Crítica | Segredos de um escândalo
Um duplo de cinema clássico
Todd Haynes e suas melhores formas.
O bom do cinema Hollywoodiano nunca esteve na sutileza, pelo contrário, o que encanta nos clássicos de Hitchcock, Welles, Kubrick são suas maneiras únicas de conversar com seu público, de contar os segredos dos seus filmes. “Segredos de um escândalo” é filho legítimo do clássico cinema de Hollywood: primeiro por seu tema, um escândalo familiar, uma obsessão que se torna um thriller e segundo pelo seu jeito de filmar esse tema, nos contando com imagens mais do que com texto a posição que cada personagem ocupa no seu quadro.
Quando se fala em contos de obsessão no cinema é impossível não falar em Hitchcock. Sua principal obra “Um corpo que cai” manipulou o que se entende por cinema e ao vermos James Stewart obcecado por uma dupla de mulheres, uma loira e uma morena. Essa dupla domina a nova película de Haynes. Natalie Portman, a morena, que chega na Georgia como atriz cheia de falsas intenções querendo absorver Juliane Moore, a loira, mãe de uma famiília esquisita e a mais ingênua mastermind que o cinema americano produziu em décadas. A relação das duas aparece em tela sem nenhuma sutilidade para nos mostrar que gradualmente uma vira a outra. No auge da transformação Moore ensina Portman a se maquiar como ela manipulando fisicamente o rosto da atriz para parecer mais o seu.
Mas Haynes subverte o que existe de clássico no seu longa. A gente nunca sabe se Portman está verdadeiramente obcecada por Moore ou se ela está apenas querendo reproduzir sua personagem nos termos da indústria do cinema atual. Há uma grande cena em que elas sentam em uma loja de departamento e a câmera as filma em um espelho, nesse momento Portman está cercada por dois reflexos de Moore e nunca sabe exatamente para onde olhar, mas faz questão de copiar os trejeitos enquanto Moore a conta detalhes pessoais sobre sua vida. Essa cena não conseguimos desvendar quem está presa no plano de quem. Se Portman quer ser manipulada por Moore para fazer um filme ou se ela é vítima de uma caçadora a encurralando.
O que é certo é o problema do personagem de Melton ter atração pelas duas mulheres, evidenciado pelo grito de uma criança a primeira vez que ele diz ter visto um vídeo de Portman nua. “Segredos de uma confissão” é a história de três pessoas e o personagem dele é o segredo desse código. Ele fica com Moore a primeira vez quando ela tem 36, e agora se apaixona por Portman quando essa tem 36 também (assim como ele). A maneira como as duas mulheres o manipulam e suas tentativas de fuga aparecem sem qualquer cerimônia no quadro, ele é uma larva querendo sair do casulo. Ele é maio, elas são dezembro.
O que torna esse filme tão fascinante é que há no mínimo três maneiras de vê-lo. Haynes sem sutileza revela a verdade e a mentira dos seus personagens: sim, a personagem de Moore foi abusada na infância (há uma porta batendo quando ela diz que teve boa infância); sim, a personagem de Portman é uma comensal do amor entre os dois (evidenciado pela maneira como ela interpreta no final, extirpando Moore de qualquer humanidade); e por fim, Moore é uma predadora (quando Melton se liberta ela volta a caça). O que Haynes se recusa a fazer é qualquer julgamento sobre seus sujeitos. Ele filma os três, e filma com maestria digna do maior cinema norteamericano, ele explica e reflete profundamente suas vidas sem usar palavras (não precisamos saber a opinião do pai de Melton sobre seu casamento, um cinzeiro nos explica) e enquadra a relação fluida entre os três com paciência invejável.
“Segredos de um escândalo” é um dos últimos grandes dramas de Hollywood. Retrata a contradição usando personagens de ética questionável mas moral inabalável e assim nos conduz para o inexplicável. Suas influências clássicas, como Charles Melton decidindo largar Moore olhando para um rio, o consolidam em uma tradição norte americana que as tortas de mirtilo da personagem de Moore não traduzem, a tradição dramática da colônia do povo de Shakespeare. A história de uma morena que se transforma em uma loira por pura vontade de ganhar um Oscar, o resumo perfeito do filme dos Estados Unidos.