Entrevista | William Friedkin (Deadline)
O PATRONO DO PRÉ-HORROR
Relembrando os contos de desafiar a morte de William Friedkin nos anos 70
Notas do tradutor (Marco Leal):
Conduzida pelo co-editor chefe do site Deadline, Mike Fleming Jr., e publicada em 6º de agosto de 2015, esta entrevista foi traduzida diretamente do site da Deadline (que pode ser conferida na íntegra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.
A entrevista foi repostada com uma nota introdutória do autor com a notícia da morte de Friedkin, em 7 de agosto de 2023 (data do meu aniversário de 27 anos).
É a entrevista mais completa e valiosa desta edição, respondida com atenção especial de Friedkin e abordando uma variedade de tópicos envolvendo o cinema de horror em Hollywood nos anos 70.
DEADLINE: Executivos e cineastas de hoje dizem que reverenciam os anos 70, mas estão sob pressão para criar blockbusters globais formulaicos que carecem de ousadia e autoria. O que tornou aquela era possível que não está presente hoje?
FRIEDKIN: Havia uma série de fatores. Os estúdios eram dirigidos por pessoas que realmente amavam filmes, e muitos deles haviam sido produtores. Provavelmente, o maior fator é que não havia fórmulas. Um estúdio não precisava lançar uma série de filmes que tinham que ser formulaicos, como acontece hoje. Um movimento inteiro naquela época foi impulsionado pelo lançamento de Easy Rider. Os estúdios sentiram que, se alguns cineastas descolados podiam sair, sem um roteiro, com uma equipe pequena e fazer um filme assim com muito poucos recursos, então os diretores deviam saber o que estavam fazendo. Isso beneficiou os caras mais jovens da minha geração. Os estúdios apenas sentiam que talvez tivéssemos alguma fórmula.
DEADLINE: Você teve?
FRIEDKIN: Não tivemos. Fomos principalmente influenciados pelos filmes europeus dos anos 60. A Nova Onda Francesa. O neo-realismo italiano. Kurosawa e outros cineastas japoneses. Fomos inspirados por eles e não estávamos presos a nenhuma fórmula. The French Connection, apesar de todo o seu sucesso, foi uma verdadeira ruptura para um filme de polícia, e foi por isso que levamos dois anos para fazê-lo. Cada estúdio recusou. Muitos deles recusaram duas ou três vezes ao longo de dois anos.
DEADLINE: Por quê?
FRIEDKIN: Eles não entenderam. A cena de perseguição nunca esteve no roteiro. Eu criei essa cena de perseguição, com o produtor Philip D’Antoni. Apenas jogamos ideias. Saímos do meu apartamento, seguimos para o sul de Manhattan e continuamos andando até chegarmos àquela cena de perseguição, deixando a atmosfera da cidade nos guiar. O vapor subindo da rua, o som do metrô rugindo sob nossos pés, o trânsito traiçoeiro nas ruas lotadas. Não tínhamos muito tempo, porque Dick Zanuck, que já havia recusado, nos disse que faria o filme por um milhão e meio de dólares se pudéssemos fazê-lo imediatamente, porque ele sabia que seria demitido. E ele estava certo. Por isso escolhemos Gene Hackman, que não era nossa primeira escolha. Andamos 55 quarteirões e criamos uma perseguição. Ninguém nunca pediu para ver um roteiro. Gastamos trezentos mil dólares a mais do que o orçamento de um milhão e meio, e eles queriam me matar todos os dias por causa disso. Ninguém gastava o tipo de dinheiro que se gasta hoje. Havia grupos de caras dirigindo os estúdios que tinham medo de estar desconectados, e cineastas jovens com ideias novas que se pareciam mais com o que é o cinema independente hoje do que com o que se encaixava no clássico filme de Hollywood, que eram os musicais dos anos 40 e 50, como Cantando na Chuva. O que prevalece no cinema americano hoje e que não existia então é que, se um filme faz sucesso e parece representar uma fórmula, ele será repetido várias e várias vezes, com mais e mais imagens geradas por computador. Não consigo pensar em nenhum filme de super-herói que existisse nos anos 70. Nenhum vem à mente. Sem fórmulas e o início foi o medo que aqueles executivos tinham, causado por Easy Rider, no coração dos caras que dirigiam os estúdios naquela época.
DEADLINE: Você estava ciente de que estava trabalhando em um momento especial para o cinema? Qual foi a melhor coisa sobre trabalhar em filmes naquela época, com tanta liberdade?
FRIEDKIN: Não estávamos cientes de que era uma era de ouro. Assim como aqueles executivos, víamos a era de ouro de Hollywood como sendo nos anos 40, mas reconhecíamos que uma era de ouro havia acabado de acontecer no cinema da Nova Onda com os neo-realistas na França e na Itália. A conversa entre nós naquela época era sobre qual trabalho sobreviveria, Godard ou Fellini? Nenhum de nós sabia as bilheteiras dos nossos filmes. Todos nós tínhamos porcentagens de lucro, mas isso não era o que nos motivava. Eu era muito próximo e ainda sou de Francis Coppola e outros. Nossas conversas eram sobre a arte do cinema que nos precedeu; o film noir americano dos anos 40 e 50. Nossas influências eram Os Brutos Também Amam e Fogo da Ambição, filmes que seriam impossíveis de serem feitos hoje. Tanto Coppola quanto eu fomos ameaçados várias vezes de sermos demitidos de nossos filmes porque os estúdios não gostavam ou não entendiam nossos dailies. Eles não gostavam dos dailies de O Poderoso Chefão; os caras que dirigiam a Paramount não gostavam do elenco. Eles não queriam Brando, não queriam Pacino. Eu tive a experiência oposta. Depois que Dick Zanuck aprovou The French Connection com a faca sobre seu pescoço, ele não se importava com quem estava no filme. Ele estava pronto para eu realmente escalar Jimmy Breslin como Jimmy Doyle. Você sabe quem é Jimmy Breslin?
DEADLINE: Eu era um repórter jovem no New York Newsday e Breslin escrevia colunas sobre crime e corrupção política.
FRIEDKIN: Eu testei Jimmy Breslin para o papel principal em The French Connection, com a aprovação total de Zanuck. Eu já tinha escalado Roy Scheider e Alan Weeks, o jovem que é perseguido na primeira cena. Jimmy simplesmente não conseguiu, mas ele era o protótipo do cara que eu queria. Primeiro ofereci esse papel a Jackie Gleason, e essa foi a única vez que Zanuck me vetou. Gleason estava disposto a fazer o filme e era a minha ideia para o personagem. Mas Zanuck disse não.
DEADLINE: Por quê?
FRIEDKIN: Gleason tinha feito a maior bomba da história da Fox, um filme mudo sobre um palhaço, chamado Gigot. Eu queria Gleason porque o verdadeiro policial era um cara irlandês robusto que você chamaria de Black Irish, escuro e de mau humor. Esse era o verdadeiro cara, Eddie Egan. Gleason era o mais próximo disso, mas o estúdio não aceitou. Passamos por muitas outras estrelas até que finalmente concordamos relutantemente em escalar Gene Hackman, quando já estávamos sem tempo, e Zanuck continuava ligando para o produtor e para mim dizendo que era melhor definirmos esse filme agora, porque eu serei demitido antes de vocês começarem a filmar. Então, relutantemente, fomos com Gene. Um dos grandes atores da história do cinema americano, que não era minha primeira, segunda ou décima escolha para esse papel. Então, acho que a outra coisa sobre os anos 70 foi que houve uma enorme dose de pura sorte.
DEADLINE: Não é assim que as coisas costumam ser, na maioria das vezes, no mundo do cinema?
FRIEDKIN: Às vezes. Você sabia que recusamos Star Wars naquela época? Eu tinha uma empresa na Paramount, com Coppola e Peter Bogdanovich, chamada The Directors Company. Por causa da relação de Francis com George Lucas, nos ofereceram Star Wars. Era mais do que tínhamos direito de gastar na nossa empresa, mas tanto Peter quanto eu odiamos o roteiro. Nós não víamos isso. Francis viu. Mas nós passamos em Star Wars!
DEADLINE: O revival deve dominar as bilheteiras em dezembro, alimentando o ano de maior arrecadação da história do cinema…
FRIEDKIN: Sim, nós deixamos passar Star Wars. Lucas deu para Francis porque todo mundo tinha recusado. O agente de Lucas, Jeff Berg, finalmente fez a Fox dizer sim. Então, ele pediu um pouco mais de dinheiro para George porque o filme estava demorando e George não tinha recebido uma grande quantia. Em vez de a Fox dar a ele alguns dólares a mais, Berg conseguiu para ele os direitos de remake, os direitos da sequência e todo o merchandise. É assim que o estúdio acreditava em Star Wars. Para deixar claro, nós, cineastas, só nos importávamos com a estética dos filmes, e não com as bilheteiras e o potencial de sequências. Agora, a mídia e todo o resto estão viciados nas arrecadações das bilheteiras. É tudo o que eles se importam.
DEADLINE: Qual é o impacto disso na cultura de fazer bons filmes?
FRIEDKIN: Eu acho que isso prejudica todos os aspectos da indústria cinematográfica, até mesmo a crítica de cinema, que certamente não é o que era nos anos 70. É difícil se empolgar poeticamente com o último filme de super-herói. Naquela época, havia filmes que atraíam o público e não custavam tanto a ponto de nunca conseguirem lucrar. Filmes como Five Easy Pieces e ótimos filmes menores, como as comédias de Bogdanovich e o filme A Conversação, de Coppola, foram feitos com muito pouco dinheiro. Os estúdios não estavam tentando se superar com efeitos especiais e personagens de quadrinhos. Não estou realmente criticando, apenas observando que é diferente. O cinema americano agora é, em grande parte, baseado em franquias de quadrinhos. Eles funcionam como um negócio, então você não pode criticar isso, porque o público se condicionou a esperar por isso. Mas nenhum de nós nos anos 70 achava que estávamos operando em uma era de ouro; todos nós fomos influenciados por Godard, Fellini, Truffaut, Kurosawa.
DEADLINE: Em Sorcerer, você pegou um filme de quase 40 anos e o trouxe de volta para os cinemas internacionais. Por que você desejava tanto uma segunda chance?
FRIEDKIN: Vou fazer um ponto, mas quero deixar claro que meu nome nunca deve ser usado na mesma frase que o de Vincent Van Gogh. Ele foi um dos maiores artistas reconhecidos que já existiram, que pintou por apenas dez anos de sua vida, mas fez mais de 3.000 obras. Nenhuma delas foi vendida durante sua vida. Hoje, você precisa ser um bilionário para comprar um Van Gogh. Por que a qualidade desse trabalho não foi reconhecida na época, como é agora? O que era diferente há 140 anos? O irmão de Van Gogh era seu marchand, ele vendeu muitas pinturas impressionistas e nenhuma de Van Gogh. Eu só me comparo a ele para sugerir que, às vezes, uma obra é reconhecida fora de seu tempo.
DEADLINE: O que foi necessário para conseguir essa reavaliação?
FRIEDKIN: Foi uma longa luta. Eu tive que ir ao tribunal apenas para descobrir quem o possuía. Você nunca vai ganhar muito dinheiro fazendo algo assim, mas a Warner Bros. incentivou esse revival ao lançá-lo em BluRay e DVD, o que fez com que vários distribuidores ao redor do mundo começassem a exibi-lo em cinemas, desde Istambul até Seul. Quando Sorcerer foi lançado, ele nunca teve uma distribuição na Europa porque foi um fracasso tão grande nos Estados Unidos, tanto criticamente quanto nas bilheteiras. E isso foi no início daquela época em que a bilheteira importava. Star Wars tinha acabado de mudar tudo; o filme blockbuster se tornou a dieta preferida dos estúdios.
DEADLINE: Star Wars, o filme que você recusou, foi lançado junto com o seu. Parecia que tudo mudou ali.
FRIEDKIN: Star Wars tomou todas as salas de cinema e o público. Estava no lugar certo na hora certa, e Sorcerer estava no lugar errado na hora errada. Star Wars é uma grande aventura para todas as gerações e mudou o zeitgeist do cinema americano. Aquele cenário mudou. Provavelmente, o fim daquela Era de Ouro dos anos 70 foi Heaven’s Gate, feito por um cara muito respeitado como um autor. Eu nunca me considerei um autor, mas sim um diretor que trabalhava e amava o processo, assim como meus contemporâneos. Não tínhamos a intenção de fazer filmes que o público não veria porque eram difíceis demais; apenas fizemos filmes nos quais acreditávamos. John Cassavetes foi o mais verdadeiro dos cineastas independentes americanos. Ele não tinha ninguém para apoiá-lo. Toda vez que queria fazer um filme, tinha que hipotecar sua casa e aceitar trabalhos de atuação para financiar esses pequenos filmes que recebiam ótimas críticas, mas tinham públicos pequenos. Mas isso não incomodava ninguém. As pessoas sabiam que Cassavetes era um grande cineasta, mesmo que não estivesse trabalhando em A Noviça Rebelde; suas ambições artísticas eram muito maiores do que os lançamentos comerciais da época, então você sabia que ele nunca teria um grande público. Mas o público que ele tinha apreciava seus filmes e isso era o suficiente para que algum estúdio os lançasse. Hoje? Nem pensar.
DEADLINE: Sorcerer tinha Roy Scheider no elenco, que já havia feito Tubarão e The French Connection, mas ele não era o grande nome. Por que você não ficou com Steve McQueen, a maior estrela da época? Como foi essa dança?
FRIEDKIN: Nós éramos amigos, e ele era um grande fã de The French Connection. Walon Green escreveu o roteiro de Sorcerer pensando em Steve McQueen para o papel de Scheider. Nós enviamos o roteiro para Steve, e ele me ligou dizendo: "Este é o melhor roteiro que já li. Eu adoro este filme." Depois, ele disse: "Tem algumas coisas que preciso que você faça por mim. Sei que você quer ir para uma selva e filmar, mas não posso fazer isso porque acabei de me casar com Ali McGraw e ela tem uma carreira. Você pode escrever um papel para ela, assim ela pode estar comigo enquanto estou filmando?" Eu disse: "Steve, você acabou de me dizer que era o melhor roteiro que já leu. Não há um papel importante para uma mulher." Ele respondeu: "Tudo bem, entendi. Então, por que você não a torna co-produtora?" Eu disse: "Steve, não vou fazer isso, não acredito nesse tipo de coisa. E definitivamente não quero usar sua esposa como isca e chamá-la de produtora, porque ela não vai ser produtora do filme." Então ele disse: "Tudo bem, entendi, então vamos fazer tudo na América." Eu respondi: "Steve, eu já encontrei os locais e estou comprometido com eles. Não quero fazer isso na América." Por causa dessas três razões, ele decidiu passar.
DEADLINE: Como isso acabou para você?
FRIEDKIN: Vou admitir uma coisa. Se isso tivesse surgido hoje, eu teria feito qualquer coisa que ele quisesse. Eu era tão arrogante naquela época. Achava que era a estrela daquele filme. Então não pensava que um close de Steve McQueen valia mais do que uma tomada da paisagem mais bonita. Um close de McQueen valia mais. Quando McQueen saiu, perdi Marcello Mastroianni e Lino Ventura, que eram grandes estrelas europeias e também eram conhecidos nos Estados Unidos. Só minha arrogância me custou aquele elenco.
DEADLINE: Qual é o valor dos astros de hoje em comparação com quando McQueen, Paul Newman, Robert Redford ou Dustin Hoffman eram os reis?
FRIEDKIN: Eu não acho que esse tipo de coisa exista mais. Eu não conseguiria nomear dez, e talvez tivesse dificuldade para citar cinco atores ou atrizes que garantam bilheteira hoje. Os conceitos são as estrelas. Eu não sei o nome do cara que acabou de interpretar o Superman, mas nos anos 70, o público esperava ansiosamente pelo próximo filme das estrelas, assim como fazia com Cary Grant, James Stewart, Humphrey Bogart, Joan Crawford e Bette Davis. Eu não acho que o sistema de estrelas exista agora. Certos atores e atrizes trabalham em filmes que têm um conceito que o público quer ver, como Ocean’s Eleven. Jerry Weintraub montou um elenco que fez as pessoas quererem ver aquele filme, mesmo que não seja o maior filme já feito.
DEADLINE: Por que o sistema de estrelas morreu?
FRIEDKIN: Os estúdios não os cultivam mais. Todos aqueles caras que mencionei estavam, em sua maioria, sob contrato com o estúdio, dirigidos por produtores que reconheciam potencial, criavam estrelas e escolhiam todo o material para eles. Novamente, a sorte teve seu papel. Humphrey Bogart só conseguiu O Tesouro da Sierra Madre porque George Raft recusou. Bogart é tão incrível no filme, e eu não sei qual foi a bilheteira, nem me importa. É um dos maiores filmes americanos de todos os tempos.
DEADLINE: Sorcerer parecia um filme impossível de ser filmado, desde as locações infernais na selva sul-americana, até as chuvas e acrobacias envolvidas em mover aqueles veículos por pontes precárias feitas de cordas e madeira. Como você se lembra disso?
FRIEDKIN: Sorcerer permanece como uma metáfora para a vida.
DEADLINE: O que você quer dizer?
FRIEDKIN: Para simplificar, você luta e luta e, então, você morre. É isso. Eu via isso como uma metáfora não apenas para os indivíduos no filme, mas para as nações do mundo, então e especialmente hoje. Isso pode ser uma razão pela qual as pessoas se relacionam com isso agora. As nações do mundo são hostis umas às outras, e ainda assim, se não trabalharem juntas e cooperarem, vão se destruir. Essa é a metáfora na história desses quatro caras de lugares diferentes do mundo, que se encontram nessa situação. Eles não gostam uns dos outros, mas se não cooperarem, vão se explodir, literalmente. Acho que estamos à beira dessa catástrofe agora, evitando-a todos os dias. Todos esses países estão sobre caminhões carregados de dinamite volátil. Isso me motivou a fazer o filme, junto com mostrar a exploração dos países da América Latina por grandes corporações americanas como a United Crude e as empresas de petróleo que exploravam os trabalhadores, quando as condições de segurança não significavam nada. Fui profundamente influenciado pelo romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez, que escreveu o que agora é conhecido como realismo mágico. Esse é o estilo que adotei para o filme. Realismo mágico. Realismo no sentido de que tudo o que você via nós tínhamos que fazer, e colocarei isso como um dos filmes mais difíceis já filmados, especialmente a cena da ponte. Isso foi ameaçador à vida. Quando o filme acabou, eu peguei malária e fiquei com ela por quatro ou cinco meses. Muitos dos caras que trabalharam naquele filme voltaram com gangrena e outras doenças. Não é algo que eu faria hoje.
DEADLINE: Eu me pergunto se você sente o mesmo sobre alguns de seus outros filmes. Eu reassisti O Exorcista, e aquelas são cenas chocantes para uma menina jovem interpretar. Também assisti O Exorcista, e aquela cena de perseguição de alta velocidade sob a estrutura do metrô. Você olha para trás e considera um milagre que ninguém ficou gravemente ferido?
FRIEDKIN: A resposta para sua pergunta é sim, incluindo Linda Blair em O Exorcista. Sempre houve o risco nos meus filmes, onde alguém poderia ter se machucado ou pior. Eu sempre via o cinema naqueles dias como uma aventura e uma educação, entrando em território desconhecido, tanto literal quanto metaforicamente. Eu era jovem. Foi apenas pela graça de Deus que ninguém se feriu ou morreu nesses filmes. Eu não faria isso hoje. Não faria um filme hoje que pudesse causar uma torção no tornozelo de um esquilo.
DEADLINE: Por que você fez isso naquela época?
FRIEDKIN: Eu era jovem e imprudente, e tive a oportunidade. Essa é uma combinação perigosa — jovem, imprudente, com as chaves do reino, o que eu tinha porque, francamente, achavam que eu era à prova de balas, assim como alguns dos meus colegas na época. Estava errado. O Exorcista foi uma ameaça à sanidade daquela maravilhosa garota de doze anos. Nós fizemos testes com milhares de garotas em todo o país, muitas em vídeo. Eu vi centenas das fitas e, quando a encontrei, foi como um presente dos deuses do cinema. Ela chegou até mim sem recomendação de ninguém. Sua mãe a trouxe quando eu estava procurando garotas de 16 anos que pudessem parecer mais novas. Não consegui encontrar ninguém que pudesse suportar a pressão psicológica de interpretar um papel assim. Linda não tinha experiência em atuação. Ela só tinha feito um pouco de modelagem, mas era uma aluna exemplar em Westport, Connecticut. Ela era extremamente inteligente e centrada. Ela foi a única que conheci para aquele papel que achei que não seria prejudicada pela experiência.
DEADLINE: Como você garante isso, quando aquelas cenas de possessão demoníaca são tão intensas?
FRIEDKIN: Eu transformei tudo em um jogo para ela. Com doze anos, ela não entendia as implicações do que estava fazendo, mas tinha alguma ideia do que a história tratava e confiava totalmente em mim. Eu a tratava como se fosse seu pai substituto. Sua mãe e pai estavam separados na época. Sua mãe estava no set todos os dias e aparece em uma pequena cena. Eu poderia te enviar fotos de nós no set, onde nosso carinho um pelo outro é palpável. Eu realmente amava aquela criança como se fosse minha e a tratei assim.
DEADLINE: O que aconteceu quando havia uma cena de possessão?
FRIEDKIN: Eu transformei tudo em um jogo. E quando eu pedia para ela fazer algo especialmente difícil, que ela achava meio sujo ou não tinha certeza, eu dizia: ok, se você fizer isso, eu te dou um milkshake. Foi feito da maneira que você trataria uma criança. Tinha que ser uma menina de 12 anos, embora eu já tivesse desistido de encontrar uma até que sua mãe a trouxesse sem agendamento. Novamente, é um milagre que ela não tenha se prejudicado. Ela fez muitos mais filmes do que eu; é muito ativa com a PETA e começou sua própria organização para proteger os animais. Ela é uma mulher excelente agora, na casa dos cinquenta. Ela passou por alguns problemas que a maioria dos adolescentes enfrenta, mas saiu bem. Não poderíamos ter feito aquele filme a menos que ela fosse quem ela era.
DEADLINE: A perseguição de carro em O Exorcista ganha um contexto diferente após aquele terrível acidente em Midnight Rider, o filme de Greg Allman que resultou na morte da membro da equipe Sarah Jones. O diretor Randall Miller não tinha permissão para filmar em uma ponte com uma linha de trem ativa e ele está atrás das grades depois que não conseguiram obter uma cama de hospital e se retirar dos trilhos enquanto um trem passava em alta velocidade pela ponte. Como isso fez você refletir sobre seu filme, que terminou em Oscars e glória?
FRIEDKIN: Poderia ter acontecido conosco. Foi apenas pela graça de Deus que não aconteceu. Embora eu tivesse muitas pessoas no set preocupadas com a segurança, desafiamos todas as leis de segurança. Eu não tinha permissão para filmar aquela perseguição, exceto do trem elevado. Eles me deixaram filmar no trem elevado por cerca de três ou quatro horas por dia. Conseguimos filmar das 9:00 da manhã, quando consideravam que o horário de pico havia terminado, até 1:00 da tarde. Para isso, precisávamos de permissão. Mas se eles não me dessem permissão, eu estava preparado para roubar aquelas cenas. Apenas levaria meus atores em um trem elevado diferente todos os dias e continuaria filmando até que nos expulsassem.
DEADLINE: Era uma época diferente, mas os filmes ainda são feitos com padrões relaxados e esses riscos às vezes resultam em cenários catastróficos. Parece que você olha para trás com um grande arrependimento...
FRIEDKIN: Olha, são emoções misturadas para mim, mas o arrependimento definitivamente faz parte disso. O fato de eu ter sido tão insensível e tão... despreocupado, na verdade, com qualquer coisa além de conseguir as tomadas que tinha na minha cabeça. Eu estava cercado por pessoas que concordavam comigo. A única coisa que você compara é a alguém que lidera homens e mulheres em batalha, porque eram batalhas. Eu tinha caras que estavam mais do que dispostos a correr esses riscos comigo. Eu nunca coloquei uma arma na cabeça de ninguém, mas definitivamente quebrei todas as regras, e acho que muitas das regras surgiram por causa do que conseguimos nos livrar em filmes como O Exorcista. Quando fiz a cena de perseguição em Viver e Morrer em L.A., eu tinha permissão para fazer tudo, mas isso também era muito perigoso, exceto que foi tudo executado com dublês. O Exorcista não foi. O Exorcista estava passando por um tráfego real na cidade de Nova York que não sabia o que estávamos fazendo.
DEADLINE: Quão rápido aqueles carros estavam indo?
FRIEDKIN: Em um ponto, 90 milhas por hora, sem nada para anunciar sua chegada. Quando eu não estava filmando nos carros, com uma câmera montada no para-choque, não havia nada para te avisar que havia um veículo se aproximando, exceto que tínhamos uma luz de polícia no topo do carro e uma sirene. Eu realmente tinha isso. Tinha uma sirene de polícia ajustada ao máximo, e era isso. Para conseguir as tomadas mais perigosas em O Exorcista, estava a 90 milhas por hora. Basicamente uma única tomada com três câmeras, das quais eu escolhi as tomadas. Eu opere a câmera naquela cena com um detetive da polícia no chão, caso fôssemos parados pela polícia. O detetive, chamado Randy Jurgenson, ainda está por aí e lembra bem daqueles dias. Fomos parados várias vezes e Randy teve que mostrar seu distintivo e explicar para os policiais da delegacia o que estávamos fazendo. Eu causei o engarrafamento na Ponte do Brooklyn para uma cena. Sem permissão para fazer isso. Enviei um grupo de policiais de folga para a ponte apenas para estacionar, para uma cena em O Exorcista onde Hackman perde o cara que estava seguindo no trânsito.
DEADLINE: O que aconteceu?
FRIEDKIN: Helicópteros da polícia sobrevoaram e desceram, dizendo o que diabos vocês estão fazendo? Eles nos pararam, mas eu tinha caras comigo o tempo todo que estavam na força policial, como os verdadeiros policiais da French Connection. Eles correram até lá com seus distintivos e explicaram para esses caras que ainda estavam bravos porque não sabiam o que estávamos fazendo e não tínhamos permissão para fazer isso. Isso te dá uma ideia do que estava acontecendo nos estúdios naquela época. Eles sabiam o que eu estava fazendo, mas nunca tentaram me parar. Eu não tinha ninguém que viesse e me lesse as regulamentações de segurança. Mas não tem nada a ver com meu gênio; foi apenas pela graça de Deus que alguém não se feriu ou algo pior. Agradeço a Deus por isso, mas não foi por causa de precauções extras ou da minha preocupação com a segurança de mim ou dos outros. Eu tenho que dizer isso. Não posso enrolar.
DEADLINE: Você proporcionou um gostinho dessa febre de blockbusters em que estamos agora, com O Exorcista. Eu lembro das filas ao redor do quarteirão em Manhattan quando estreou. Lembre-nos como era surfar a verdadeira onda de um filme que capturou o zeitgeist, comparado a agora, onde o objetivo é a saturação global e onde você pode fazer um bilhão de dólares em alguns fins de semana.
FRIEDKIN: Agora, eles estreiam em 6000-7000 telas ou mais. O Exorcista estreou em 26 cinemas nos Estados Unidos, por seis meses. Havia tanta demanda que eles tiveram que quebrar contratos para expandi-lo para 50 cinemas em seis meses. As pessoas estavam arrombando as portas. Na Cidade do México, índios mexicanos que nunca tinham ido à cidade desceram e jogaram dinheiro no cinema. Eles não sabiam sobre ficar na fila, então jogavam seu dinheiro para o cinema e era incontrolável.
DEADLINE: Foi uma construção lenta de negócios prolongada?
FRIEDKIN: Não foi uma estratégia da parte da Warner Brothers fazer isso. Eles realmente achavam que seriam processados por causa da classificação. Eles tinham visto os lucros de filmes como O Poderoso Chefão, que precedeu O Exorcista, então sabiam que poderiam atrair grandes audiências. A razão pela qual não abriram mais amplamente foi porque temiam que receberíamos uma classificação X e isso seria um problema, em todo lugar. Não recebemos. Eu consegui uma classificação R para aquele filme, sem cortes. Não tirei uma única cena para conseguir o R.
DEADLINE: Você descreveu em uma homenagem da THR a Jerry Weintraub as dificuldades que passou para conseguir que Cruising tivesse uma classificação R. Como você conseguiu isso com O Exorcista, com cenas que ainda são chocantes hoje?
FRIEDKIN: Naquela época, havia um conselho de classificação muito liberal, altamente sensível e inteligente, liderado pelo cara que criou o código de classificação, Aaron Stern. Ele era um psiquiatra praticante em Nova York, que Jack Valenti procurou para descobrir qual deveria ser o código de cinema. Ele criou toda essa classificação — R, X, M, PG. Ele era novo no cargo quando O Exorcista foi para o Conselho. Ele me ligou depois de assistir ao filme com seu Conselho. Eu não o conhecia; ele me ligou na Warner Brothers e disse: "Senhor Friedkin, acabei de ver seu filme. Vamos dar a ele uma classificação R, sem cortes. Vamos receber muita crítica por isso, e você também, e a Warner Brothers, mas eu acredito que este é um filme brilhante e inteligente e que deve ser amplamente visto." Todos nós achávamos que certamente iríamos receber um X e ter problemas. Algumas cidades exibiram com um X apesar do fato de ter uma classificação R. Foi um X em Washington, onde filmei, e foi um X em Boston.
DEADLINE: Por que a luta pela classificação de Cruising foi muito mais difícil do que a de O Exorcista?
FRIEDKIN: Havia um conselho de classificação diferente, com um conjunto diferente de valores, e posso defini-los como sendo muito mais conservadores. Richard Hefner era muito mais conservador do que seu predecessor Aaron Stern, que era um liberal que não acreditava na censura. Apesar do que o conselho de classificação te diz, eles operam como censores. É uma troca para conseguir uma determinada classificação. Você tem que remover algumas palavras aqui, algumas cenas ali, encurtar isso, eliminar aquilo. Com Aaron Stern, você não precisava fazer nada disso. Stern tinha a percepção e as pessoas em seu Conselho que, basicamente, achavam que as classificações deveriam ser apenas um aviso para os pais sobre o que era o conteúdo. Deixe os pais decidirem se querem levar seus filhos para ver isso, ou não, ou se querem que seus filhos vejam. Ele não via isso como uma tentativa de purificar a população. Ele via o código — e era apoiado por Valenti — como um meio de informar o público sobre o conteúdo. Isso cumpria essa função. Agora, veja, muitas pessoas assistiram O Exorcista que provavelmente não deveriam ter visto. Mas a classificação X não ia impedi-los de qualquer maneira. Quando eu era criança, cresci em Chicago e não tínhamos classificações para os filmes. Havia alguns filmes em Chicago que o escritório do prefeito Daley simplesmente baniu. Eles não podiam entrar, ou se podiam, eram apenas para Adultos. Eu consegui entrar e ver esses filmes junto com meu amigo quando estávamos na escola primária. Um filme como Rope, de Alfred Hitchcock, que era vagamente baseado nos assassinatos de Loeb e Leopold. James Stewart interpretava um professor universitário e dois jovens que levaram sua filosofia nietzschiana a sério. Eles mataram um colega de classe, colocaram o corpo morto em um grande baú no centro da sala e colocaram bebidas e comida sobre ele e fizeram uma festa. Havia apenas doze tomadas no filme todo. Ele filmou um rolo inteiro de filme até acabar em cada uma das cenas, sem edição interna. A câmera se move, mas apenas para seguir os atores. E não há cortes, exceto no final de um rolo, onde ele faz pequenas transições para o próximo rolo. Mas é um filme sobre dois garotos se safando de um assassinato. Era para Adultos em Chicago, mas não impediu a mim ou meu amigo. Agora, com vídeos caseiros, se uma criança quiser assistir a algo com classificação X ou um R forte, é bem provável que ela consiga.
DEADLINE: Dustin Hoffman disse recentemente que os filmes de hoje são terríveis e que toda a qualidade está na televisão. Você concorda?
FRIEDKIN: Não vejo os filmes de hoje como terríveis, embora tenha sido mal interpretado nesse aspecto. Eles são diferentes por causa da nova tecnologia digital e provavelmente nem deveriam ser chamados mais de filmes. Vejo o tipo de cinematografia que existia nos anos 70 ocorrendo na televisão de longa duração, principalmente no cabo e no download digital. Estou falando de séries que desenvolvem personagens e histórias ao longo de oito ou dez episódios. Eu as considero muito mais adequadas para mim como espectador do que o que passa no cinema local. Os Sopranos, a série britânica The Fall, 24, Homeland, House of Cards. Essas são as coisas que me vejo assistindo mais do que cinema. Mas acabei de ver Mr. Holmes e minha esposa e eu estávamos em lágrimas. Há exceções.
DEADLINE: Você está dizendo que a era de ouro do cinema dos anos 70 está acontecendo agora, na TV, onde todos esses roteiristas ousados foram quando os estúdios pararam de contratá-los para dramas de orçamento médio?
FRIEDKIN: Você está certo, e as coisas boas estão sendo feitas na televisão. É lá que estamos fazendo To Live and Die in L.A. Está sendo escrito por Bobby Moresco, que escreveu Crash e ganhou o Oscar com Menina de Ouro. Deus queira que eu dirija todos os episódios e tente capturar a essência do filme. Estou muito interessado em televisão de longa duração, tanto como diretor quanto como espectador.
DEADLINE: Você teve uma trajetória bastante rápida, mas os estúdios agora costumam pegar cineastas promissores de filmes de baixo orçamento e jogá-los na água funda em blockbusters. Veja Colin Trevorrow, que saiu de Safety Not Guaranteed, um filme de baixo orçamento, e depois dirigiu Jurassic World, e agora está na fila para dirigir um dos filmes de Star Wars. Alguns desses artistas são consumidos e expelidos. O que você diria a esses caras que estão fazendo esses grandes saltos?
FRIEDKIN: Tivemos trajetórias semelhantes, exceto que não havia televisão de longa duração para nos apoiar ou para onde ir na época, mas os caras da minha geração avançaram rapidamente de filmes medianos para a oportunidade de fazer filmes cada vez melhores. Tivemos acesso a materiais melhores e, às vezes, tivemos sorte. Eu não fui a primeira escolha da Warner Brothers para fazer O Exorcista. O filme foi recusado por Stanley Kubrick, Arthur Penn e Mike Nichols. Eu estava bem abaixo na lista deles, mas me contrataram com alguns filmes no meu nome quando O French Connection saiu e foi um sucesso imediato. Muitos desses jovens que começaram fazendo vídeos caseiros ou coisas da MTV tiveram seu trabalho notado pelo estilo e talento e se movem rapidamente pelas mesmas razões que nós nos anos 70. Algum cara do estúdio vê algum talento ali. Não se trata de experiência; trata-se de percepção do talento, não diferente de quando a RKO deu o contrato a Orson Welles.
Orson Welles nunca tinha feito um filme e deram a esse cara as chaves do estúdio para fazer o que quisesse. E ele criou, sem dúvida, o melhor filme americano de todos os tempos, seguido por uma queda acentuada. Eu não poderia realmente aconselhar esses jovens que estão conseguindo esses grandes trabalhos de filme, a não ser dizer que você deve aproveitar essas oportunidades quando puder. Esses jovens têm uma oportunidade maior do que a minha geração jamais teve. Eles podem entrar em uma pequena loja eletrônica, comprar uma câmera digital ou um celular, filmar algo, editar no computador e postar em um site como o YouTube. Às vezes, esses filmes caseiros são vistos por milhões; a rede social é o maior disseminador de informações de todos os tempos. Esses caras fazem seus próprios filmes e, se tiverem talento, haverá alguém que se arriscará com eles. Nós tivemos que trabalhar nosso caminho até lá. Meu primeiro trabalho foi no setor de correspondência de uma estação de televisão em Chicago. Os grandes diretores dos anos 70, caras como Sidney Lumet, John Frankenheimer e Franklin Schaffner, começaram como garçons quando a televisão ao vivo era gravada em Nova York, ou na sala de correspondência. Não havia escolas ensinando técnica na época. Você subia pelas fileiras e aprendia observando os caras que vieram antes de você fazer isso. Se você tivesse talento, isso apareceria. A melhor televisão que já vi foi feita ao vivo no Playhouse 90 por John Frankenheimer. Nunca houve nada igual. Às vezes, eles faziam isso com oito a doze câmeras ao vivo e se moviam de estúdio para estúdio, enquanto o show estava no ar. A qualidade é equivalente aos dramas de TV de hoje, mas quase não há memória disso porque as únicas gravações eram em Kinescope desfocado. Não havia fitas desses shows. Eles existiam na mente de pessoas como eu, que foram influenciadas por eles.
DEADLINE: Você escreveu recentemente sobre o que você e Jerry Weintraub tiveram que fazer para conseguir uma classificação R para Cruising. Dada a crescente tolerância, como isso se sustenta? Havia a percepção na época de que o filme retratava um estilo de vida abominável.
FRIEDKIN: Certamente essa não era a nossa intenção. Nossa única intenção, como escrevi naquele contrato, era ver isso como um mistério de assassinato ambientado em um cenário exótico de S&M que não havia sido mostrado em um filme mainstream. O filme não tinha a intenção de fazer um comentário geral sobre a vida gay. Se eu fosse fazer esse filme hoje, seria difícil porque não acredito que aqueles lugares existam mais por causa da AIDS. Muitas dessas mortes misteriosas que ocorriam nas boates na época acabaram sendo causadas pelo HIV, mas não havia um nome na época para os caras que estavam ficando doentes e morrendo. Então, esse é um dos poucos filmes que eu não conseguiria fazer hoje. Eu filmei nessas boates com pessoas que eram membros daquelas comunidades e participaram livremente. Em termos do que eu fiz na época, eu apoio totalmente. Sei que muitas pessoas ficaram ofendidas e sei por quê, porque estávamos apenas nas fases iniciais da libertação gay e o movimento gay estava começando a dar seus primeiros passos para fora do armário, e Cruising não foi o melhor passo à frente para o progresso que os gays haviam feito na sociedade em direção à aceitação. Muitas pessoas o perceberam como um comentário sobre toda a vida gay, o que não era o caso.
DEADLINE: Qual foi a lição mais difícil que você aprendeu em sua carreira cinematográfica?
FRIEDKIN: Que um close de Steve McQueen vale mais do que a melhor paisagem que você poderia fotografar.
DEADLINE: Dê sua visão para transformar The Winter Of Frankie Machine em um filme. Este é um ótimo livro do autor de The Cartel, Don Winslow, que uma vez teve Martin Scorsese pronto para dirigir Robert De Niro e Michael Mann preparado para fazê-lo. Como você vê isso?
FRIEDKIN: Um grande personagem, 62 anos, que está basicamente na praia e volta para fazer mais um trabalho em Detroit. Vejo isso como um thriller bem apertado com um ótimo personagem. Não é um filme de grande orçamento. Tem todo o poder de um romance curto de Hemingway, muito compacto e completo. Tem que ser escrito para alguém que possa fazer isso sem parecer que está atuando. Estamos nas fases iniciais. Recebi a ligação há duas semanas do Shane Salerno com uma nota do Don Winslow me perguntando.
DEADLINE: Você sabe quem realmente faria o papel principal do assassino aposentado?
FRIEDKIN: Quem?
DEADLINE: Steve McQueen.
FRIEDKIN: [Risos]. Você acertou em cheio. O outro? Paul Newman, o do The Verdict. Há outros, não necessariamente estrelas de cinema, mas atores. Walton Goggins é um cara em quem você poderia acreditar nesse papel. Ele pode não ter 60; mas ele tem experiência, isso se reflete em seu rosto. McConaughey, que foi para um lugar diferente em Killer Joe, ele poderia fazer isso. Se ele quisesse, eu diria sim em um segundo.