Os 10 Melhores Filmes de 2024

CADA VEZ MAIS LONGE DO HOJE…

É tempo de recomeços.

Nossos momentos de montar a lista de melhores do ano aqui no site sempre são de desencontros, desde a pandemia é muito raro que todos tenhamos visto os mesmos filmes, muito menos gostado das mesmas coisas. Dá pra pensar em uma dezena de motivos para isso, claro, alguns bem pessoais. Mas entendemos que se trata de um movimento de desagregação em torno do cinema que nem necessariamente tem a ver com a pandemia, mas com o esvaziamento promovido por Hollywood da experiência de ir ao cinema nos últimos 10 anos chegando a um ponto em que as pessoas são indiferentes aos filmes.

Mas como afirmar isso em meio a recordes sendo quebrados anualmente? A popularidade sem precedentes do Letterboxd? Dos canais de essay no youtube? Dos séquitos de críticos cada vez mais exaltados?

Bom, nenhuma dessas perguntas contradiz diretamente a constatação: o cinema não tem mais a atenção do público. E é fácil culpar o imediatismo das redes sociais por isso, mas isso é ignorar que as pessoas param para ver qualquer coisa, que as experiências compartilhadas nunca foram tão importantes. E, pela primeira vez em muito tempo, passei o ano quase inteiro sem nenhum amigo me perguntar a opinião sobre algum filme do momento (até Ainda Estou Aqui, nos acréscimos), sem ir ver alguma besteira hollywoodiana só por pressão social. Aliás, o filme de Walter Salles é a prova que gastar uma fortuna em marketing ainda compensa, e que há desejo pela coletividade do cinema, só não há mais nenhuma capacidade em Hollywood de produzir isso, nem que seja gastando todo orçamento do mundo em marketing.

O que acontece cada vez mais (e o aumento repentino de usuários no Letterboxd se explica assim) é que a experiência de cinema é cada vez mais individualizada, cada um na sua tela explorando o universo que quer, escrevendo online sem se interessar pelo que outra pessoa tem para dizer e pulando imediatamente para o próximo filme. E aí a coisa toda se torna muito mais interessante, a possibilidade de descoberta cada vez menos mediada que acontece quando os impérios de opinião se tornam menos capazes de defender as suas causas em torno do lançamento do momento: com um olhar atento percebemos que nem o filme do Walter Salles foi tão consensual quanto seu marketing tentou fazer parecer.

Entre o que foi feito, o que foi visto e o que foi falado, poucos diretores chamaram atenção. E uma péssima notícia é que o que gerou mais empolgação veio de nomes já bastante consolidados e perto do final da sua carreira. Michael Mann demonstrou ainda ter capacidade de conduzir sua câmera com bastante vontade de experimentar em Ferrari, eu particularmente me encantei com o Almodóvar se aventurando em Hollywood no Quarto ao Lado.

Por outro lado, nada fez tanto barulho quanto o fracasso monumental de Megalopolis, que talvez seja a melhor coisa do filme mesmo. Além desses velhos diretores (e outros que aparecem na nossa lista como Eastwood, Kurosawa, Sang-soo e Miyazaki - todos tocando na banda dos mais experientes), poucos jovens se destacaram: gostei bastante de I saw the TV Glow, de Jane Schoenbrun, seu terceiro longa, e Hamaguchi segue sendo a melhor notícia dos últimos 10 anos. Esse sumário de nomes é só uma maneira de destacar como pouco se falou de cinema em 2024, dos consagrados (com exceção de Coppola, por vários motivos) e dos novos, mesmo o antigamente adorado pelo público alternativo, Sean Baker, com o sucesso mainstream de Anora foi tópico de conversas maiores que um reel.

Nem o cinema brasileiro com lançamentos de diretores outrora consagrados como Muylaert, Karim Ainouz e Aly Muritiba parece ter ganhado muita tração (dito isso, nenhum de nós conseguiu ver Oeste Outra Vez, que gera expectativas). Uma nova barreira de mediocridade foi proposta por aqui esse ano com sequências de filmes que jamais deviam ter ganho sequências e usam dinheiro público para sufocar qualquer habilidade que podia ter sobrado para criarmos algo novo no Brasil, sem falar da paciência do público.

E aqui tiro as palavras de João (que mora em São Paulo) para uma breve finalização e reclame: foi também um ano onde se mostrou impossível de acompanhar o circuito longe de São Paulo e Rio. Mesmo Porto Alegre, outrora uma das cidades que mais consumia cinema, viu o fechamento de mais uma sala alternativa em 2024 (se aproximando da média de uma por ano), parece distante do que ocorre no cinema mundial fora os lançamentos que ainda tocam o mainstream.

Por isso também esta lista é provisória, como todas que fazemos, pois mesmo filmes em tese lançados em 2024 só chegam em 2025, ou só chegam em 2025, porque nunca chegam de fato. A lista é, portanto, um recorte do pouco que se foi possível ver e compartilhar, na espera que 2025 nos aproxime um pouco mais do hoje.


10 | HIT MAN

*Por Marco Leal

Um filme que Linklater já havia começado a fazer desde o início da carreira, em uma progressão que só se tornou evidente agora. Desde as divagações filosóficas em Antes do Amanhecer (1995) aos histrionismos em Escola de Rock (2003) e às indagações sobre identidade que se aproximaram em Boyhood (2014) e Everybody Wants Some (2016), um filme sobre o ser em uma época do parecer, que desconstrói o filme de assassino e se fantasia de comédia romântica sem nunca deixar de ser um filme inerente ao próprio cinema de seu realizador.

Curioso para onde vai Linklater a partir daqui, porque ao mesmo tempo que é seu filme mais livre para comentar sobre si mesmo, é também um de seus filmes mais apoiados em gêneros e motes tradicionais.


9 | PRISCILLA

*Por Marco Leal

Filme sobre redomas de uma diretora que cresceu em uma.

Cada vez mais prefiro o cinema da filha ao do pai, se apenas por como Sofia de fato filma assuntos a partir de sua própria versão de mundo, sem ambições cegas ou julgamentos prévios.

Sem se preocupar, como de praxe, com a factualidade ou verossimilhança, seu novo filme (não tão novo assim) é artesanal, plastificado, sua versão própria de Vertigo (1958), onde ela se apropria da história de seus protagonistas e da própria Hollywood para tecer uma idealização do real que nunca se torna uma crítica, mas sim uma assimilação do real para aquelas duas pessoas, e principalmente para a personagem título.

Impressão é que cada vez mais ela refina sua visão acerca dos filmes que pode fazer, sendo quem é.


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8 | ANTES QUE A MUSICA PARE

*Por João Francisco Milani

Único representante brasileiro na nossa lista aponta outros caminhos para o cinema no Brasil. A história é de um casal de idosos na colônia italiana lidando com a desintegração do ecossistema familiar tradicional a partir da morte de um dos seus filhos, que leva a matriarca da família a questionar sua identidade, seu território, sua religião e até sua língua.

A diretora mais uma vez alicerça sua leitura sobre a família no espaço da casa, que explora com esmero raro no cinema de hoje, ressignificando as luzes e formas do ambiente a cada nova sensação que a protagonista experimenta ao lidar com suas dores e reflexões. Como disse na Edição #1 da nossa revista, é uma diretora que retoma a valorização estética e técnica da história do cinema brasileiro pré retomada, que eram partes fundamentais da formulação audiovisual no país, e Até Que a Música Pare é um bom passo nessa direção.


7 | O MAL NÃO EXISTE

*Por João Francisco Milani

Há uns meses escrevi no Outra Hora um pequeno texto sobre o Hamaguchi para introduzir uma entrevista dele que traduzimos, ali esbocei alguns sentimentos que tenho sobre o trabalho dele baseado no que ele mesmo dizia na entrevista. A ideia principal que tenho sobre ele é que sua obra apresenta o legado do cinema clássico japonês, em um momento que a calma no cinema é cada vez menos frequente e está deixada para poucos diretores isolados da conversa.

Hamaguchi, como seus personagens, surge como uma voz resistente e dissonante ao cinema contemporâneo, mas também como os habitantes da vila, não é um grito, não é violento, é apenas respeito pela capacidade de pensar. Seu cinema é diferente de outros que têm ganho os prêmios dos festivais porque não cede a tentação de dar lições de moral, porque respeita inclusive quem seriam os vilões e porque não aceita as estruturas de montagem e direção dos seus pares.


6 | MAY DECEMBER

*Por João Francisco Milani

A sensação do ano entre meios críticos, o filme de Todd Haynes é, acima de tudo, o prazer de mergulhar no que Hollywood tem de melhor.

Um filme de reflexos em que uma personagem molda a outra, sem nunca saber quem controla quem. Ao contar a história de uma atriz que visita uma mulher prestes a ter sua história contada no cinema, Haynes estuda quanto a indústria explora a vida dos seus sujeitos, os fazendo acessar traumas apenas para entreter. Assim, a presença de Natalie Portman na casa de Julianne Moore bagunça todo o sistema de relações construído a duras penas pela anfitriã, corrompe o fluxo natural da vida familiar. Ao final já não sabemos qual personagem é o duplo e qual a original, mas como num clássico hollywoodiano, a protagonista vai embora deixando para trás suas ações passadas.

crítica 1 | crítica 2


5 | BY THE STREAM

*Por Marco Leal Oliveira

Quando a duração do novo filme de Hong Sang-soo foi divulgada, a ansiedade de seus fiéis seguidores se atacou. Embora mais cedo na carreira fizesse filmes “longos”, nestes últimos anos se tornou mais comum que Hong não precisasse de mais de noventa minutos, o que também contribuiu para sua sempre constante produção.

E By The Stream não necessariamente usa a duração com o intuito de se agigantar, pois por mais que seja um de seus filmes mais ambiciosos no que tange o material que toca (traçando um paralelo entre a história contada e as artes cênicas para então chegar ao cinema), segue sendo um de seus experimentos recentes onde o objetivo é prestar atenção nas pequenas coisas do mundo.

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4 | CHIME

*Por Marco Leal Oliveira

Em um ano onde lançou dois longas, é este média metragem de Kiyoshi Kurosawa que mais parece centralizar a movimentação descorporificante de seu cinema desde meados dos anos 90.

Porém se anteriormente Kurosawa se apropriava de efeitos visuais e evidentes (seus fantasmas, digitais ou mundanos, eram sempre mostrados) para simbolizar a crescente crise de identidade em um Japão abarrotado de prédios e fios, neste o horror é mostrado de maneira ao mesmo tempo mais direta e invisível. O que vemos é concreto, mas o que percebemos é uma abstração cada vez maior do ser japonês, que se cataliza a cada novo momento horrorizante de um filme que mostra tudo às claras, e ainda assim parece nos privar de ver tudo de frente.


3 | IN WATER

*Por Marco Leal Oliveira

A posição desse e de By The Stream pode e deve mudar, mas enquanto aquele ainda é assimilado, um ano depois In Water parece mesmo ser um dos experimentos mais radicais de Hong Sang-soo.

Filme sobre um rapaz que quer fazer um filme de fantasmas, onde Hong desfoca tudo e torna todos em espectros, figuras, borrões na tela. Um dos diretores mais proeminentes do mundo, que começa a atrair atores mainstream para seus modos quase universitários de produção, mas que segue em busca de algo tão simples como seu entendimento do próprio cinema.

Assim, a dicotomia ainda coloca este acima de seu companheiro: enquanto é seu filme mais minimalista no que tange os elementos, é também seu experimento mais rebuscado no que tange o dispositivo. No meio disso, um mar desfocado que engole seu protagonista, em um filme que sucumbe em si mesmo para se tornar então uma verdadeira história de fantasma.

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2 | JURADO #2

*Por João Francisco Milani

O que significa ser um homem moderno nos Estados Unidos?

Ao longo dos seus 50 anos de carreira, Clint Eastwood está procurando essa resposta. “Jurado Nº 2” explora como o cinema pode ajudar nessa busca retomando um dos grandes clássicos fundadores da tradição moderna e levando ao limite os valores de ética que fundam a sociedade dos Estados Unidos. Justin, interpretado por Nicholas Hoult, é um homem tão americano quanto ele pode ser, é jornalista (e não um desses da Vanity Fair), é casado com um esposa linda que espera um filho e tem que lidar com o vício em álcool para corresponder aos deveres comunitários e familiares que todas essas características implicam.

Porque Justin, o homem americano que Clint tanto quer entender, é essencialmente um homem devoto a sua comunidade o que significa que para ele servir no júri é um dever incontornável, mesmo que sua esposa esteja prestes a dar luz a seu bebê, não é correto evadir a seus deveres. E por isso também que a constatação de que o réu pode ser inocente o obriga a tomar uma posição justa, cívica, de defesa do que acredita, mesmo que isso possa ser sua ruína.

O novo filme de Clint Eastwood é magnífico porque demonstra como o diretor, aos 94 anos, compreende a encruzilhada em que seu país se encontra. Ele entende como esses valores que, para ele, são basilares na construção da identidade do homem moderno (e Justin é tão moderno que ele e sua esposa se fantasiam de “American Gothic” no Halloween) já não são mais suficientes no mundo contemporâneo, já não correspondem aos anseios na vida política dos Estados Unidos, que cada vez mais incorpora identidades complexas e diversas, as quais nem Clint nem Justin parece participar, ainda que não as neguem. Além disso, ele explora o que significa fazer a coisa certa em um país onde há cada vez mais sensibilidades a se considerar, onde as pessoas têm demandas urgentes que já não vão esperar pelo tempo antigo.

Clint Eastwood não está interessado em dar alguma lição sobre como cada um deve agir, se é certo ou errado o que esses personagens fazem, mas ele quer indagar: como lidar com isso? Como lidar com um país dividido, com novos valores cada vez mais distantes dele? São muitas perguntas que o diretor levanta, e aí está o grande mérito do seu trabalho, porque são perguntas que ele mesmo não tem ideia da resposta, e se tem faz questão de não compartilhar, mas que acredita que sejam necessárias para encarar a sua realidade e também importantes para seu público fazer frente aos desafios de hoje. 


1 | O MENINO E A GARÇA

*Por Marco Leal

Que as duas primeiras posições sejam ocupadas por dois cineastas tão enraizados em seus países (tanto como nações como cinemas) e que fazem possivelmente seus últimos filmes não é algo que nos surpreende, mas também algo que nos faz refletir.

Em um mundo que cada vez mais valoriza o próximo, o novo, o efêmero, e onde se acredita em coisas tão torpes como o “perder gás com a velhice” (como disse um certo senhor que se diz crítico a respeito do filme de Clint), é muito triste que Miyazaki e Eastwood estejam próximos do fim de suas carreiras porque, diferente mesmo de outros contemporâneos (talvez ainda mais renomados e louvados que os dois), as construíram em torno de suas próprias convicções.

Sim, olharam pro mundo, o absorveram, o discutiram, mas sempre filmaram (ou desenharam) da maneira que acreditavam certa.

E estes modos não mudaram, o que talvez os tornem artistas velhos aos olhos ansiosos de hoje, o que mudou foi sua percepção das coisas. E se no filme acima Eastwood olha para o mundo ao redor de sua carreira, neste Miyazaki olha para o mundo que animou durante toda a sua. Um é um olhar presente de um homem que busca entendê-lo a partir do passado, outro é o olhar ao passado de um homem que ainda o busca no presente.

Ambos estão muito distantes de qualquer outro filme da lista, e dos muitos e muitos filmes que não assistimos de 2024, porque não muito diferente de Miyazaki, seguimos buscando o que veio antes de nós. Também por isso, O Menino e a Garça seria a única escolha possível.

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