uma esposa morta pode aparecer casualmente na mesa de jantar ou um filho pode se transformar em um wookiee que vive na floresta, e ninguém se surpreende. A carreira inteira de Weerasethakul é basicamente pós-terror.

É significativo que It Comes at Night, The Witch e A Ghost Story tenham sido lançados pela A24 Films, uma empresa jovem que já encontrou sucesso no Oscar com filmes como Moonlight e Room. Se alguém está empurrando o terror para novos reinos, são eles, mas não está na hora disso? Sempre haverá espaço para filmes que nos reaproximam de nossos medos primordiais e nos aterrorizam. Mas, quando se trata de enfrentar as grandes questões metafísicas, a estrutura do terror corre o risco de ser muito rígida para encontrar novas respostas – como uma religião em declínio. Escondido além de seu cordão está um vasto nada negro, esperando que iluminemos o caminho.

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Cor e Mito em Gritos e Sussurros (Allegheny College)


Notas do tradutor (Marco Leal):

Artigo escrito por P. Adams Stiney, e publicad em 1989, na revista Film Criticism da faculdade Allegheny.

Bergman talvez seja o diretor mais fundamental do horror sem ter feito, propriamente, filmes de horror. Seus dramas lidavam com temas existenciais, religiosos e psicológicos, e se provocam um olhar de desespero ao lado impiedoso do mundo, o fazem sem necessariamente se construírem em torno do medo e sua iconografia.

O artigo aborda a questão da cor, tão central para este filme de Bergman, e do mito, e como estes se relacionam em um de seus filmes que mais conversa com o gótico e o fantasmagórico.


Abordarei dois aspectos de "Cries and Whispers": seu uso de cor e sua estrutura simbólica.

Primeiro, sua cor. Na rara companhia de filmes como "Mamie" e "Il deserto rosso", "Cries and Whispers" funde seu significado ao uso controlado da cor. Certamente, Bergman nunca repetiu esse experimento na organização cromática. Brilhantemente simples, é um filme de vermelhos, até mesmo pontuado por apagões vermelhos em vez de desvios escuros. Abrindo com uma luz crepuscular no jardim de esculturas de uma mansão do século XIX, o filme rapidamente se desloca para o interior, onde se fixa, com um único flashback externo, até seu epílogo. A casa é notável por sua estofaria vermelha: paredes e móveis em um vermelho ricamente saturado destacam os vestidos brancos das três irmãs, Agnes, Karin e Maria, e de sua serva Anna, que se vestem seguindo o modelo de sua mãe falecida, que aparece em um flashback.

Agnes está à beira da morte, aparentemente devido a um câncer no útero ou estômago. Após sua morte, o motivo branco se transforma em preto. O roteiro de Bergman, que difere significativamente do filme finalizado, oferece dicas fascinantes sobre a cor. Ele apresenta o cenário como uma carta para seu elenco, dizendo que "desde a minha infância eu imaginei o interior da alma como uma membrana úmida em tons de vermelho" (Bergman 60). Além disso, a imagem das quatro mulheres vestidas de branco se movendo contra um papel de parede vermelho o assombrou por mais de um ano antes de ele começar a fazer o filme.

Após o breve e sutil espectro do amanhecer e um deslizamento carinhoso de um relógio antigo em azul e dourado, uma concentração em vermelho e branco se apodera e mantém o filme. Mesmo quando a Mãe aparece, nos levando por um curto período de tempo para fora novamente em um mundo muito verde, ela emerge primeiro em seu vestido branco, dissolvendo-se a partir de um close em um botão de rosa branca, segurando um pequeno, brilhoso livro vermelho.

Talvez o ato de organização de cor mais brilhante e simples venha da colocação dramática do que chamei de epílogo, na verdade um último flashback motivado pela leitura do diário de Agnes por Anna após sua morte. A família deixou a casa, dispensando Anna de seus serviços com a oferta de um presente que ela recusou. Em vez disso, ela pega o que sabe que não seria autorizada a ter, embora os outros não o valorizassem: o diário de Agnes. Enquanto lê sobre uma tarde extática de clima perfeito e companheirismo entre irmãs, ouvimos a narração de Agnes e vemos um último flashback de Anna balançando as três irmãs em um balanço de dois lugares, em meio a cores outonais exuberantes. A efusão natural é ainda mais impressionante por ser reservada e isolada no final do filme. O contraste tonal mudou de branco sobre vermelho para preto sobre vermelho, mas agora os laranjas e ocres são abundantemente exibidos em uma cadenza visual. O arranjo geral de blocos de cores transforma o que seria uma bonita variedade de cenas em uma sequência musical, a elegância pictórica em significado.

Que significado? Comecemos pelo final e avancemos para trás. As cores outonais evocam a consumação das estações, uma linda morte da natureza. É outono (ou verão sueco); o penúltimo brilho da tonalidade de cor, logo antes da morte vegetal, corresponde à recuperação imanente na leitura de Anna das palavras de Agnes. Não é um renascimento, uma primavera; em vez disso, é uma repetição em um registro diferente da temporalidade de todo o filme. Mas agora conhecemos Agnes a partir da perspectiva de sua morte, então o flashback descreve uma zona liminal, onde a memória está sob o signo da morte, mesmo que seja linda em sua prolongação do fim.

Essa liminalidade é uma chave para o filme. No seu centro dramático, onde a lógica dos sonhos prevalece, o corpo de Agnes provoca conforto nas três mulheres sobreviventes. Karin, recorrendo a um lugar-comum de decoro, se recusa a se envolver com a morta e insiste que a experiência é um sonho; Maria temporariamente demonstra mais simpatia, lembrando-se de como se aninhou com Agnes uma vez em um momento de terror infantil, mas recua ao beijo do cadáver; Anna, sozinha, embala o corpo morto em uma imagem frequentemente reproduzida que sugere uma Pietà, mas também mostra um seio pleno ao lado do rosto "morto", incapaz de nutrir. Como Mater dolorosa, a serva tem uma fé religiosa na liminalidade da própria morte que é consistente com a primeira imagem que tivemos dela no início do filme, acordando e orando ao lado dos fetiches de sua filha morta.

Rastreando o filme mais para trás, em direção ao seu começo, podemos ver que essa imagem materna e religiosa da fusão entre morte e vida inverte o primeiro flashback em que a rosa branca contra a parede vermelha acionou a memória de seu negativo, o livro vermelho como uma mancha de sangue no vestido branco da Mãe. Nessa memória, Agnes se lembra de acariciar o rosto da mãe. (O roteiro acrescenta que a Mãe mais tarde retractou esse momento de afeto, assim como Karin e Maria negam seu momento anterior de reconciliação após o funeral de Agnes.) O elaborado vínculo de gestos, tanto rítmicos quanto inversos, ao longo do filme não deve nos surpreender; pois aqui, como muitas vezes em outras obras de Bergman, os diferentes personagens do filme são vetores de um único sistema de fantasia que gera sua complexidade narrativa espalhando e redistribuindo seus aspectos entre pessoas imaginadas que, em essência, são uma única presença assombrosa. Anna é tanto a Mãe ausente quanto Maria (Liv Ullmann interpreta tanto Maria quanto a Mãe); até mesmo a miserável Karin (que pode ter seu nome derivado da própria mãe do cineasta) é outra versão da Mãe, seu rosto mais ameaçador.

O ícone mais remoto da zona liminal entre a vida e a morte pode ser vislumbrado no primeiro plano do filme, no momento quintessencial da liminalidade: a aurora. Muito brevemente, vemos uma estátua clássica de um homem segurando uma lira: Apolo, o deus dos poetas, ou, como eu preferiria, Orfeu, o poeta da vida na morte e do poder da linguagem sobre a natureza. Agnes, a representante de Bergman no filme, é ela mesma uma artista amadora; ela atravessa a barreira da morte e parece voltar; sua Eurídice, a Mãe, está associada ao mundo verde na única vez em que ele aparece no filme; sem ela, a natureza aparece em seu estágio de decomposição.

A linguagem em si é multiforme e ambígua neste filme: nunca aprendemos o conteúdo do brilhante livro vermelho da Mãe, mas a leitura em voz alta de "Os Papéis de Pickwick" marca o auge da coesão familiar; a troca entre Karin e Maria que parece marcar sua reconciliação é silenciada por uma passagem musical de Bach; a frase central de Karin – "um tecido de mentiras" – repetida duas vezes, aparentemente descrevendo seu casamento com Frederick, mas de outra forma não explicada, funde corpo e linguagem em uma metáfora de engano; a eulogia untuosa do ministro se transforma em um grito de alienação agnóstica; o médico dá voz ao espelho de Maria em um diagnóstico cruel; o cadáver de Agnes fala e, mais dolorosamente, seu diário se torna uma voz do além-túmulo. O título do filme descreve dois limites da linguagem expressiva, mas vem de uma resenha de uma composição de Mozart (Gado 408).

Os homens do filme são todos figuras sombrias para os mortos, o pai radicalmente ausente. Alternadamente ferozes e fracos, eles sublinham a ausência da presença masculina na vida de Agnes. O médico, amante ocasional de Maria, e Frederick representam o poder punitivo da masculinidade, enquanto o marido suicida de Maria e o ministro ilustram a fraqueza masculina como autoabsorção.

Dentro da economia visual e cromática do filme, a ferida auto-infligida do marido de Maria (quando ele reage à dica de que ela dormiu com o médico) faz parte de uma equação simbólica velada com o vidro quebrado que Karin insere em sua vagina e seu eco visual final: o livro vermelho contra o vestido da Mãe como uma mancha menstrual deslocada. Neste mundo onírico e liminal da mulher metamórfica, fundindo fantasias de defloramento, menstruação e castração, os quatro homens são versões do auto-ódio masculino em registros sadistas e masoquistas.

Sabemos pela autobiografia de Bergman a importância fetichista que ele atribui ao Lanterninha Mágica. No flashback da Mãe em "Cries and Whispers", há uma lanterninha mágica associada a presentes de Natal, como na autobiografia e em "Fanny e Alexander". Neste caso, o mundo representado na projeção da lanterninha mágica vem dos contos de fadas dos irmãos Grimm. Poderíamos até dizer que a lanterninha mágica representa simultaneamente o presente dos contos de fadas, e, portanto, a maquinaria de defesa psíquica para exteriorizar terrores infantis e edípicos, e o presente do cinema para o incipiente cineasta.

Quero reconhecer minha profunda dívida ao livro de Bruno Bettelheim, The Uses of Enchantment: The Meaning and Importance of Fairy Tales, neste ponto. Grande parte do que terei a dizer na parte restante deste trabalho surgiu da leitura de seu livro enquanto pensava sobre o filme de Bergman. Bettelheim aponta a persistência de um eixo simbólico vermelho/branco em contos de fadas, que marca a transição da inocência sexual para a puberdade e maturidade nas meninas. Encontramos isso nas três gotas de sangue no lenço de "A Princesa Ganso", nas três gotas de sangue na neve que anunciam o nascimento de "Branca de Neve" (na versão italiana convencional, há três gotas de sangue no leite) e no furo do dedo de "A Bela Adormecida". De forma mais sinistra, os pés sangrantes das irmãs de "Cinderela" refletem esse mesmo motivo de menstruação e defloramento sem o contraste branco.

Em Cries and Whispers, a automutilação de Karin ecoa esses pés sangrantes com um reconhecimento genital mais explícito. A análise dura do médico sobre a beleza madura de Maria enquanto ela se observa no espelho pode ter sua origem imaginativa na mãe narcisista de Branca de Neve. O conto de "João e Maria", o verdadeiro assunto da projeção da lanterninha mágica, é particularmente adequado para refratar o complexo de imagens que geram Cries and Whispers. Bettelheim nos diz:

"A mãe representa a fonte de toda a comida para as crianças, então é ela quem agora é vivenciada como abandonando-as, como se em um deserto. É a ansiedade da criança e a profunda decepção quando a Mãe não está mais disposta a atender todas as suas demandas orais que o levam a acreditar que, de repente, a Mãe se tornou não amorosa, egoísta, rejeitante... [A casa de doces] é a mãe original que dá tudo, a quem toda criança espera encontrar mais tarde em algum lugar do mundo, quando sua própria mãe começa a fazer exigências e impor restrições... A bruxa... é a personificação dos aspectos destrutivos da oralidade... Quando as crianças cedem a impulsos indomáveis, simbolizados pela voracidade desenfreada, elas arriscam ser destruídas" (Bettelheim 159, 161; reticências minhas).

A gratificação oral e a agressão oral são componentes proeminentes do filme de Bergman, cujo próprio título enquadra a fala com sugestões labiais (sussurros) e dentais (gritos). A sedução de Maria pelo médico envolve uma cena sensual e um tanto gananciosa de comer; em contraste direto, a refeição silenciosa de Karin e Frederick, na qual ela derrama vinho e nega a ele prazer sexual, precede a horrível mutilação de seus genitais, que também termina com ela esfregando o sangue na boca e rindo; Agnes vomita, e Anna passa pelos gestos de amamentar.

O conto de fadas começa posicionado na zona de liminalidade: "À beira da floresta." Essa borda se tornou o limiar da vida e da morte, e a casa de doces um interior vermelho semelhante a um útero. Para Agnes, o câncer é a bruxa, devorando-a de dentro para fora. Como artista amadora, ela é ao mesmo tempo a encarnação da estátua órfica e o objeto de sua busca poética. Sua morte encena uma fantasia na qual um ministro (como o próprio pai de Bergman) deve reconhecer sua espiritualidade superior; seus dois irmãos (Bergman tinha dois) admitem a rasura de seu afeto: e a figura da mãe se transforma em uma Madonna, que aprendeu a lição dolorosa de perder uma criança (uma fantasia ecoando dos filmes de Bergman, de Prisão até este), incarnada como Anna, uma sedutora que incita sua vítima a destruir a si mesma por inveja e humilhação representada por Maria, e uma vagina dentada castradora, Karin, rindo como uma bruxa macabra para as consequências destrutivas dos impulsos eróticos da criança.

Então, fazendo Gritos e Sussurros, Bergman novamente re-encena sua fantasia de morrer e viver para ver a perda e o remorso que sua morte causou. A imaginação pode atribuir essa morte à culpa por desejar a Mãe de forma erótica. As imagens aterrorizantes da vagina mutilada bloqueiam a fantasia de relação com a Mãe. Na verdade, a ambiguidade do gesto—ela está tentando repelir Frederick ou atraí-lo para que ele se castrasse?—colapsa a proibição em punição. Na estrutura do conto de fadas, Karin corresponde à bruxa.

Na história de Maria, essa culpa é simbolicamente projetada na mãe como sedutora, cuja busca por prazer privaria sua filha (podemos substituir por filho; aqui, como em outros momentos, Bergman se defendeu contra referências autobiográficas ao transpor os gêneros) de um pai. Assim, Maria cumpre o papel da mãe no conto de fadas que falha em cuidar de seus filhos e os abandona na floresta. Mas em Anna temos a Mãe que dá tudo, que perdeu sua filha (novamente, leia-se filho). A substituição mulher-por-mulher é evidente na alusão à Pietà.

A lição de "João e Maria", segundo Bettelheim, é que a criança deve aprender a conter seus desejos infantis e conquistar a autossuficiência por meio de sua própria engenhosidade. A engenhosidade de Cries and Whispers é a transformação órfica do terror e da arte, da perda da Mãe na riqueza musical das cores outonais e na autossuficiência da memória.

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Entrevista | John Carpenter (Cinema Daily)

O CULPADO DE TUDO


Notas do tradutor (Marco Leal):

Entrevista conduzida pelo repórter Nobuhiro Hosoki, por e-mail e publicada em 22 de Outubro de 2021, traduzida diretamente do site Cinema Daily (que pode ser conferida na íntegra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.

Na introdução, Nobuhiro conta como conseguiu a entrevista por meio de um encontro com Sandy, esposa de John Carpenter, e que ele concordou com a entrevista desde que fosse feita por e-mail, o que fica evidente com as respostas, aparentemente feitas como uma tarefa.

De interessante, para o tema, é a maneira como Carpenter fala sobre Halloween e sobre o legado do filme.


Q: Você compôs toda a série Halloween e fez um arranjo do tema de Halloween. Essa trilha é assombrosa, como ela surgiu?

John Carpenter: Necessidade.

Q: Estou ciente de que o filme tinha um orçamento baixo, mas como você fez a música em vez de usar outros músicos? Pode detalhar seu processo de criação da música? Que tipo de tentativa e erro você enfrentou para fazer a canção tema?

John Carpenter: Não houve tentativa e erro na criação da música para “HALLOWEEN”. Eu sabia que iria usar esse tema que desenvolvi ao longo dos anos. Mas era baseado no meu pai, que me ensinou sobre compasso 5/4.

Q: Depois que você fez o filme original, disse que nunca quis fazer uma sequência, porque não havia mais nada a dizer, mas a série continuou. Em 2018, uma sequência direta do original foi lançada. Como Jason Blum e David Gordon Green abordaram você sobre fazer uma sequência do original? A série Halloween capturou a relação entre a família Myers — que apareceu no primeiro filme — e a existência de Laurie — que tem uma conexão particularmente forte com eles.

O que é descrito no trabalho mais recente. Quanto da sua ideia para a história de Halloween (2018) e “Halloween Kills” (2021) você deu para manter uma sequência adequada?

John Carpenter: Antes de mais nada, eu não estava fazendo a sequência. Nunca dirigi uma sequência de “HALLOWEEN”. David e Danny McBride criaram as histórias.

Q: Eu sabia que você não fez a sequência, mas queria saber que tipo de conselho ou bênção você deu a David, Danny e eventualmente a Jason Blum para que eles aprovaram a produção do filme; qual foi sua reação em relação aos dois filmes?

John Carpenter: Participei do desenvolvimento de ambos, “HALLOWEEN” e “HALLOWEEN KILLS”, mas não houve bênção envolvida.

Q: Jamie Lee Curtis era adolescente quando você a escalou para o primeiro filme. Quais foram as qualidades significativas que se destacaram para você ao escolhê-la como protagonista?

John Carpenter: Jamie era uma atriz talentosa. Ela era bonita e carismática.

Q: Sim, ela possui todas essas qualidades, mas eu pessoalmente acho que há mais. Que tipo de abordagem ela teve no filme original que você achou diferente de outras atrizes?

John Carpenter: Jamie Lee fez uma leitura para mim. Ela era perfeita para o papel. Eu achava que ela tinha uma força interior, uma vontade de sobreviver, que usei no filme.

Q: Qual foi sua inspiração ao criar o homem das sombras, Michael Myers? Há algum filme que te inspirou a criar esse personagem icônico? Mesmo sendo atacado por pessoas, ele nunca pronunciou uma palavra — qual foi a razão de você mantê-lo assim? Fale sobre o elemento imortal — mesmo sendo baleado dezenas de vezes, ele não morre. O público sai com um medo interminável.

John Carpenter: Michael Myers era uma força do mal. Ele era menos um ser humano e mais um elemento. Foi essa falta de caracterização que o tornou assustador. Eu mantenho minha resposta.

Q: Quais são os ingredientes importantes para um grande filme de terror?

John Carpenter: Não há regras.

Q: É porque você encontra uma apreciação mais profunda pelo terror que foi reinventado por outros jovens diretores? Que outros diretores de terror te surpreenderam?

John Carpenter: O terror é o gênero mais antigo. Ele estava lá no começo do cinema. Cada nova geração reinventa o terror para si mesma. Todos nós temos medo. É por isso que o terror é um gênero tão universal.

Q: No próximo ano, será lançado “Halloween Ends”. Como você estará envolvido com isso — como produtor executivo e compositor, assim como nos filmes anteriores, conforme dito no IMDB? Você tem algo a dizer sobre o toque final?

John Carpenter: Serei produtor executivo e compositor em “HALLOWEEN ENDS.” Dou minha opinião e assisto basquete na TV.

Q: O título sugere que este será pelo menos um desfecho para o cenário entre Jamie Lee Curtis e Michael Myers. Que tipo de memórias você quer deixar para trás neste filme?

John Carpenter: Quero que o público se divirta muito ao assistir “HALLOWEEN ENDS.”

Q: Por que você colocou seu nome acima do título no filme original? Foi uma escolha consciente, de certa forma, para assumir a posse do filme?

John Carpenter: Uma escolha consciente. Estou assumindo a posse dos meus filmes.

Q: Quão eficaz ou importante, como cineasta, foi continuar fazendo seus próprios filmes? Você tem algum conselho para jovens diretores sobre como possuir seu conteúdo?

John Carpenter: O corte final é essencial para os diretores. Eu encorajo cada jovem diretor a lutar por sua visão.

Q: Por que você acha que este filme teve uma base de fãs tão grande e ressoou com o público por tanto tempo?

John Carpenter: Porque é assustador.

Q: Eu acho que há muitos filmes de terror por aí tão assustadores quanto Halloween. Mas a maioria deles desapareceu ou as pessoas se esqueceram deles. Acredito que há mais em Halloween do que apenas ser assustador, como a temática assombrosa que permeia a série. Todos os anos temos o Halloween, que nos lembra do filme original e inspirou alguns jovens cineastas a seguir seus passos.

John Carpenter: Existe um exército de jovens diretores morrendo de vontade de contar novas histórias e mostrar seu talento. Cada diretor tem seu próprio caminho na indústria cinematográfica. É uma tarefa difícil, mas um caminho que vale a pena trilhar.


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Entrevista | Dario Argento (INTERVIEW)

Dario Argento sobre transformar uma vida de sangue, lâminas, e pulp em arte


Notas do tradutor (Marco Leal):

Conduzida por Christopher Bollen e publicada em 17 de abril de 2019, esta entrevista foi traduzida diretamente do site da Interview (que pode ser conferida na integra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.

A entrevista, sucinta e menos imersiva que outras que Argento deu ao longo dos anos, foi escolhida por ser feita próxima aos debates do pós-horror no cinema, algo que Bollen menciona indiretamente na introdução e o próprio Argento comenta em resposta a filmes de terror contemporâneos.


CHRISTOPHER BOLLEN: Você vem de uma família que trabalhou no cinema — sua mãe era fotógrafa e seu pai, produtor. Filmes devem ter sido parte da sua vida desde cedo. Quais filmes despertaram seu interesse inicialmente?

DARIO ARGENTO: Eu tinha um gosto muito eclético quando criança. Eu adorava dramas e filmes de aventura, crimes e faroestes. Depois, descobri o cinema de horror, e isso ficou gravado na minha mente desde então. As imagens, cenas e atores — todo aquele mundo foi marcado na minha mente como uma tatuagem.

BOLLEN: Tenho certeza de que foi semelhante na Itália, assim como nos Estados Unidos: o horror não compartilhava a mesma reverência ou prestígio que outros gêneros.

ARGENTO: Eu era muito fã de horror e lembro que esses filmes não eram respeitados pela minha família ou pelos professores. Lembro quando um novo filme do Hitchcock — que eu amava — foi lançado, e os críticos o menosprezaram, chamando-o de um filme "comercial". Eu me sentia mal pelo Hitchcock e por aqueles que, como eu, se sentiam parte dessa estranha e alienígena clã.

BOLLEN: Edgar Allan Poe foi uma grande influência para você também, correto? E, na verdade, antes de ser diretor, você passou anos como escritor e jornalista. Não é coincidência que em muitos dos seus primeiros filmes, o protagonista seja um escritor.

ARGENTO: Descobrir Edgar Allan Poe foi a minha luz na escuridão. Suas histórias estavam tão longe da rotina da minha vida cotidiana que eventualmente o tomei como modelo ou mentor. E, sim, todos os anos passando escrevendo contos e artigos para revistas me levaram ao mundo que eu mais tarde fiz meu: o cinema.

BOLLEN: Eu estava tentando imaginar um típico quadro de referências do Dario Argento para cada um dos seus filmes. Onde começa a ideia inicial? Como você começa a construir cada novo mundo assombroso?

ARGENTO: Meus filmes sempre ganham vida a partir de uma ideia, uma coincidência ou uma mágica onírica. Um momento efêmero que se estabelece na minha mente e começa a florescer. A trama lentamente aparece diante dos meus olhos, e só resta escrevê-la. Na verdade, eu uso um quadro de referências. E a pesquisa de locações é essencial para a realização do filme. Eu me inspiro na arquitetura — na beleza de certos bairros, no mistério de edifícios estranhos ou ruas que sugerem teorias psicanalíticas. Eu só escolho meus atores depois de escrever o roteiro.

BOLLEN: Que papel as cores desempenham nesse mundo?

ARGENTO: As cores são instrumentos fundamentais para dar um tom e uma alma ao filme.

BOLLEN: O giallo como gênero literário e cinematográfico já estava em pleno desenvolvimento na Itália quando você fez seu primeiro filme. E, no entanto, eu diria que você o aperfeiçoou como uma forma de arte nessa primeira contribuição, O Pássaro com Plumagem de Cristal. O que foi que o giallo o atraiu?

ARGENTO: O giallo sempre me fascinou — seja italiano ou internacional — por causa de seus mistérios, enigmas, o charme do proibido, as histórias de amor impossíveis, os reviravoltas sensacionais e uma trama não muito linear. Nos anos 1960, quando realmente comecei a lidar com o cinema — primeiro como jornalista, depois como roteirista — o giallo tinha muito pouco interesse para os intelectuais. Minha avó, uma mulher realmente conservadora, não me deixava lê-los, então eu costumava me esconder no sótão para fazer isso em privado.

BOLLEN: O que torna o giallo tão distintamente italiano?

ARGENTO: O giallo é um misto de referências. Havia uma torrente de temas e pensamentos que se aglomeravam no giallo italiano. Por exemplo, não vamos esquecer a ferocidade dos assassinos, a constante presença de personagens femininas e sua importância para a trama (especialmente nos meus filmes), os cenários irreais e altamente artísticos. Além disso, há a alma italiana que marca as histórias e os personagens — algo que vem do nosso passado, nossa religião e nossas superstições.

BOLLEN: Eu vejo uma espécie de barroco católico no design dos seus filmes — tanta atenção às cores e à luz. Como você consegue esses espetáculos visuais deslumbrantes repetidamente? É quase como se houvesse algum tipo de filme Argento que é super saturado.

ARGENTO: Acho que meus filmes são deslumbrantes porque são o resultado de muito estudo por trás da minha cenografia e movimentos de câmera. Estruturas peculiares, viagens ao desconhecido, enigmas, assassinatos selvagens, mas extravagantes, longas sequências de violência que lembram rituais astecas — tudo isso está conectado à minha ideia deste mundo que relato em meus filmes.

BOLLEN: Você pode ser o diretor que mais matou personagens de maneiras bizarras e originais. Não há assassinatos rápidos por pistola para você, a menos que seja uma bala pelo olho de uma porta, como em Ópera. Frequentemente são machados, estacas, ratos, elevadores, pedaços de vidro, lâminas de barbear, quedas por janelas. Como você continua pensando em novas maneiras de matar pessoas? E quais foram suas favoritas?

ARGENTO: Eu tive centenas de assassinatos nos meus filmes. Eles são a minha especialidade. Eu os visualizo quando escrevo e deixo minha imaginação fluir. Quanto ao processo de pesquisa por trás da estratégia de assassinato, eu levo em consideração o momento particular da trama e a psicologia do personagem na cena. Algumas cenas de morte foram mais bem-sucedidas que outras. Eu teria que mencionar as de Profondo Rosso (Profundamente Vermelho), Suspiria, Tenebre e Ópera.

BOLLEN: É difícil conseguir uma boa cena de morte de um ator? Eles geralmente têm que gritar, se contorcer e espirrar sangue de vários orifícios.

ARGENTO: Não, não foi difícil para mim me divertir com os atores e suas mortes macabras. Assim que eles entendem seu papel, o ator o interpreta da melhor forma, seguindo minhas orientações. E, então, quando estou editando o filme, é meu trabalho encontrar o momento certo na atuação.

BOLLEN: Como os censores tradicionalmente trataram seus filmes?

ARGENTO: Eu lutei contra a censura em quase todos os países em que meus filmes foram lançados. Hoje, a censura foi em sua maioria abolida, embora, até recentemente, ela tenha me perseguido o tempo todo. Na verdade, eu não acho que tenha sido culpa da Igreja Católica; foi mais sobre burocracia e leis conservadoras.

BOLLEN: Fora das cenas de morte, seu trabalho de câmera também é excepcionalmente inventivo. Frequentemente vemos através de múltiplas janelas ou quartos, movendo-nos de perto ou ampliando acima da ação. O que você se lembra como a tomada mais complicada de executar?

ARGENTO: O trabalho de câmera é uma criação minha, e não leva semanas ou anos. É mais como um trovão na minha cabeça. É intuição. O uso de um guindaste em Tenebre pode ter sido o momento mais complicado [uma longa tomada contínua usando um guindaste que observa através de várias janelas em uma casa antes de um assassino entrar, considerada uma conquista técnica marcante]. Além disso, a cena do corvo no início de Ópera foi difícil.

BOLLEN: O que te assusta?

ARGENTO: Filmes de horror raramente me assustam. Fico mais assustado com pesadelos — que realmente me deixam ansioso e apavorado. Caminhar sozinho pela minha casa pode me deixar assustado, dependendo do que está passando pela minha mente. Às vezes, sinto que estou cercado por presenças. Mas eu acho que isso está apenas na minha cabeça — na parte obscura.

BOLLEN: Eu sei que você respeita o diretor John Carpenter, mas e quanto a todos os filmes slasher americanos dos anos 80? Seus filmes são frequentemente considerados uma das inspirações para essa onda popular de horror.

ARGENTO: Eu acho que meus filmes e os slasher americanos são dois gêneros completamente diferentes. Eu lido com psicologia e o subconsciente; sem esses elementos, meus filmes não fariam sentido. Filmes de horror adolescente não têm nada a ver com isso, e a maioria das vezes são sem sentido e infantis.

BOLLEN: E, no entanto, tenho certeza de que você poderia ter se mudado para Hollywood a qualquer momento da sua carreira e feito filmes americanos. Você permaneceu comprometido com o cinema italiano. Por que você nunca filmou em Veneza, uma cidade que parece feita para uma produção do Argento?

ARGENTO: Pensei em filmar em Veneza em vários momentos da minha carreira. Questões práticas e financeiras sempre impediram cada tentativa. Eu escrevi algumas histórias curtas ambientadas em Veneza, e escrever é muito mais fácil porque minha criatividade não está atrelada a questões políticas ou operações complexas. Filmagens em Veneza podem ser realmente problemáticas por causa de suas pontes, canais e do mar.

BOLLEN: Recentemente, houve um aumento nos EUA de filmes de horror artísticos ou inteligentes — estou pensando em filmes como Corra! e Hereditário. Qual é a sua opinião sobre o recente remake do seu filme Suspiria feito por Luca Guadagnino?

ARGENTO: Para mim, o remake de Suspiria não parece um projeto bem realizado. Falta medo, música, tensão e criatividade cênica. Filmes como Corra! e Hereditário me impressionaram pela sua bela fotografia, trama e produção.

BOLLEN: Antes de você dirigir seu próprio filme, você co-escreveu com Bernardo Bertolucci o roteiro do clássico de Sergio Leone, Era Uma Vez no Oeste. Você aprendeu alguma lição com Leone sobre cinema? E há algum conselho que você daria a um cineasta que está começando?

ARGENTO: Leone me ensinou o papel crucial da câmera na realização de um filme — uma lição decisiva para mim. Como conselho para um jovem cineasta, você deve assistir a muitos filmes, várias vezes, buscar sua direção dentro de si mesmo e seguir esse caminho.


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Entrevista | William Friedkin (Deadline)

O PATRONO DO PRÉ-HORROR

Relembrando os contos de desafiar a morte de William Friedkin nos anos 70


Notas do tradutor (Marco Leal):

Conduzida pelo co-editor chefe do site Deadline, Mike Fleming Jr., e publicada em 6º de agosto de 2015, esta entrevista foi traduzida diretamente do site da Deadline (que pode ser conferida na íntegra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.

A entrevista foi repostada com uma nota introdutória do autor com a notícia da morte de Friedkin, em 7 de agosto de 2023 (data do meu aniversário de 27 anos).

É a entrevista mais completa e valiosa desta edição, respondida com atenção especial de Friedkin e abordando uma variedade de tópicos envolvendo o cinema de horror em Hollywood nos anos 70.


DEADLINE: Executivos e cineastas de hoje dizem que reverenciam os anos 70, mas estão sob pressão para criar blockbusters globais formulaicos que carecem de ousadia e autoria. O que tornou aquela era possível que não está presente hoje?

FRIEDKIN: Havia uma série de fatores. Os estúdios eram dirigidos por pessoas que realmente amavam filmes, e muitos deles haviam sido produtores. Provavelmente, o maior fator é que não havia fórmulas. Um estúdio não precisava lançar uma série de filmes que tinham que ser formulaicos, como acontece hoje. Um movimento inteiro naquela época foi impulsionado pelo lançamento de Easy Rider. Os estúdios sentiram que, se alguns cineastas descolados podiam sair, sem um roteiro, com uma equipe pequena e fazer um filme assim com muito poucos recursos, então os diretores deviam saber o que estavam fazendo. Isso beneficiou os caras mais jovens da minha geração. Os estúdios apenas sentiam que talvez tivéssemos alguma fórmula.

DEADLINE: Você teve?

FRIEDKIN: Não tivemos. Fomos principalmente influenciados pelos filmes europeus dos anos 60. A Nova Onda Francesa. O neo-realismo italiano. Kurosawa e outros cineastas japoneses. Fomos inspirados por eles e não estávamos presos a nenhuma fórmula. The French Connection, apesar de todo o seu sucesso, foi uma verdadeira ruptura para um filme de polícia, e foi por isso que levamos dois anos para fazê-lo. Cada estúdio recusou. Muitos deles recusaram duas ou três vezes ao longo de dois anos.

DEADLINE: Por quê?

FRIEDKIN: Eles não entenderam. A cena de perseguição nunca esteve no roteiro. Eu criei essa cena de perseguição, com o produtor Philip D’Antoni. Apenas jogamos ideias. Saímos do meu apartamento, seguimos para o sul de Manhattan e continuamos andando até chegarmos àquela cena de perseguição, deixando a atmosfera da cidade nos guiar. O vapor subindo da rua, o som do metrô rugindo sob nossos pés, o trânsito traiçoeiro nas ruas lotadas. Não tínhamos muito tempo, porque Dick Zanuck, que já havia recusado, nos disse que faria o filme por um milhão e meio de dólares se pudéssemos fazê-lo imediatamente, porque ele sabia que seria demitido. E ele estava certo. Por isso escolhemos Gene Hackman, que não era nossa primeira escolha. Andamos 55 quarteirões e criamos uma perseguição. Ninguém nunca pediu para ver um roteiro. Gastamos trezentos mil dólares a mais do que o orçamento de um milhão e meio, e eles queriam me matar todos os dias por causa disso. Ninguém gastava o tipo de dinheiro que se gasta hoje. Havia grupos de caras dirigindo os estúdios que tinham medo de estar desconectados, e cineastas jovens com ideias novas que se pareciam mais com o que é o cinema independente hoje do que com o que se encaixava no clássico filme de Hollywood, que eram os musicais dos anos 40 e 50, como Cantando na Chuva. O que prevalece no cinema americano hoje e que não existia então é que, se um filme faz sucesso e parece representar uma fórmula, ele será repetido várias e várias vezes, com mais e mais imagens geradas por computador. Não consigo pensar em nenhum filme de super-herói que existisse nos anos 70. Nenhum vem à mente. Sem fórmulas e o início foi o medo que aqueles executivos tinham, causado por Easy Rider, no coração dos caras que dirigiam os estúdios naquela época.

DEADLINE: Você estava ciente de que estava trabalhando em um momento especial para o cinema? Qual foi a melhor coisa sobre trabalhar em filmes naquela época, com tanta liberdade?

FRIEDKIN: Não estávamos cientes de que era uma era de ouro. Assim como aqueles executivos, víamos a era de ouro de Hollywood como sendo nos anos 40, mas reconhecíamos que uma era de ouro havia acabado de acontecer no cinema da Nova Onda com os neo-realistas na França e na Itália. A conversa entre nós naquela época era sobre qual trabalho sobreviveria, Godard ou Fellini? Nenhum de nós sabia as bilheteiras dos nossos filmes. Todos nós tínhamos porcentagens de lucro, mas isso não era o que nos motivava. Eu era muito próximo e ainda sou de Francis Coppola e outros. Nossas conversas eram sobre a arte do cinema que nos precedeu; o film noir americano dos anos 40 e 50. Nossas influências eram Os Brutos Também Amam e Fogo da Ambição, filmes que seriam impossíveis de serem feitos hoje. Tanto Coppola quanto eu fomos ameaçados várias vezes de sermos demitidos de nossos filmes porque os estúdios não gostavam ou não entendiam nossos dailies. Eles não gostavam dos dailies de O Poderoso Chefão; os caras que dirigiam a Paramount não gostavam do elenco. Eles não queriam Brando, não queriam Pacino. Eu tive a experiência oposta. Depois que Dick Zanuck aprovou The French Connection com a faca sobre seu pescoço, ele não se importava com quem estava no filme. Ele estava pronto para eu realmente escalar Jimmy Breslin como Jimmy Doyle. Você sabe quem é Jimmy Breslin?

DEADLINE: Eu era um repórter jovem no New York Newsday e Breslin escrevia colunas sobre crime e corrupção política.

FRIEDKIN: Eu testei Jimmy Breslin para o papel principal em The French Connection, com a aprovação total de Zanuck. Eu já tinha escalado Roy Scheider e Alan Weeks, o jovem que é perseguido na primeira cena. Jimmy simplesmente não conseguiu, mas ele era o protótipo do cara que eu queria. Primeiro ofereci esse papel a Jackie Gleason, e essa foi a única vez que Zanuck me vetou. Gleason estava disposto a fazer o filme e era a minha ideia para o personagem. Mas Zanuck disse não.

DEADLINE: Por quê?

FRIEDKIN: Gleason tinha feito a maior bomba da história da Fox, um filme mudo sobre um palhaço, chamado Gigot. Eu queria Gleason porque o verdadeiro policial era um cara irlandês robusto que você chamaria de Black Irish, escuro e de mau humor. Esse era o verdadeiro cara, Eddie Egan. Gleason era o mais próximo disso, mas o estúdio não aceitou. Passamos por muitas outras estrelas até que finalmente concordamos relutantemente em escalar Gene Hackman, quando já estávamos sem tempo, e Zanuck continuava ligando para o produtor e para mim dizendo que era melhor definirmos esse filme agora, porque eu serei demitido antes de vocês começarem a filmar. Então, relutantemente, fomos com Gene. Um dos grandes atores da história do cinema americano, que não era minha primeira, segunda ou décima escolha para esse papel. Então, acho que a outra coisa sobre os anos 70 foi que houve uma enorme dose de pura sorte.

DEADLINE: Não é assim que as coisas costumam ser, na maioria das vezes, no mundo do cinema?

FRIEDKIN: Às vezes. Você sabia que recusamos Star Wars naquela época? Eu tinha uma empresa na Paramount, com Coppola e Peter Bogdanovich, chamada The Directors Company. Por causa da relação de Francis com George Lucas, nos ofereceram Star Wars. Era mais do que tínhamos direito de gastar na nossa empresa, mas tanto Peter quanto eu odiamos o roteiro. Nós não víamos isso. Francis viu. Mas nós passamos em Star Wars!

DEADLINE: O revival deve dominar as bilheteiras em dezembro, alimentando o ano de maior arrecadação da história do cinema…

FRIEDKIN: Sim, nós deixamos passar Star Wars. Lucas deu para Francis porque todo mundo tinha recusado. O agente de Lucas, Jeff Berg, finalmente fez a Fox dizer sim. Então, ele pediu um pouco mais de dinheiro para George porque o filme estava demorando e George não tinha recebido uma grande quantia. Em vez de a Fox dar a ele alguns dólares a mais, Berg conseguiu para ele os direitos de remake, os direitos da sequência e todo o merchandise. É assim que o estúdio acreditava em Star Wars. Para deixar claro, nós, cineastas, só nos importávamos com a estética dos filmes, e não com as bilheteiras e o potencial de sequências. Agora, a mídia e todo o resto estão viciados nas arrecadações das bilheteiras. É tudo o que eles se importam.

DEADLINE: Qual é o impacto disso na cultura de fazer bons filmes?

FRIEDKIN: Eu acho que isso prejudica todos os aspectos da indústria cinematográfica, até mesmo a crítica de cinema, que certamente não é o que era nos anos 70. É difícil se empolgar poeticamente com o último filme de super-herói. Naquela época, havia filmes que atraíam o público e não custavam tanto a ponto de nunca conseguirem lucrar. Filmes como Five Easy Pieces e ótimos filmes menores, como as comédias de Bogdanovich e o filme A Conversação, de Coppola, foram feitos com muito pouco dinheiro. Os estúdios não estavam tentando se superar com efeitos especiais e personagens de quadrinhos. Não estou realmente criticando, apenas observando que é diferente. O cinema americano agora é, em grande parte, baseado em franquias de quadrinhos. Eles funcionam como um negócio, então você não pode criticar isso, porque o público se condicionou a esperar por isso. Mas nenhum de nós nos anos 70 achava que estávamos operando em uma era de ouro; todos nós fomos influenciados por Godard, Fellini, Truffaut, Kurosawa.

DEADLINE: Em Sorcerer, você pegou um filme de quase 40 anos e o trouxe de volta para os cinemas internacionais. Por que você desejava tanto uma segunda chance?

FRIEDKIN: Vou fazer um ponto, mas quero deixar claro que meu nome nunca deve ser usado na mesma frase que o de Vincent Van Gogh. Ele foi um dos maiores artistas reconhecidos que já existiram, que pintou por apenas dez anos de sua vida, mas fez mais de 3.000 obras. Nenhuma delas foi vendida durante sua vida. Hoje, você precisa ser um bilionário para comprar um Van Gogh. Por que a qualidade desse trabalho não foi reconhecida na época, como é agora? O que era diferente há 140 anos? O irmão de Van Gogh era seu marchand, ele vendeu muitas pinturas impressionistas e nenhuma de Van Gogh. Eu só me comparo a ele para sugerir que, às vezes, uma obra é reconhecida fora de seu tempo.

DEADLINE: O que foi necessário para conseguir essa reavaliação?

FRIEDKIN: Foi uma longa luta. Eu tive que ir ao tribunal apenas para descobrir quem o possuía. Você nunca vai ganhar muito dinheiro fazendo algo assim, mas a Warner Bros. incentivou esse revival ao lançá-lo em BluRay e DVD, o que fez com que vários distribuidores ao redor do mundo começassem a exibi-lo em cinemas, desde Istambul até Seul. Quando Sorcerer foi lançado, ele nunca teve uma distribuição na Europa porque foi um fracasso tão grande nos Estados Unidos, tanto criticamente quanto nas bilheteiras. E isso foi no início daquela época em que a bilheteira importava. Star Wars tinha acabado de mudar tudo; o filme blockbuster se tornou a dieta preferida dos estúdios.

DEADLINE: Star Wars, o filme que você recusou, foi lançado junto com o seu. Parecia que tudo mudou ali.

FRIEDKIN: Star Wars tomou todas as salas de cinema e o público. Estava no lugar certo na hora certa, e Sorcerer estava no lugar errado na hora errada. Star Wars é uma grande aventura para todas as gerações e mudou o zeitgeist do cinema americano. Aquele cenário mudou. Provavelmente, o fim daquela Era de Ouro dos anos 70 foi Heaven’s Gate, feito por um cara muito respeitado como um autor. Eu nunca me considerei um autor, mas sim um diretor que trabalhava e amava o processo, assim como meus contemporâneos. Não tínhamos a intenção de fazer filmes que o público não veria porque eram difíceis demais; apenas fizemos filmes nos quais acreditávamos. John Cassavetes foi o mais verdadeiro dos cineastas independentes americanos. Ele não tinha ninguém para apoiá-lo. Toda vez que queria fazer um filme, tinha que hipotecar sua casa e aceitar trabalhos de atuação para financiar esses pequenos filmes que recebiam ótimas críticas, mas tinham públicos pequenos. Mas isso não incomodava ninguém. As pessoas sabiam que Cassavetes era um grande cineasta, mesmo que não estivesse trabalhando em A Noviça Rebelde; suas ambições artísticas eram muito maiores do que os lançamentos comerciais da época, então você sabia que ele nunca teria um grande público. Mas o público que ele tinha apreciava seus filmes e isso era o suficiente para que algum estúdio os lançasse. Hoje? Nem pensar.

DEADLINE: Sorcerer tinha Roy Scheider no elenco, que já havia feito Tubarão e The French Connection, mas ele não era o grande nome. Por que você não ficou com Steve McQueen, a maior estrela da época? Como foi essa dança?

FRIEDKIN: Nós éramos amigos, e ele era um grande fã de The French Connection. Walon Green escreveu o roteiro de Sorcerer pensando em Steve McQueen para o papel de Scheider. Nós enviamos o roteiro para Steve, e ele me ligou dizendo: "Este é o melhor roteiro que já li. Eu adoro este filme." Depois, ele disse: "Tem algumas coisas que preciso que você faça por mim. Sei que você quer ir para uma selva e filmar, mas não posso fazer isso porque acabei de me casar com Ali McGraw e ela tem uma carreira. Você pode escrever um papel para ela, assim ela pode estar comigo enquanto estou filmando?" Eu disse: "Steve, você acabou de me dizer que era o melhor roteiro que já leu. Não há um papel importante para uma mulher." Ele respondeu: "Tudo bem, entendi. Então, por que você não a torna co-produtora?" Eu disse: "Steve, não vou fazer isso, não acredito nesse tipo de coisa. E definitivamente não quero usar sua esposa como isca e chamá-la de produtora, porque ela não vai ser produtora do filme." Então ele disse: "Tudo bem, entendi, então vamos fazer tudo na América." Eu respondi: "Steve, eu já encontrei os locais e estou comprometido com eles. Não quero fazer isso na América." Por causa dessas três razões, ele decidiu passar.

DEADLINE: Como isso acabou para você?

FRIEDKIN: Vou admitir uma coisa. Se isso tivesse surgido hoje, eu teria feito qualquer coisa que ele quisesse. Eu era tão arrogante naquela época. Achava que era a estrela daquele filme. Então não pensava que um close de Steve McQueen valia mais do que uma tomada da paisagem mais bonita. Um close de McQueen valia mais. Quando McQueen saiu, perdi Marcello Mastroianni e Lino Ventura, que eram grandes estrelas europeias e também eram conhecidos nos Estados Unidos. Só minha arrogância me custou aquele elenco.

DEADLINE: Qual é o valor dos astros de hoje em comparação com quando McQueen, Paul Newman, Robert Redford ou Dustin Hoffman eram os reis?

FRIEDKIN: Eu não acho que esse tipo de coisa exista mais. Eu não conseguiria nomear dez, e talvez tivesse dificuldade para citar cinco atores ou atrizes que garantam bilheteira hoje. Os conceitos são as estrelas. Eu não sei o nome do cara que acabou de interpretar o Superman, mas nos anos 70, o público esperava ansiosamente pelo próximo filme das estrelas, assim como fazia com Cary Grant, James Stewart, Humphrey Bogart, Joan Crawford e Bette Davis. Eu não acho que o sistema de estrelas exista agora. Certos atores e atrizes trabalham em filmes que têm um conceito que o público quer ver, como Ocean’s Eleven. Jerry Weintraub montou um elenco que fez as pessoas quererem ver aquele filme, mesmo que não seja o maior filme já feito.

DEADLINE: Por que o sistema de estrelas morreu?

FRIEDKIN: Os estúdios não os cultivam mais. Todos aqueles caras que mencionei estavam, em sua maioria, sob contrato com o estúdio, dirigidos por produtores que reconheciam potencial, criavam estrelas e escolhiam todo o material para eles. Novamente, a sorte teve seu papel. Humphrey Bogart só conseguiu O Tesouro da Sierra Madre porque George Raft recusou. Bogart é tão incrível no filme, e eu não sei qual foi a bilheteira, nem me importa. É um dos maiores filmes americanos de todos os tempos.

DEADLINE: Sorcerer parecia um filme impossível de ser filmado, desde as locações infernais na selva sul-americana, até as chuvas e acrobacias envolvidas em mover aqueles veículos por pontes precárias feitas de cordas e madeira. Como você se lembra disso?

FRIEDKIN: Sorcerer permanece como uma metáfora para a vida.

DEADLINE: O que você quer dizer?

FRIEDKIN: Para simplificar, você luta e luta e, então, você morre. É isso. Eu via isso como uma metáfora não apenas para os indivíduos no filme, mas para as nações do mundo, então e especialmente hoje. Isso pode ser uma razão pela qual as pessoas se relacionam com isso agora. As nações do mundo são hostis umas às outras, e ainda assim, se não trabalharem juntas e cooperarem, vão se destruir. Essa é a metáfora na história desses quatro caras de lugares diferentes do mundo, que se encontram nessa situação. Eles não gostam uns dos outros, mas se não cooperarem, vão se explodir, literalmente. Acho que estamos à beira dessa catástrofe agora, evitando-a todos os dias. Todos esses países estão sobre caminhões carregados de dinamite volátil. Isso me motivou a fazer o filme, junto com mostrar a exploração dos países da América Latina por grandes corporações americanas como a United Crude e as empresas de petróleo que exploravam os trabalhadores, quando as condições de segurança não significavam nada. Fui profundamente influenciado pelo romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez, que escreveu o que agora é conhecido como realismo mágico. Esse é o estilo que adotei para o filme. Realismo mágico. Realismo no sentido de que tudo o que você via nós tínhamos que fazer, e colocarei isso como um dos filmes mais difíceis já filmados, especialmente a cena da ponte. Isso foi ameaçador à vida. Quando o filme acabou, eu peguei malária e fiquei com ela por quatro ou cinco meses. Muitos dos caras que trabalharam naquele filme voltaram com gangrena e outras doenças. Não é algo que eu faria hoje.

DEADLINE: Eu me pergunto se você sente o mesmo sobre alguns de seus outros filmes. Eu reassisti O Exorcista, e aquelas são cenas chocantes para uma menina jovem interpretar. Também assisti O Exorcista, e aquela cena de perseguição de alta velocidade sob a estrutura do metrô. Você olha para trás e considera um milagre que ninguém ficou gravemente ferido?

FRIEDKIN: A resposta para sua pergunta é sim, incluindo Linda Blair em O Exorcista. Sempre houve o risco nos meus filmes, onde alguém poderia ter se machucado ou pior. Eu sempre via o cinema naqueles dias como uma aventura e uma educação, entrando em território desconhecido, tanto literal quanto metaforicamente. Eu era jovem. Foi apenas pela graça de Deus que ninguém se feriu ou morreu nesses filmes. Eu não faria isso hoje. Não faria um filme hoje que pudesse causar uma torção no tornozelo de um esquilo.

DEADLINE: Por que você fez isso naquela época?

FRIEDKIN: Eu era jovem e imprudente, e tive a oportunidade. Essa é uma combinação perigosa — jovem, imprudente, com as chaves do reino, o que eu tinha porque, francamente, achavam que eu era à prova de balas, assim como alguns dos meus colegas na época. Estava errado. O Exorcista foi uma ameaça à sanidade daquela maravilhosa garota de doze anos. Nós fizemos testes com milhares de garotas em todo o país, muitas em vídeo. Eu vi centenas das fitas e, quando a encontrei, foi como um presente dos deuses do cinema. Ela chegou até mim sem recomendação de ninguém. Sua mãe a trouxe quando eu estava procurando garotas de 16 anos que pudessem parecer mais novas. Não consegui encontrar ninguém que pudesse suportar a pressão psicológica de interpretar um papel assim. Linda não tinha experiência em atuação. Ela só tinha feito um pouco de modelagem, mas era uma aluna exemplar em Westport, Connecticut. Ela era extremamente inteligente e centrada. Ela foi a única que conheci para aquele papel que achei que não seria prejudicada pela experiência.

DEADLINE: Como você garante isso, quando aquelas cenas de possessão demoníaca são tão intensas?

FRIEDKIN: Eu transformei tudo em um jogo para ela. Com doze anos, ela não entendia as implicações do que estava fazendo, mas tinha alguma ideia do que a história tratava e confiava totalmente em mim. Eu a tratava como se fosse seu pai substituto. Sua mãe e pai estavam separados na época. Sua mãe estava no set todos os dias e aparece em uma pequena cena. Eu poderia te enviar fotos de nós no set, onde nosso carinho um pelo outro é palpável. Eu realmente amava aquela criança como se fosse minha e a tratei assim.

DEADLINE: O que aconteceu quando havia uma cena de possessão?

FRIEDKIN: Eu transformei tudo em um jogo. E quando eu pedia para ela fazer algo especialmente difícil, que ela achava meio sujo ou não tinha certeza, eu dizia: ok, se você fizer isso, eu te dou um milkshake. Foi feito da maneira que você trataria uma criança. Tinha que ser uma menina de 12 anos, embora eu já tivesse desistido de encontrar uma até que sua mãe a trouxesse sem agendamento. Novamente, é um milagre que ela não tenha se prejudicado. Ela fez muitos mais filmes do que eu; é muito ativa com a PETA e começou sua própria organização para proteger os animais. Ela é uma mulher excelente agora, na casa dos cinquenta. Ela passou por alguns problemas que a maioria dos adolescentes enfrenta, mas saiu bem. Não poderíamos ter feito aquele filme a menos que ela fosse quem ela era.

DEADLINE: A perseguição de carro em O Exorcista ganha um contexto diferente após aquele terrível acidente em Midnight Rider, o filme de Greg Allman que resultou na morte da membro da equipe Sarah Jones. O diretor Randall Miller não tinha permissão para filmar em uma ponte com uma linha de trem ativa e ele está atrás das grades depois que não conseguiram obter uma cama de hospital e se retirar dos trilhos enquanto um trem passava em alta velocidade pela ponte. Como isso fez você refletir sobre seu filme, que terminou em Oscars e glória?

FRIEDKIN: Poderia ter acontecido conosco. Foi apenas pela graça de Deus que não aconteceu. Embora eu tivesse muitas pessoas no set preocupadas com a segurança, desafiamos todas as leis de segurança. Eu não tinha permissão para filmar aquela perseguição, exceto do trem elevado. Eles me deixaram filmar no trem elevado por cerca de três ou quatro horas por dia. Conseguimos filmar das 9:00 da manhã, quando consideravam que o horário de pico havia terminado, até 1:00 da tarde. Para isso, precisávamos de permissão. Mas se eles não me dessem permissão, eu estava preparado para roubar aquelas cenas. Apenas levaria meus atores em um trem elevado diferente todos os dias e continuaria filmando até que nos expulsassem.

DEADLINE: Era uma época diferente, mas os filmes ainda são feitos com padrões relaxados e esses riscos às vezes resultam em cenários catastróficos. Parece que você olha para trás com um grande arrependimento...

FRIEDKIN: Olha, são emoções misturadas para mim, mas o arrependimento definitivamente faz parte disso. O fato de eu ter sido tão insensível e tão... despreocupado, na verdade, com qualquer coisa além de conseguir as tomadas que tinha na minha cabeça. Eu estava cercado por pessoas que concordavam comigo. A única coisa que você compara é a alguém que lidera homens e mulheres em batalha, porque eram batalhas. Eu tinha caras que estavam mais do que dispostos a correr esses riscos comigo. Eu nunca coloquei uma arma na cabeça de ninguém, mas definitivamente quebrei todas as regras, e acho que muitas das regras surgiram por causa do que conseguimos nos livrar em filmes como O Exorcista. Quando fiz a cena de perseguição em Viver e Morrer em L.A., eu tinha permissão para fazer tudo, mas isso também era muito perigoso, exceto que foi tudo executado com dublês. O Exorcista não foi. O Exorcista estava passando por um tráfego real na cidade de Nova York que não sabia o que estávamos fazendo.

DEADLINE: Quão rápido aqueles carros estavam indo?

FRIEDKIN: Em um ponto, 90 milhas por hora, sem nada para anunciar sua chegada. Quando eu não estava filmando nos carros, com uma câmera montada no para-choque, não havia nada para te avisar que havia um veículo se aproximando, exceto que tínhamos uma luz de polícia no topo do carro e uma sirene. Eu realmente tinha isso. Tinha uma sirene de polícia ajustada ao máximo, e era isso. Para conseguir as tomadas mais perigosas em O Exorcista, estava a 90 milhas por hora. Basicamente uma única tomada com três câmeras, das quais eu escolhi as tomadas. Eu opere a câmera naquela cena com um detetive da polícia no chão, caso fôssemos parados pela polícia. O detetive, chamado Randy Jurgenson, ainda está por aí e lembra bem daqueles dias. Fomos parados várias vezes e Randy teve que mostrar seu distintivo e explicar para os policiais da delegacia o que estávamos fazendo. Eu causei o engarrafamento na Ponte do Brooklyn para uma cena. Sem permissão para fazer isso. Enviei um grupo de policiais de folga para a ponte apenas para estacionar, para uma cena em O Exorcista onde Hackman perde o cara que estava seguindo no trânsito.

DEADLINE: O que aconteceu?

FRIEDKIN: Helicópteros da polícia sobrevoaram e desceram, dizendo o que diabos vocês estão fazendo? Eles nos pararam, mas eu tinha caras comigo o tempo todo que estavam na força policial, como os verdadeiros policiais da French Connection. Eles correram até lá com seus distintivos e explicaram para esses caras que ainda estavam bravos porque não sabiam o que estávamos fazendo e não tínhamos permissão para fazer isso. Isso te dá uma ideia do que estava acontecendo nos estúdios naquela época. Eles sabiam o que eu estava fazendo, mas nunca tentaram me parar. Eu não tinha ninguém que viesse e me lesse as regulamentações de segurança. Mas não tem nada a ver com meu gênio; foi apenas pela graça de Deus que alguém não se feriu ou algo pior. Agradeço a Deus por isso, mas não foi por causa de precauções extras ou da minha preocupação com a segurança de mim ou dos outros. Eu tenho que dizer isso. Não posso enrolar.

DEADLINE: Você proporcionou um gostinho dessa febre de blockbusters em que estamos agora, com O Exorcista. Eu lembro das filas ao redor do quarteirão em Manhattan quando estreou. Lembre-nos como era surfar a verdadeira onda de um filme que capturou o zeitgeist, comparado a agora, onde o objetivo é a saturação global e onde você pode fazer um bilhão de dólares em alguns fins de semana.

FRIEDKIN: Agora, eles estreiam em 6000-7000 telas ou mais. O Exorcista estreou em 26 cinemas nos Estados Unidos, por seis meses. Havia tanta demanda que eles tiveram que quebrar contratos para expandi-lo para 50 cinemas em seis meses. As pessoas estavam arrombando as portas. Na Cidade do México, índios mexicanos que nunca tinham ido à cidade desceram e jogaram dinheiro no cinema. Eles não sabiam sobre ficar na fila, então jogavam seu dinheiro para o cinema e era incontrolável.

DEADLINE: Foi uma construção lenta de negócios prolongada?

FRIEDKIN: Não foi uma estratégia da parte da Warner Brothers fazer isso. Eles realmente achavam que seriam processados por causa da classificação. Eles tinham visto os lucros de filmes como O Poderoso Chefão, que precedeu O Exorcista, então sabiam que poderiam atrair grandes audiências. A razão pela qual não abriram mais amplamente foi porque temiam que receberíamos uma classificação X e isso seria um problema, em todo lugar. Não recebemos. Eu consegui uma classificação R para aquele filme, sem cortes. Não tirei uma única cena para conseguir o R.

DEADLINE: Você descreveu em uma homenagem da THR a Jerry Weintraub as dificuldades que passou para conseguir que Cruising tivesse uma classificação R. Como você conseguiu isso com O Exorcista, com cenas que ainda são chocantes hoje?

FRIEDKIN: Naquela época, havia um conselho de classificação muito liberal, altamente sensível e inteligente, liderado pelo cara que criou o código de classificação, Aaron Stern. Ele era um psiquiatra praticante em Nova York, que Jack Valenti procurou para descobrir qual deveria ser o código de cinema. Ele criou toda essa classificação — R, X, M, PG. Ele era novo no cargo quando O Exorcista foi para o Conselho. Ele me ligou depois de assistir ao filme com seu Conselho. Eu não o conhecia; ele me ligou na Warner Brothers e disse: "Senhor Friedkin, acabei de ver seu filme. Vamos dar a ele uma classificação R, sem cortes. Vamos receber muita crítica por isso, e você também, e a Warner Brothers, mas eu acredito que este é um filme brilhante e inteligente e que deve ser amplamente visto." Todos nós achávamos que certamente iríamos receber um X e ter problemas. Algumas cidades exibiram com um X apesar do fato de ter uma classificação R. Foi um X em Washington, onde filmei, e foi um X em Boston.

DEADLINE: Por que a luta pela classificação de Cruising foi muito mais difícil do que a de O Exorcista?

FRIEDKIN: Havia um conselho de classificação diferente, com um conjunto diferente de valores, e posso defini-los como sendo muito mais conservadores. Richard Hefner era muito mais conservador do que seu predecessor Aaron Stern, que era um liberal que não acreditava na censura. Apesar do que o conselho de classificação te diz, eles operam como censores. É uma troca para conseguir uma determinada classificação. Você tem que remover algumas palavras aqui, algumas cenas ali, encurtar isso, eliminar aquilo. Com Aaron Stern, você não precisava fazer nada disso. Stern tinha a percepção e as pessoas em seu Conselho que, basicamente, achavam que as classificações deveriam ser apenas um aviso para os pais sobre o que era o conteúdo. Deixe os pais decidirem se querem levar seus filhos para ver isso, ou não, ou se querem que seus filhos vejam. Ele não via isso como uma tentativa de purificar a população. Ele via o código — e era apoiado por Valenti — como um meio de informar o público sobre o conteúdo. Isso cumpria essa função. Agora, veja, muitas pessoas assistiram O Exorcista que provavelmente não deveriam ter visto. Mas a classificação X não ia impedi-los de qualquer maneira. Quando eu era criança, cresci em Chicago e não tínhamos classificações para os filmes. Havia alguns filmes em Chicago que o escritório do prefeito Daley simplesmente baniu. Eles não podiam entrar, ou se podiam, eram apenas para Adultos. Eu consegui entrar e ver esses filmes junto com meu amigo quando estávamos na escola primária. Um filme como Rope, de Alfred Hitchcock, que era vagamente baseado nos assassinatos de Loeb e Leopold. James Stewart interpretava um professor universitário e dois jovens que levaram sua filosofia nietzschiana a sério. Eles mataram um colega de classe, colocaram o corpo morto em um grande baú no centro da sala e colocaram bebidas e comida sobre ele e fizeram uma festa. Havia apenas doze tomadas no filme todo. Ele filmou um rolo inteiro de filme até acabar em cada uma das cenas, sem edição interna. A câmera se move, mas apenas para seguir os atores. E não há cortes, exceto no final de um rolo, onde ele faz pequenas transições para o próximo rolo. Mas é um filme sobre dois garotos se safando de um assassinato. Era para Adultos em Chicago, mas não impediu a mim ou meu amigo. Agora, com vídeos caseiros, se uma criança quiser assistir a algo com classificação X ou um R forte, é bem provável que ela consiga.

DEADLINE: Dustin Hoffman disse recentemente que os filmes de hoje são terríveis e que toda a qualidade está na televisão. Você concorda?

FRIEDKIN: Não vejo os filmes de hoje como terríveis, embora tenha sido mal interpretado nesse aspecto. Eles são diferentes por causa da nova tecnologia digital e provavelmente nem deveriam ser chamados mais de filmes. Vejo o tipo de cinematografia que existia nos anos 70 ocorrendo na televisão de longa duração, principalmente no cabo e no download digital. Estou falando de séries que desenvolvem personagens e histórias ao longo de oito ou dez episódios. Eu as considero muito mais adequadas para mim como espectador do que o que passa no cinema local. Os Sopranos, a série britânica The Fall, 24, Homeland, House of Cards. Essas são as coisas que me vejo assistindo mais do que cinema. Mas acabei de ver Mr. Holmes e minha esposa e eu estávamos em lágrimas. Há exceções.

DEADLINE: Você está dizendo que a era de ouro do cinema dos anos 70 está acontecendo agora, na TV, onde todos esses roteiristas ousados foram quando os estúdios pararam de contratá-los para dramas de orçamento médio?

FRIEDKIN: Você está certo, e as coisas boas estão sendo feitas na televisão. É lá que estamos fazendo To Live and Die in L.A. Está sendo escrito por Bobby Moresco, que escreveu Crash e ganhou o Oscar com Menina de Ouro. Deus queira que eu dirija todos os episódios e tente capturar a essência do filme. Estou muito interessado em televisão de longa duração, tanto como diretor quanto como espectador.

DEADLINE: Você teve uma trajetória bastante rápida, mas os estúdios agora costumam pegar cineastas promissores de filmes de baixo orçamento e jogá-los na água funda em blockbusters. Veja Colin Trevorrow, que saiu de Safety Not Guaranteed, um filme de baixo orçamento, e depois dirigiu Jurassic World, e agora está na fila para dirigir um dos filmes de Star Wars. Alguns desses artistas são consumidos e expelidos. O que você diria a esses caras que estão fazendo esses grandes saltos?

FRIEDKIN: Tivemos trajetórias semelhantes, exceto que não havia televisão de longa duração para nos apoiar ou para onde ir na época, mas os caras da minha geração avançaram rapidamente de filmes medianos para a oportunidade de fazer filmes cada vez melhores. Tivemos acesso a materiais melhores e, às vezes, tivemos sorte. Eu não fui a primeira escolha da Warner Brothers para fazer O Exorcista. O filme foi recusado por Stanley Kubrick, Arthur Penn e Mike Nichols. Eu estava bem abaixo na lista deles, mas me contrataram com alguns filmes no meu nome quando O French Connection saiu e foi um sucesso imediato. Muitos desses jovens que começaram fazendo vídeos caseiros ou coisas da MTV tiveram seu trabalho notado pelo estilo e talento e se movem rapidamente pelas mesmas razões que nós nos anos 70. Algum cara do estúdio vê algum talento ali. Não se trata de experiência; trata-se de percepção do talento, não diferente de quando a RKO deu o contrato a Orson Welles.

Orson Welles nunca tinha feito um filme e deram a esse cara as chaves do estúdio para fazer o que quisesse. E ele criou, sem dúvida, o melhor filme americano de todos os tempos, seguido por uma queda acentuada. Eu não poderia realmente aconselhar esses jovens que estão conseguindo esses grandes trabalhos de filme, a não ser dizer que você deve aproveitar essas oportunidades quando puder. Esses jovens têm uma oportunidade maior do que a minha geração jamais teve. Eles podem entrar em uma pequena loja eletrônica, comprar uma câmera digital ou um celular, filmar algo, editar no computador e postar em um site como o YouTube. Às vezes, esses filmes caseiros são vistos por milhões; a rede social é o maior disseminador de informações de todos os tempos. Esses caras fazem seus próprios filmes e, se tiverem talento, haverá alguém que se arriscará com eles. Nós tivemos que trabalhar nosso caminho até lá. Meu primeiro trabalho foi no setor de correspondência de uma estação de televisão em Chicago. Os grandes diretores dos anos 70, caras como Sidney Lumet, John Frankenheimer e Franklin Schaffner, começaram como garçons quando a televisão ao vivo era gravada em Nova York, ou na sala de correspondência. Não havia escolas ensinando técnica na época. Você subia pelas fileiras e aprendia observando os caras que vieram antes de você fazer isso. Se você tivesse talento, isso apareceria. A melhor televisão que já vi foi feita ao vivo no Playhouse 90 por John Frankenheimer. Nunca houve nada igual. Às vezes, eles faziam isso com oito a doze câmeras ao vivo e se moviam de estúdio para estúdio, enquanto o show estava no ar. A qualidade é equivalente aos dramas de TV de hoje, mas quase não há memória disso porque as únicas gravações eram em Kinescope desfocado. Não havia fitas desses shows. Eles existiam na mente de pessoas como eu, que foram influenciadas por eles.

DEADLINE: Você escreveu recentemente sobre o que você e Jerry Weintraub tiveram que fazer para conseguir uma classificação R para Cruising. Dada a crescente tolerância, como isso se sustenta? Havia a percepção na época de que o filme retratava um estilo de vida abominável.

FRIEDKIN: Certamente essa não era a nossa intenção. Nossa única intenção, como escrevi naquele contrato, era ver isso como um mistério de assassinato ambientado em um cenário exótico de S&M que não havia sido mostrado em um filme mainstream. O filme não tinha a intenção de fazer um comentário geral sobre a vida gay. Se eu fosse fazer esse filme hoje, seria difícil porque não acredito que aqueles lugares existam mais por causa da AIDS. Muitas dessas mortes misteriosas que ocorriam nas boates na época acabaram sendo causadas pelo HIV, mas não havia um nome na época para os caras que estavam ficando doentes e morrendo. Então, esse é um dos poucos filmes que eu não conseguiria fazer hoje. Eu filmei nessas boates com pessoas que eram membros daquelas comunidades e participaram livremente. Em termos do que eu fiz na época, eu apoio totalmente. Sei que muitas pessoas ficaram ofendidas e sei por quê, porque estávamos apenas nas fases iniciais da libertação gay e o movimento gay estava começando a dar seus primeiros passos para fora do armário, e Cruising não foi o melhor passo à frente para o progresso que os gays haviam feito na sociedade em direção à aceitação. Muitas pessoas o perceberam como um comentário sobre toda a vida gay, o que não era o caso.

DEADLINE: Qual foi a lição mais difícil que você aprendeu em sua carreira cinematográfica?

FRIEDKIN: Que um close de Steve McQueen vale mais do que a melhor paisagem que você poderia fotografar.

DEADLINE: Dê sua visão para transformar The Winter Of Frankie Machine em um filme. Este é um ótimo livro do autor de The Cartel, Don Winslow, que uma vez teve Martin Scorsese pronto para dirigir Robert De Niro e Michael Mann preparado para fazê-lo. Como você vê isso?

FRIEDKIN: Um grande personagem, 62 anos, que está basicamente na praia e volta para fazer mais um trabalho em Detroit. Vejo isso como um thriller bem apertado com um ótimo personagem. Não é um filme de grande orçamento. Tem todo o poder de um romance curto de Hemingway, muito compacto e completo. Tem que ser escrito para alguém que possa fazer isso sem parecer que está atuando. Estamos nas fases iniciais. Recebi a ligação há duas semanas do Shane Salerno com uma nota do Don Winslow me perguntando.

DEADLINE: Você sabe quem realmente faria o papel principal do assassino aposentado?

FRIEDKIN: Quem?

DEADLINE: Steve McQueen.

FRIEDKIN: [Risos]. Você acertou em cheio. O outro? Paul Newman, o do The Verdict. Há outros, não necessariamente estrelas de cinema, mas atores. Walton Goggins é um cara em quem você poderia acreditar nesse papel. Ele pode não ter 60; mas ele tem experiência, isso se reflete em seu rosto. McConaughey, que foi para um lugar diferente em Killer Joe, ele poderia fazer isso. Se ele quisesse, eu diria sim em um segundo.


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