Entrevista | Dario Argento (INTERVIEW)

Dario Argento sobre transformar uma vida de sangue, lâminas, e pulp em arte


Notas do tradutor (Marco Leal):

Conduzida por Christopher Bollen e publicada em 17 de abril de 2019, esta entrevista foi traduzida diretamente do site da Interview (que pode ser conferida na integra aqui). Foram mantidas apenas as perguntas e respostas entre o entrevistador e o entrevistado, com a introdução original sendo excluída desta tradução. Assim como em outras entrevistas, trechos podem ser cortados da tradução a depender do tradutor.

A entrevista, sucinta e menos imersiva que outras que Argento deu ao longo dos anos, foi escolhida por ser feita próxima aos debates do pós-horror no cinema, algo que Bollen menciona indiretamente na introdução e o próprio Argento comenta em resposta a filmes de terror contemporâneos.


CHRISTOPHER BOLLEN: Você vem de uma família que trabalhou no cinema — sua mãe era fotógrafa e seu pai, produtor. Filmes devem ter sido parte da sua vida desde cedo. Quais filmes despertaram seu interesse inicialmente?

DARIO ARGENTO: Eu tinha um gosto muito eclético quando criança. Eu adorava dramas e filmes de aventura, crimes e faroestes. Depois, descobri o cinema de horror, e isso ficou gravado na minha mente desde então. As imagens, cenas e atores — todo aquele mundo foi marcado na minha mente como uma tatuagem.

BOLLEN: Tenho certeza de que foi semelhante na Itália, assim como nos Estados Unidos: o horror não compartilhava a mesma reverência ou prestígio que outros gêneros.

ARGENTO: Eu era muito fã de horror e lembro que esses filmes não eram respeitados pela minha família ou pelos professores. Lembro quando um novo filme do Hitchcock — que eu amava — foi lançado, e os críticos o menosprezaram, chamando-o de um filme "comercial". Eu me sentia mal pelo Hitchcock e por aqueles que, como eu, se sentiam parte dessa estranha e alienígena clã.

BOLLEN: Edgar Allan Poe foi uma grande influência para você também, correto? E, na verdade, antes de ser diretor, você passou anos como escritor e jornalista. Não é coincidência que em muitos dos seus primeiros filmes, o protagonista seja um escritor.

ARGENTO: Descobrir Edgar Allan Poe foi a minha luz na escuridão. Suas histórias estavam tão longe da rotina da minha vida cotidiana que eventualmente o tomei como modelo ou mentor. E, sim, todos os anos passando escrevendo contos e artigos para revistas me levaram ao mundo que eu mais tarde fiz meu: o cinema.

BOLLEN: Eu estava tentando imaginar um típico quadro de referências do Dario Argento para cada um dos seus filmes. Onde começa a ideia inicial? Como você começa a construir cada novo mundo assombroso?

ARGENTO: Meus filmes sempre ganham vida a partir de uma ideia, uma coincidência ou uma mágica onírica. Um momento efêmero que se estabelece na minha mente e começa a florescer. A trama lentamente aparece diante dos meus olhos, e só resta escrevê-la. Na verdade, eu uso um quadro de referências. E a pesquisa de locações é essencial para a realização do filme. Eu me inspiro na arquitetura — na beleza de certos bairros, no mistério de edifícios estranhos ou ruas que sugerem teorias psicanalíticas. Eu só escolho meus atores depois de escrever o roteiro.

BOLLEN: Que papel as cores desempenham nesse mundo?

ARGENTO: As cores são instrumentos fundamentais para dar um tom e uma alma ao filme.

BOLLEN: O giallo como gênero literário e cinematográfico já estava em pleno desenvolvimento na Itália quando você fez seu primeiro filme. E, no entanto, eu diria que você o aperfeiçoou como uma forma de arte nessa primeira contribuição, O Pássaro com Plumagem de Cristal. O que foi que o giallo o atraiu?

ARGENTO: O giallo sempre me fascinou — seja italiano ou internacional — por causa de seus mistérios, enigmas, o charme do proibido, as histórias de amor impossíveis, os reviravoltas sensacionais e uma trama não muito linear. Nos anos 1960, quando realmente comecei a lidar com o cinema — primeiro como jornalista, depois como roteirista — o giallo tinha muito pouco interesse para os intelectuais. Minha avó, uma mulher realmente conservadora, não me deixava lê-los, então eu costumava me esconder no sótão para fazer isso em privado.

BOLLEN: O que torna o giallo tão distintamente italiano?

ARGENTO: O giallo é um misto de referências. Havia uma torrente de temas e pensamentos que se aglomeravam no giallo italiano. Por exemplo, não vamos esquecer a ferocidade dos assassinos, a constante presença de personagens femininas e sua importância para a trama (especialmente nos meus filmes), os cenários irreais e altamente artísticos. Além disso, há a alma italiana que marca as histórias e os personagens — algo que vem do nosso passado, nossa religião e nossas superstições.

BOLLEN: Eu vejo uma espécie de barroco católico no design dos seus filmes — tanta atenção às cores e à luz. Como você consegue esses espetáculos visuais deslumbrantes repetidamente? É quase como se houvesse algum tipo de filme Argento que é super saturado.

ARGENTO: Acho que meus filmes são deslumbrantes porque são o resultado de muito estudo por trás da minha cenografia e movimentos de câmera. Estruturas peculiares, viagens ao desconhecido, enigmas, assassinatos selvagens, mas extravagantes, longas sequências de violência que lembram rituais astecas — tudo isso está conectado à minha ideia deste mundo que relato em meus filmes.

BOLLEN: Você pode ser o diretor que mais matou personagens de maneiras bizarras e originais. Não há assassinatos rápidos por pistola para você, a menos que seja uma bala pelo olho de uma porta, como em Ópera. Frequentemente são machados, estacas, ratos, elevadores, pedaços de vidro, lâminas de barbear, quedas por janelas. Como você continua pensando em novas maneiras de matar pessoas? E quais foram suas favoritas?

ARGENTO: Eu tive centenas de assassinatos nos meus filmes. Eles são a minha especialidade. Eu os visualizo quando escrevo e deixo minha imaginação fluir. Quanto ao processo de pesquisa por trás da estratégia de assassinato, eu levo em consideração o momento particular da trama e a psicologia do personagem na cena. Algumas cenas de morte foram mais bem-sucedidas que outras. Eu teria que mencionar as de Profondo Rosso (Profundamente Vermelho), Suspiria, Tenebre e Ópera.

BOLLEN: É difícil conseguir uma boa cena de morte de um ator? Eles geralmente têm que gritar, se contorcer e espirrar sangue de vários orifícios.

ARGENTO: Não, não foi difícil para mim me divertir com os atores e suas mortes macabras. Assim que eles entendem seu papel, o ator o interpreta da melhor forma, seguindo minhas orientações. E, então, quando estou editando o filme, é meu trabalho encontrar o momento certo na atuação.

BOLLEN: Como os censores tradicionalmente trataram seus filmes?

ARGENTO: Eu lutei contra a censura em quase todos os países em que meus filmes foram lançados. Hoje, a censura foi em sua maioria abolida, embora, até recentemente, ela tenha me perseguido o tempo todo. Na verdade, eu não acho que tenha sido culpa da Igreja Católica; foi mais sobre burocracia e leis conservadoras.

BOLLEN: Fora das cenas de morte, seu trabalho de câmera também é excepcionalmente inventivo. Frequentemente vemos através de múltiplas janelas ou quartos, movendo-nos de perto ou ampliando acima da ação. O que você se lembra como a tomada mais complicada de executar?

ARGENTO: O trabalho de câmera é uma criação minha, e não leva semanas ou anos. É mais como um trovão na minha cabeça. É intuição. O uso de um guindaste em Tenebre pode ter sido o momento mais complicado [uma longa tomada contínua usando um guindaste que observa através de várias janelas em uma casa antes de um assassino entrar, considerada uma conquista técnica marcante]. Além disso, a cena do corvo no início de Ópera foi difícil.

BOLLEN: O que te assusta?

ARGENTO: Filmes de horror raramente me assustam. Fico mais assustado com pesadelos — que realmente me deixam ansioso e apavorado. Caminhar sozinho pela minha casa pode me deixar assustado, dependendo do que está passando pela minha mente. Às vezes, sinto que estou cercado por presenças. Mas eu acho que isso está apenas na minha cabeça — na parte obscura.

BOLLEN: Eu sei que você respeita o diretor John Carpenter, mas e quanto a todos os filmes slasher americanos dos anos 80? Seus filmes são frequentemente considerados uma das inspirações para essa onda popular de horror.

ARGENTO: Eu acho que meus filmes e os slasher americanos são dois gêneros completamente diferentes. Eu lido com psicologia e o subconsciente; sem esses elementos, meus filmes não fariam sentido. Filmes de horror adolescente não têm nada a ver com isso, e a maioria das vezes são sem sentido e infantis.

BOLLEN: E, no entanto, tenho certeza de que você poderia ter se mudado para Hollywood a qualquer momento da sua carreira e feito filmes americanos. Você permaneceu comprometido com o cinema italiano. Por que você nunca filmou em Veneza, uma cidade que parece feita para uma produção do Argento?

ARGENTO: Pensei em filmar em Veneza em vários momentos da minha carreira. Questões práticas e financeiras sempre impediram cada tentativa. Eu escrevi algumas histórias curtas ambientadas em Veneza, e escrever é muito mais fácil porque minha criatividade não está atrelada a questões políticas ou operações complexas. Filmagens em Veneza podem ser realmente problemáticas por causa de suas pontes, canais e do mar.

BOLLEN: Recentemente, houve um aumento nos EUA de filmes de horror artísticos ou inteligentes — estou pensando em filmes como Corra! e Hereditário. Qual é a sua opinião sobre o recente remake do seu filme Suspiria feito por Luca Guadagnino?

ARGENTO: Para mim, o remake de Suspiria não parece um projeto bem realizado. Falta medo, música, tensão e criatividade cênica. Filmes como Corra! e Hereditário me impressionaram pela sua bela fotografia, trama e produção.

BOLLEN: Antes de você dirigir seu próprio filme, você co-escreveu com Bernardo Bertolucci o roteiro do clássico de Sergio Leone, Era Uma Vez no Oeste. Você aprendeu alguma lição com Leone sobre cinema? E há algum conselho que você daria a um cineasta que está começando?

ARGENTO: Leone me ensinou o papel crucial da câmera na realização de um filme — uma lição decisiva para mim. Como conselho para um jovem cineasta, você deve assistir a muitos filmes, várias vezes, buscar sua direção dentro de si mesmo e seguir esse caminho.


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