Os 20 Melhores Álbuns de 2020
Ninguém esperava por isso.
2020 não deixou os anos 1920 pra trás, e parou o mundo com uma pandemia. As cores, os timbres e as palrvas que moldaram a música esse ano mudaram vertiginosamente. Um ano dividido por lançamentos produzidos pré-pandemia, que foram re-interpretados de formas inimagináveis, e por lançamentos construídos em meio ao caos pandêmico. De uma forma ou outra, 2020 foi um ano rico para a música, que foi uma das formas de arte que mais consolou (e apaziguou) a todos nós ao longo deste ano.
20
Soccer mommy
“color theory”
Há algo completamente encantador e esquisito sobre a maneira com que Soccer Mommy consegue se relacionar através de suas músicas: a ausência de coerção.
A temática clara do álbum, dessa vez, é sobre depressão, ansiedade e inseguranças. Uma investigação introspectiva do ser ajustado conceitualmente dentro das cores em que se visualiza (azul para depressão, amarelo para doença mental e física e cinza para um vazio existencial).
A arte de Soccer Mommy é literalmente seu modo de viver bem consigo mesma, e suas letras são quase como páginas de um diário. Quando percebemos isso, então, como a própria cantora salienta, Color Theory se torna essencialmente feliz e encorajador da forma mais estranha imaginável.
Pietro Braga
19
Waxahatchee
“Saint Cloud”
De vez em quando, ouvimos um tipo de música que nos faz questionar até quando esse gênero musical continuará existindo. O álbum de Waxahatchee atingiu esse ponto na primeira vez que o ouvi. “Saint Cloud” faz uso de uma estética genuinamente americana, misturando folk e country, e é carregado por instrumentos orgânicos e vocalizações virtuosas que buscam evocar emoções puras, em vez de se preocupar com a técnica ou perfeição na gravação das músicas.
Dos hits prontos "Can't Do Much" e "Saint Cloud”à crueza de “Lilacs”, Waxahatchee cria um trabalho com a essência do folk, revelando ao mesmo tempo o quanto a nova geração de músicos pode incorporar essas raízes para evocar sentimentos atuais e dramas que só fazem sentido no mundo moderno. É um disco que valoriza a emoção, a verdade, e que deve ser ouvido do início ao fim, de preferência em uma estrada.
Amanda Machado
18
Perfume genius
“Set My Heart on Fire Immediately”
Cada álbum de Perfume Genius parece uma nova exibição artística, uma nova coleção de peças a serem contempladas num primeiro instante, e que convidam à interação no próximo. "Set My Heart on Fire Immediately" não é diferente disso: entregando a própria mente e abraçando o próprio caos, Perfume Genius constrói aqui algumas de suas faixas mais dançantes e algumas das mais emocionais.
A produção é luxuosa, os vocais não falham em nenhum instante e o desejo com que cada nota é entregue parece um convite ao ouvinte para fazer parte desse universo criado pelo artista. Não é qualquer artista que consegue reunir diferentes ideias e ainda assim construir um conceito estético e conceitual que faça tanto sentido em um mesmo álbum. É por isso que a expectativa em torno dos novos trabalhos do artista nunca é baixa - ele nos mima demais.
Bernardo Liz
17
Run the jewels
“RTJ4”
Cada execução de um novo álbum do Run the Jewels parece um retrato do zeitgeist do hip-hop, do pop e do status quo da música de cada momento. Mas não se engane: isso de forma alguma é dizer que o Run the Jewels transforma sua arte em um punhado de coisas genéricas. Isso significa dizer que a dupla consegue fazer a melhor curadoria possível do que está borbulhando nas mentes mais criativas da indústria a cada lançamento, construindo seus trabalhos de forma que sejam sempre atuais, mas nunca repetitivos ou genéricos.
O novo “RTJ4” não parece um álbum lançado durante a pandemia. Isso porque provavelmente não foi idealizado que seu lançamento ocorresse durante a pandemia. Mas, de certa forma, seu lançamento em meio a um ano recheado de obras introspectivas só deu mais luz e força ao impacto de suas canções. Hit atrás de hit, em uma tracklist que não tem tempo a perder, nem precisa de tempo para respirar.
Marco Oliveira
16
moses sumney
“græ”
A genialidade de "græ" reside na maneira como Sumney funde elementos de diversas influências musicais, criando assim uma narrativa que cativa e desafia o ouvinte em igual medida. Cada faixa é uma jornada em si mesma, imersiva e profundamente cativante. É uma obra que transcende a audição casual, e nos lembra quão vasta pode ser a experiência musical.
Expondo vulnerabilidades e questionando convenções de gênero e identidade, "græ" não busca a imediatez dos hits, mas sim a imortalidade da inovação e da expressão artística verdadeira. Em um momento em que a música precisa de vozes autênticas e diversas, Moses Sumney entrega um álbum que não apenas faz jus aos legados de seus antecessores na vanguarda musical, mas também traça um novo caminho para o futuro da arte.
Bernardo Liz
15
Adrienne Lenker
“songs”
Talvez um dos lançamentos mais adequados ao seu próprio tempo dos últimos anos. As canções são simples, minimalistas e intimistas, o que permite a Adrienne Lenker exibir suas qualidades e virtudes sem qualquer distração. Ela é simplesmente uma das melhores compositoras de sua geração, uma intérprete brilhante e uma produtora assertiva.
“Songs" fornece mais um vislumbre dentro da mente e do coração da artista e é perceptível que seus trabalhos solo são um refúgio quase confessional, onde ela pode exibir e entregar sua arte de forma mais crua, e isso apenas complementa o fantástico corpo musical da banda Big Thief. "Two Reverse" e "Anything" são duas das melhores músicas de sua carreira, e são apenas dois destaques de um disco que não tem uma faixa ruim sequer.
Amanda Machado
14
Dua Lipa
“Future Nostalgia”
Ninguém esperava um chute na porta com a força que Dua Lipa deu no mundo com “Future Nostalgia”, uma aula de pop por todas as métricas. Assim como The Weeknd fez quase junto de Dua, o Daft Punk frz em 2013 e Bruno Mars fez em 2017, Dua Lipa consegue trazer para o século 21 e para a década de 2020 as influências do Diisco, City Pop e do House, com um tempero tão pronto para o rádio que em outras situações seria doce demais.
Porém, as composições espertas, uma produção deliciosa e a performance arrebatadora e envolvente de Dua impedem o álbum de cair em sua própria armadilha, tornando-o um exercício de brilhantismo pop que dificilmente será superado nos próximos anos.
Amanda Machado
13
Taylor Swift
“folklore”
O “retorno às origens” que Taylor Swift esboçou em “Lover” se concretizou, de forma impecável, no ano seguinte. Pela pior razão possível, o isolamento da pandemia parece ter dado o tempo-espaço que Taylor precisava - não apenas para se reconectar com sua competência mais forte, a composição, mas para aplicá-la a um projeto conceitual, narrativo e que parecia estar esperando há anos para vir ao mundo.
Não há sequer uma faixa ruim aqui, e a forma com que “folklore” foi abraçado pelos fãs, (inclusive criando novos), prova a força de Taylor quando está fazendo o que faz de melhor: contando histórias, com o violão no colo, e a caneta na mão.
Bernardo Liz
12
Grimes
“Miss Anthropocene”
Segundo Grimes, esse é seu melhor trabalho. Não concordo com esse ponto de vista, mas entendo de onde ele vem. O álbum traz as melhores virtudes da artista em um único disco: um pouco do experimentalismo vanguardista eletrônico de seus primeiros trabalhos, um pouco da cantora compositora que começou a dar as caras em “Art Angels”, e equilibra todas essas ideias em um disco que parece uma apresentação curricular da artista.
"Miss Anthropocene" poderia soar datado desde sua produção, tendo momentos que podem remeter a álbuns do Deadmau5 do início dos anos 2010. Mas, nessa altura do campeonato, ocupa um lugar tão emblemático dentro de sua trajetória que sua estética se torna quase proprietária. Cada adição à discografia da cantora tem mais e mais dificuldade de soar datada ou presa a um período: é tudo parte do universo musical de Grimes.
Bernardo Liz
11
RINa Sawayama
“SAWAYAMA”
A ascensão do cross-gênero no início da década de 2020 é uma das partes mais interessantes da indústria musical a observar atualmente. Se temos exemplos como Black Midi no rock e Brockhampton no rap, o debut de Rina Sawayama é um dos exemplos de cross Pop mais relevantes da atualidade.
"SAWAYAMA" é pop global. Rina traz suas influências, sua família e não esconde suas referências, mas a mistura construída pela cantora é tão única que o cross-gênero de pop, música eletrônica, música experimental e rock dá ao trabalho um caráter de veterana, e não de iniciante.
Após um EP de estreia aclamado, seu primeiro álbum não desaponta. Os temas são mais brandos, mas, em compensação, a abordagem é mais convicta. De uma forma ou outra, ela planta com "SAWAYAMA" a base para uma carreira admirável.
Bernardo Liz
10
Laura Marling
“Song for Our Daughter”
Laura Marling não possui uma filha (ainda). É no auge de seu amadurecimento musical e pessoal que ela abraça a figura representativa de uma mãe, porém dentro de uma visão mais abrangente. “Song for Our Daughter” é um recado para uma coletividade inteira: as mulheres.
É sobre como jovens mulheres tendem a reagir e não agir, oprimidas por um sistema que as obriga a isso. É apesar de toda pessoalidade do álbum saber torná-lo representativo. Esse é o papel fundamental que Laura alcança através da posição figurativa de mãe que se propôs a assumir. É não tapar os olhos para a maldade natural do mundo para com as mulheres mas ao mesmo tempo buscar algum positivismo dentro de si para servir como uma alegoria encorajadora.
Através de conversas entre sua versão mais madura e sua versão mais insegura que Marling consegue achar um meio de se comunicar com todas que sofrem o desgaste de viver em uma sociedade extremamente machista, assim como com sua hipotética futura filha, que ela, hoje, se sente suficientemente responsável para assumir tal dever.
Pietro Braga
9
Fiona Apple
“Fetch the Bolt Cutters”
Poucas pessoas têm audácia na hora de escrever uma música como Fiona. Após quase 10 anos sem lançar nada, o hiato resultou em um disco que é tão Fiona Apple quanto um disco pode ser.
O peso das temáticas de “Fetch the Bolt Cutters” é contrabalanceado com a ironia da escrita, e a complexidade das composições é equilibrada pela abordagem direta da produção. Este é um trabalho que poderia ser reproduzido ao vivo sem grandes problemas, o que é um advento cada vez mais raro para materiais solo que contam com instrumentação.
Fiona não decepciona nem atende às expectativas que temos sobre ela. Ela é sempre imprevisível, - exceto pelo fato de quela entrega. Isso, nós podemos sempre prever.
Amanda Machado
8
Mac Miller
“Circles”
Não é como se precisássemos cavar fundo para achar alguma explicação para o ocorrido ou tudo que passava pela cabeça de Mac Miller. Os problemas dele nunca ficaram guardados em uma gaveta, mas aqui, em Circles, tudo nos é elucidado de coração aberto e, consequentemente, entende-se que não temos em mão apenas uma coletânea de músicas inacabadas.
É um trabalho fechado, coeso e pensado. O último de Mac Miller como artista. E o trabalho onde ele se mostra mais amadurecido e desenvolvido, por completo, como artista e compositor.
“Circles” é o epílogo de um dos artistas mais criativos - e talvez mal compreendidos - dessa geração, preocupado em apenas ser uma confissão de alguém que encontrou a paz desistindo de lutar contra todos seus demônios e está bem com isso. Então porque não estaríamos também?
Pietro Braga
7
The Weeknd
“After Hours”
O resultado de todo o caminho trilhado por Abel Tesfaye chega a seu ápice em 2020: em “After Hours” ele parece aceitar o fato que nunca mais conseguirá abordar antigos temas da mesma forma, com o mesmo apelo que uma vez já soou tão irresistível. Ele não é mais o mesmo e finalmente se mostra confortável com isso - apesar de algumas recaídas - explorando os diversos âmbitos que sua voz pode levá-lo.
O corte de cabelo indicando uma transformação em 2016 aconteceu, mas a mudança de fato acabou ficando em um plano figurativo. A redenção de fato do cantor aconteceu apenas em 2020 e dessa vez há verdadeira - e inquestionável - beleza por trás da loucura de Abel Tesfaye.
Marco Oliveira
6
Fleet Foxes
“Shore”
Se os dois primeiros álbuns da banda Fleet Foxes parecem uma obra em duas partes de influência céltica que se passa no topo de uma montanha ensolarada na Europa no inverno, "Shore" e "Crack-up" de 2017 se complementam de forma similar. De um jovem perdido à imensidão do não saber, "Shore" é a calma da chegada ao destino.
À beira da praia, há um senso de sublime, aqui o entendimento de que nem tudo será entendido, e a paz com isso. A paleta estética sonora bebe muito de "Crack-up", mas segue evoluindo e trazendo novos elementos, como a banda sempre faz a cada lançamento, inclusive aqui trazendo uma participação mais do que especial de Tim Bernardes, que colabora em conversa em português na faixa “Going-to-the-sun-Road”. Não sabemos qual será a próxima estrada que o Fleet Foxes vão embarcar, mas estamos ansiosos por ela.
Bernardo Liz
5
Jessie Ware
“What’s Your Pleasure?”
Puxe, empurre, mais, menos: as ordens do amor dadas por Jessie Ware no refrão da faixa título de "What's Your Pleasure?" demonstram o poder e a maestria que a cantora executa sobre cada uma das faixas de sua obra-prima. "What's Your Pleasure?" é, de forma criminosamente resumida, uma versão para adultos do álbum "Future Nostalgia", de Dua Lipa.
As influências do disco e dos anos 70 aqui são mais luxuosas, mais orgânicas, bebem dos maiores musicistas e das maiores referências dos anos 2000, e temperam tudo isso com matemática de amor, paixão e sensualidade que é feita para adultos, e não para trends no TikTok (por mais que possam eventualmente acontecer).
Tive o privilégio de assistir ao show de Jessie no Primavera Sound São Paulo 2022 e ouvir faixas como "Save A Kiss", "Spotlight" e "Soul Control" ao vivo apenas engrandeceu o que parecia inexpandível. Jessie construiu uma carreira formidável até aqui, mas não parecia ter se encontrado tanto dentro de umma proposta estética até o lançamento de "What's Your Pleasure?". Que ela continue a tomar conta, e a nos chamar, para essa incrível pista de dança.
Bernardo Liz
4
Haim
“Women In Music, Pt. III”
Uma das coisas mais sensacionais sobre música é quando ela se faz rebelde o suficiente pra criar melodias e compor narrativas fortes o bastante para contrariar nosso humor, subvertê-lo, e ditar o ritmo das próximas horas de nossas vidas.
São poucas obras que tem esse poder de subversão no nosso humor. Não vem sendo fácil ouvir música em um momento tão difícil da história, e sinceramente, eu venho sendo muito ranzinza sobre não conseguir me relacionar com álbuns que carregam certa euforia em seu tempo e sua narrativa. “Women in Music, pt. III” destrói qualquer resistência quanto a isso, e é tão excepcional que, mesmo ao tratar sobre a resolução de dificuldades pontuais e pessoais de cada integrante da banda, é ensolarado e espaçoso o bastante para dividir toda sua luz com quem quer que escute.
Pietro Braga
3
Charli xcx
“how i’m feeling now”
“how i’m feeling now” é um projeto conceitual e temático, não só musicalmente, mas espiritualmente. Trata-se de uma reflexão íntima de sentimentos que surgem em meio a um momento excepcional na vida de todos, e essas reflexões foram agrupadas com muito talento, num álbum que possui letras cativantes e instrumentais que representam o que Charli sabe fazer de melhor: levar o pop ao próximo nível. E tudo isso de dentro de casa!
Assim como “Charli”, não sabemos o que o futuro promete, mas o que se pode fazer é dar o seu melhor, um dia de cada vez. Charli, com ajuda dos seus produtores, conseguiu um feito incrível ao criar um álbum em pouco mais de um mês, sem sair de casa, e não foi para mostrar que ela é capaz, mas sim que ela é, assim como nós, alguém que tem muito a expressar. Esse álbum tem tudo para representar o que eventualmente poderá ser chamado de legado musical da quarentena, então, nessa toada, nada mais justo do que nomear Charli XCX como a nossa mais nova rainha da quarentena.
Victor Valente
2
the strokes
“The New Abnormal”
Se “Comedown Machine” foi o adolescente rebelde que tentou de tudo um pouco e pecou pelo excesso, “The New Abnormal” é o jovem adulto que une suas novas ideias com suas velhas virtudes, e tem convicção do que quer tentar: mesmo sem ter a certeza de que isso vá funcionar. Pela primeira vez em muitos anos os Strokes soam decididos e presentes em um álbum. De corpo e alma, não porque precisam, mas porque querem.
Talvez a maior diferença nessa fase mais madura dos Strokes seja o tempo que se leva para absorver e se deixar inundar por essas novas composições. Justamente pela familiariade que a banda já causa em qualquer fã, um hit rápido pode fazer falta para o ouvinte casual. Porém, é esse senso de clássico e novo nas composições e nos timbres trazidos pela banda nova-iorquina que torna seu trabalho mais recente relevante e passível de apreciação com mais audições.
No fim das contas, “The New Abnormal” provavelmente não será consenso entre público e crítica, mas tem potencial para se tornar um dos álbuns favoritos dos strokes para aqueles que entenderem, e apreciarem, a soma de fatores que puxa a verdade criativa da banda para frente, nos dias atuais.
Bernardo Liz
1
Phoebe bridgers
“Punisher”
Por vezes, durante a vida, sentimentos parecem tão intensos que não achamos palavras para os definirmos.
Phoebe Bridgers, em seu segundo álbum de estúdio, trata sobre decepções e descobertas comuns mas impõe tanto sentimentalismo a eles que parece estarmos experienciando aquilo pela primeira vez. É como se inocência e sabedoria estranhamente achassem um ponto médio e inexplicavelmente coexistissem sob a mesma situação. Multidimensional mas ainda assim intrinsecamente pessoal, Punisher se apresenta pra nós no melhor momento possível, onde provavelmente nos esquecemos como é sentir algumas coisas.
Enfim, 2020 fez tudo parecer muito raso. Na verdade, mais passageiro do que propriamente superficial. É como se sentimentos e emoções nos escapassem entre os dedos, como tentar carregar água com a mão. Parece inevitável que eles fujam. Phoebe Bridgers, na imensidão de seus arranjos e na intimidade de suas composições traz de volta uma infinitude de sensações que talvez não lembrássemos que podiam ser tão fortes.
Pietro Braga