Os 25 Melhores Álbuns de 2019
E chegamos ao último ano da década.
Vimos, surpreendentemente, em 2019, o hip-hop dar uma retrocedida na dominância da música mainstream, com a grande maioria de seus principais nomes optando por ou não lançar projetos, ou por tomar decisões artísticas duvidosas. Em meio a toda a turbulência que se instalou ao redor do planeta, não é de se surpreender que o conteúdo da maioria dos álbuns seja diretamente relacionado a pautas que debatemos dia após dia, pois toda essa geração problemática que chamamos de millenials já estão crescidos e cientes da própria existência.
Abaixo, os 25 melhores álbuns de um 2019 que, felizmente adiantamos, fora dominado por mulheres que, assim como o boçal presidente do Grammy sugeriu, deveriam “se elevar”:
25
CAR SEAT HEADREST
“Commit Yourself Completely”
Numa época em que os álbuns ao vivo parecem estar em extinção, é sempre revigorante ver um lançamento do gênero. 2019 foi um bom ano nesse aspecto, contando com álbuns live de Beyoncé e Ariana Grande entre os nomes mais proeminentes do pop e com o primeiro disco ao vivo do Car Seat Headrest.
“Commit" Yourself Completely” é enxuto na tracklist, mas denso em cada faixa, sendo que a maior parte delas dura mais de 6 minutos. Will Toledo parece completamente à vontade, tanto vocal quanto instrumentalmente, ao tocar alguns dos melhores recortes de sua discografia sob o Car Seat Headrest, e acompanhado da banda ao vivo permite que suas músicas sejam flexionadas e expandidas, ganhando mais dinâmica, pungência e urgência. O fato de não ser apenas um show, mas um compilado de gravações ao vivo de diferentes datas, tira um pouco da imersão, mas não diminui a qualidade da obra, como todo, de forma alguma.
Bernardo Liz
24
Brittany howard
“Jaime”
O “Soul” sempre foi uma marca registrada do Alabama Shakes, mesmo que essencialmente modificado e recriado a própria imagem e estilo da banda americana para que, ao final de “Sound and Color”, apesar de evocar diversos traços de outros artistas, pudéssemos identificar com clareza que o primeiro LP da banda pertencia particularmente a eles.
Em Jamie, Brittany Howard transcende, individualmente, qualquer limite estabelecido por sua banda. Voltada para o experimentalismo, com uma mixagem pulsante, Brittany voa alto com seus arranjos, guitarras e sintetizadores, sem tirar o pé do chão com sua voz e composições.
“But I'm tired of this bullshit (give it to love)
And I wanna try (give it to love)
To do the best that I can (give it to love)” 13th Century Metal
Pietro Braga
23
Faye Webster
“Atlanta Millionaires Club”
O álbum, como formato, tem estado em voga na era do streaming. De tempos em tempos, aparece alguém questionando quanto ele ainda faz sentido no tempo das playlists e auto-mixes. Talvez, entre os diversos pontos que podem servir como validações do álbum, o mais proeminente seja a capacidade de reunir diversas músicas que criam, juntas, uma atmosfera, uma narrativa, uma vibe.
Faye Webster chega ao seu terceiro álbum de estúdio com um projeto que executa essa premissa com perfeição. “Atlanta Millionaires Club” une elementos do folk pop, do R&B, do country e do indie numa química perfeita. A artista consegue nos puxar para dentro de seu universo em Atlanta, nos dando pequenas notas sobre sua visão de mundo, e de si mesma, ao mesmo tempo em que cria uma sonoridade que aproxima o casual do fino, o plural do clássico. O clube de milionários de Atlanta parece um local onde qualquer um será bem recebido, desde que se entregue aos seus membros de coração e alma.
Bernardo Liz
22
Beyoncé
“HOMECOMING: THE LIVE ALBUM”
Se há algo que marcou a carreira de Beyoncé como artista é a sua habilidade extraterrestre performando. Após atingir seu peak musical em “Lemonade”, atravessando uma carreira lutando por empoderamento feminino e buscando a quebra de estigmas raciais tudo parece culminar em Homecoming, onde permeamos por todo repertório da cantora e podemos atestar da forma mais palpável possível a entidade que é Beyoncé Knowles.
A percussão, que toma conta da instrumentalização durante a maior parte do tempo cria essa atmosfera de puro êxtase, quase religiosa. Vocalmente Bey entrega nada menos que vários de seus desempenhos mais devotos e entusiasmados. Claro que entendemos que algo com proporções tão épicas só poderia vir de uma Rainha, mas ainda sim é inacreditável o quão fascinante é a experiência Homecoming.
Pietro Braga
21
Ariana grande
“thank u, next” – leia a crítica
É engraçado pensar que um dia, a personagem coadjuvante de um programa “musical” da Nickelodeon se tornaria a maior artista Pop da atualidade.
Thank U, Next trata-se de um álbum completamente introspectivo mas de maneira nenhuma dramático. Ariana faz de seu LP uma auto análise onde não vê problema nenhum em expor seus momentos de carência, tesão e de gratificação por seus relacionamentos passados. É nessa mistura de dinamismo e vulnerabilidade que o álbum cativa tanto, e mesmo contando com incontáveis colaborações na parte da produção e composições - o que contrasta um pouco com a sensação de intimidade que o projeto proporciona - Thank U, Next é o álbum mais coeso e memorável de Ariana, mostrando sua exponencial e crescente evolução desde “Yours Truly” e deixando espaço para ficarmos mais entusiasmados com o que está por vir - Alô, Jack Antonoff.
Pietro Braga
20
JULIA JACKLIN
“CRUSHING”
A perspectiva feminina do término não é mais o esteriótipo hollywoodiano. Julia cria um ambiente de julgamento para seu antigo cônjuge, e como o nome sugere: o final não é bonito para o moço. Alternando entre momentos de negação, raiva (muita raiva) e tristeza, o álbum é quase uma experiência em tempo real, todos nós que já passamos por um término doloroso sabemos dessas mudanças repentinas de estado de espirito.
Os arranjos majoritariamente acústicos trabalham de forma bem tradicional e já conhecida pelos fãs da compositora australiana, Jacklin apresenta aqui suas melhores canções já feitas até então.
Nicholas Mendes
19
lizzo
“CUZ I LOVE YOU”
Cuz I Love You é necessariamente um ponto de exclamação. Estruturalmente não tão coeso, de forma impressionante o álbum funciona como um conjunto de diversos singles justamente pelo contexto em que é inserido.
Lizzo é um ponto de exclamação contra o esteriótipo machista e preconceituoso perpetuado na sociedade em que vivemos e, em razão disso, a cantora se sente mais a vontade ao se expressar através da crueza de sua voz e da singularidade quase exclusiva de cada faixa ao invés de tentar construir uma narrativa linear sobre isso. Ela não quer contar nenhuma grande história que não esteja explícita na urgência de suas canções isoladas, ou seja, a grande história aqui é a própria Lizzo.
Ao tratar sobre empoderamento feminino e ao tocar em tópicos sobre amor próprio, Lizzo mistura o melhor do Pop e do Rap, dando vida a várias das maiores músicas do ano (Juice, Like a Girl, Truth Hurts), expondo exatamente quem ela é: Uma mulher que achou sua voz por completo e está completamente a vontade com isso, não seguindo nenhum padrão.
Pietro Braga
18
bon iver
“i,i” – leia a crítica
Coletivo, cada vez mais Vernon se esforça para encaixar o Bon Iver nesse rótulo, e lentamente trabalhou durante esses três anos de hiato para isso se tornar realidade, e a realidade é “i,i”.
De fato o disco mais coletivo do agora - coletivo - de arte Bon Iver, Justin Vernon dá dois passos atrás e entrega o protagonismo para o resto dos artistas inclusos nesse projeto.
Vernon trabalha mais como o ingrediente que cola as participações, os musicistas e a produção, todos trabalhando em volta das composições mais novas que Justin nos apresenta nesse projeto. Composições que vem se reinventando de forma inesperada, ou não tão inesperado, afinal, é Bon Iver, quem consegue prever?
Nicholas Mendes
17
emicida
“AmarElo”
Um dos grandes álbuns brasileiros dos últimos anos, “Amarelo” estaria no meu top 5 com certeza absoluta. Pontuado por referências riquíssimas da musica brasileira em geral, desde o samba à MPB ao melhor sample utilizado em 2019 (Belchior), “AmarElo” é um disco sobre sobrevivência, resistencia e união, mas, principalmente, pela coisa que permite que todas estas se juntem: o amor. E constatar o quão impressionante são as habilidades de Emicida como rapper é algo que não deveria mais ser necessário.
Marco Oliveira
16
SOLANGE
“When I Get Home”
Solange surpreendeu a todos em 2016, quando lançou “A Seat at the Table”: justamente no ano em que sua irmã, Beyoncé, lança seu disco mais aclamado até então (“Lemonade”), Solange chega com um álbum que é no mínimo, tão bom quanto a obra de Bey. Apesar de ter sido seu terceiro álbum de estúdio, foi o primeiro a ganhar grande reconhecimento e a apresentá-la como, potencialmente, uma das grandes artistas dos anos 2010.
O que era possibilidade foi confirmado em 2019, com “When I Get Home”. O último disco de Solange foi além, em todos os aspectos, em relação a “A Seat at the Table”. Com composições e performance igualmente competentes, esse disco busca alçar vôos mais altos em relação a conceito, narrativa e estética. Não há tentativa de hits aqui: há um projeto bem coeso e bem construído, que complementa e aprofunda diversos temas já abordados em “A Seat at the Table”. Nesse momento, é tudo que Solange precisa, e parece que ela sabe bem disso.
Bernardo Liz
15
Slauson malone
“A Quiet Farwell, 2016–2018”
Malone é um dos personagens mais interessantes acontecendo no cenário musical hoje em dia. A Quiet Farwell é um dos projetos mais curiosos e impressionantes do ano justamente pela sua inovação, Slauson da continuidade ao rap experimental já apresentado pelo seu ex grupo Standing on the Corner, mas com ainda mais ousadia. A produção é visceral, em partes até grotesca, crua, beirando o absurdo.
Slauson dá preferencia a texturas harmonicas do que melodias e ritmos, os samples de jazz se encarregam de ser o mediador entre as epifanias experimentais e as harmonias inteligíveis. É uma experiencia curta e necessária pra quem ama - música -, não canções ou melodias, mas música, som, texturas. Malone sabe muito bem o que está fazendo e o que representa, e esse é o projeto é o primeiro indicio do que vai acontecer nessa próxima década. A Quiet Farwell é um vislumbre de um futuro próximo.
Nicholas Mendes
14
Caroline polachek
“Pang!”
Ame ou odeie, os rótulos da música pop vieram pra ficar, e quase sempre nos dão uma imagem aproximada do que estamos por ouvir. Pang! reúne todos aqueles rótulos de butique: Art Pop? Pop Barroco? Chamber Pop? Confuso, mas Polachek entrega sim um projeto luxuoso e versátil, arranjos de mão cheia, maximalismo, harmonizam com produções mais magras, e com foco nas vozes. De um jeito ou de outro, Caroline entrega um projeto rico em ritmos, coeso e de muitíssimo bom gosto.
Nicholas Mendes
13
Little Simz
“GREY AREA”
Há algo de diferente no novo projeto de Little Simz de tudo que temos presente no Rap hoje. Ao optar por não se entregar a todas convencionalidades do gênero, a artista consegue achar o ponto médio entre experimentalismo e suavidade, criando uma das mixagens mais viscerais e hipinóticas do ano onde cada instrumento parece estar em seu devido lugar.
Mas esse não é o ponto focal do álbum - sim, inacreditável-. “Simbi”, como é apelidada, busca falar dessa “área cinza” que todos nós passamos ou vamos passar com um ímpeto e uma intensidade paralisantes. Essa transição pra vida adulta, onde nada é branco nem preto e também onde estamos nessa constante luta para achar algum tom é tomada pela narrativa e domada pelo flow estupefaciente da rapper que nos apresenta um dos projetos mais consistentes e reais do ano.
Pietro Braga
12
fLORIST
“EMILY ALONE” – leia a crítica
Tudo sobre a capa do projeto aqui já é bem elucidativo. O álbum leva o nome da banda Florist mas é composto, produzido, tocado e mixado por Emily Sprague. Não que sua vontade não fosse produzi-lo com sua banda, mas em razão de algumas questões impeditivas, a sensação de solidão da cantora foi intensificada e ela se deparou com o fato de ter que gravá-lo sozinha, dando vida então a “Emily Alone”.
Conceitualmente o LP trata sobre a imersão da cantora em seu próprio universo quando se viu sem ninguém. É um álbum sobre solidão, realizado de uma maneira solitária mas onde seu resultado final transcende tais pretextos. Definitivamente há paz aqui. Entre crises existências, admiração pelo agora, algumas colagens ambientais, melodias absolutamente lindas e letras extremamente reflexivas e vulneráveis, Emily consegue achá-la e transmiti-la, junto a sua dor, para quem estiver disposto a adentrar em um dos álbuns mais lindos e emotivos do ano.
Pietro Braga
11
Ana frango elétrico
“Eletric Chicken Heart”
Ana Frango Elétrico não iniciou sua carreira a muito tempo, embora seu segundo álbum possua maturidade o suficiente para dizer o contrário.
Se Ana se auto denomina propriamente uma artista de Rock (Como aparece em suas informações no Spotify), Eletric Chicken Heart não se cataloga de nenhuma maneira. É uma festa de gêneros - Samba, Rock, Pop, Forró - sons e sentimentos. É entre lindas melodias, belos arranjos de sopros e letras minimalistas mas que dizem muito que vamos nos acomodando dentro da cabeça da artista. A sensação saudosista ao melhor da música brasileira dos anos 60/70 ao mesmo tempo que nossos ouvidos indicam que estamos ouvindo algo completamente novo é extremamente recompensador e empolgante.
Pietro Braga
10
freddie gibs & madlib
“BANDANA”
Com a classe e bom humor usual, a dupla norte americana Freddie Gibbs & Madlib conseguiram novamente entregar um projeto de altíssima qualidade e inovação. O sucesso critico de Piñata em 2014 foi de certa forma inesperado, e pouco se esperava outro álbum em conjunto da dupla produtor/rapper.
Gibbs se apresenta na sua melhor forma, desde sempre, mais agressivo e maduro do que em projetos anteriores, uma evolução astronômica desde seu projeto de 2018. Já Madlib tira alguns coelhos da cartola, revelando alguns dias depois do lançamento do disco que produziu todas as beats do projeto em seu iPad, e o resultado, um aglomerado de samples de bom gosto e baterias agressivas. Bandana, no mínimo, atinge o nível de excelência do aclamado Piñata, com algumas surpresas agradáveis.
Nicholas Mendes
9
jamila woods
“LEGACY! LEGACY!”
Poucos artistas no mainstream do R&B conseguem entregar uma mensagem tão direta e de forma tão poética, aliás, isso é uma crítica geral ao gênero, que conforme vai se misturando mais e mais com o trap e o pop, vai perdendo credibilidade como obra de arte.
Mas Jamila agrada a todos em “Legacy! Legacy!” entrega letras sensíveis e de conteúdo relacionável, harmonias doces, e acordes de soul servem quase de background radio friendly para as mensagens certeiras da poeta americana. Assuntos delicados como ascendência negra, feminismo negro e identidade negra, flutuam perfeitamente com assuntos do cotidiano.
Nicholas Mendes
8
Angel olsen
“All Mirrors” – leia a crítica
A troca de rumo sonoro de um artista raramente vai funcionar se não for pensada com cuidado, com indícios, influencias, é algo que exige cuidado. Angel e John Congleton simplesmente atropelaram o cuidado, e com o single “Lark” deram o primeiro e único indicio que All Mirrors não seria um álbum de rock.
All Mirrors é matemático, funciona de forma gradual, sempre escalando emocionalmente e adicionando cordas e sopros conforme a tracklist corre. O terço final do disco também carrega o ápice afetivo do projeto, a aura revolta do segundo terço dá lugar a melancolia, tristeza e rapidamente, esperança; terminando num tom agridoce. Palavra que pode muito bem definir o projeto em sua forma mais plena.
Nicholas Mendes
7
Billie Eilish
“WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” – leia a crítica
Billie Eilish é a definição da prima que você não queria ter.
Talentosa a ponto de se tornar uma das maiores artistas do planeta antes de poder comprar bebida no bar da esquina, Eilish tem em sua estreia um album maduro e bem resolvido sobre ser imatura e mal resolvida, seja com suas questões amorosas, sociais ou, principalmente, quanto aos demônios que vivem dentro dela e de tantos outros jovens que nada podem fazer se não deixar-los livres sempre que a batida de “Bad Guy” começa para, depois, chorar abraçados ao som de “When the Party’s Over”. Que menina.
Marco Oliveira
6
james blake
“Assume Form” – leia a crítica
Em sua primeira mudança radical de abordagem, James experimenta com o mainstream, testando e explorando sua capacidade de criatividade popular, ao lado de um arsenal de artistas consolidados nessa arte, o jovem produtor Metro Boomin e Travis Scott solidificam a composição introspectiva Mile High em uma canção de trap, ponto final.
Mas no final das contas, as ótimas aparições de Rosalía, Moses Sumney e Andre 3000 são detalhes importantes, não roubando o protagonismo das composições e arranjos de James, que estão de entendimento mais fácil, mas sem perder a riqueza harmônica que é característica de Blake desde a década passada.
Assume Form é rico em sonoridades, texturas e ritmos; versátil, ao mesmo tempo que funciona para o ouvinte casual, também funciona para o ouvinte assíduo. É o primeiro passo de um novo nascimento para carreira de James Blake, e esse projeto comprova que o futuro é promissor.
Nicholas Mendes
5
Lingua ignota
“CALIGULA”
Esse álbum deveria vir com um aviso na capa, algum disclaimer: não adequado para todos os ouvintes.
Você gosta de música? Essa pergunta é um pouco capciosa. Você pode gostar de música no geral, música para cantar, para dançar, para chorar ou para se apaixonar. Contudo, “CALIGULA”, segundo álbum de Lingua Ignota, é uma audição adequada somente ao ouvido de quem gosta de música como forma de arte. É um disco que está para a música como alguns filmes de terror experimental estão para o restante do cinema.
Abuso, trauma, pânico, desespero, dor, ódio, vingança. Esses temas são traduzidos em faixas densas, pesadas, longas e em alguns momentos, aterrorizantes. Há recortes de “CALIGULA” que literalmente soam como um passeio pelo inferno. A performance vocal de Kristin Hayter é tecnicamente impressionante e artisticamente sufocante, a instrumentação e o arranjo vão além do noise e do industrial. A união de elementos do baroque, do experimental, do extreme music e de outras gamas que vão da ópera ao eletrônico, permite com que a artista construa um álbum que soa instantaneamente atemporal, e instantaneamente, um clássico.
Num mundo em que criar e produzir música nunca foi tão acessível, em alguns momentos pode parecer que o que se produz é uma nuvem de repetição: mais do mesmo, sempre. É uma vitória que existam artistas como Kristin, cujo objetivo é continuar empurrando as barreiras da música como arte, e produzindo obras como “CALIGULA”: um álbum que eu não tenho vontade de escutar, mas que não vou esquecer.
Bernardo Liz
4
FKA TWIGS
“MAGDALENE”
A vida é cheia de limões. Alguns mais azedos que os outros, e eles nunca deixam de chegar. O que se faz com os limões talvez seja uma das grandes questões da vida. Uma limonada, uma caipirinha, um chá? Após uma grande crise no casamento, Beyoncé produziu uma obra-prima com “Lemonade”. FKA twigs reúne em “MAGDALENE” toda dor, o sofrimento, a depressão e o tortuoso pelo qual passou nos últimos anos, e simplesmente faz dos limões, da própria dor, os medicamentos para suas feridas.
A britânica construiu com apenas um álbum e uma porção de EP’s uma reputação e tanto ao longo dos anos 2010. Sua voz tem personalidade, seus arranjos são exploratórios e dinâmicos, o conjunto de sua obra é constantemente vanguardista. Seu segundo disco opta pela precisão, pela assertividade, pelo minimalismo com profundidade. “MAGDALENE” tem apenas 9 faixas, e ao longo da tracklist, Tahliah Barnett nos leva pela mão por cada canto de seu coração partido. Das frestas de luz aos escombros em breu, ela não exagera nas palavras, nem em nada. Assim, consegue construir um álbum que pode ser chamado de pop em termos gerais, mas que existe em sua própria realidade sonora acima de tudo. As influências de Janelle Monáe, Massive Attack, Björk, Erykah Badu e Kate Bush não são mais muleta, mas apenas referências que enriquecem seu trabalho, tanto lírico quanto musical.
“MAGDALENE” é um disco como poucos. Talvez não seja grandioso, nem épico, mas permite uma conexão íntima e profunda entre o sentimento da artista e do ouvinte. Enquanto FKA twigs mergulha com suas músicas em um mar de sentimento, do luto à ansiedade, da euforia à culpa, da depressão ao expurgo, estamos convidados ao mergulho. De alguma forma, mergulhar no azedo dos limões da vida, parece ser a única forma de cicatrizar as feridas.
Bernardo Liz
3
LANA DEL REY
“Norman Fucking Rockwell!” – leia a crítica
Após 4 álbuns de estúdio, que foram do baroque pop ao rock, do intimista ao trap, ficou impossível premeditar para onde iria Lana Del Rey em seu novo trabalho. “Lust for Life” certamente teve uma porção de ótimas músicas, mas foi um projeto sem unidade artística, com alguns flertes forçados com um som radio-friendly. O que faz sentido após a recepção morna, inclusive por parte dos fãs, ao disco “Honeymoon”, onde não faltou coesão.
Após mais de um ano lançando singles, sem uma ordem particular, a expectativa em volta de seu quinto álbum foi crescendo, pois não havia sequer um single mediano: todas as músicas que a cantora vinha apresentando, eram boas, ou ótimas. “Norman Fucking Rockwell!” foi lançado, então, e imediatamente ficou claro que esse era o álbum que Lana Del Rey sempre esteve destinada a fazer. O fato de ser o quinto de sua discografia dá a cantora ainda maior mérito, pois seu amadurecimento como cantora, compositora e produtora ao longo da década é extremamente perceptível. Principalmente aqui, em seu primeiro trabalho que pode se candidatar ao título de obra-prima.
Todas as virtudes de Elizabeth Grant estão no ponto certo em “NFR!”. Existem diversas frases e trechos de letras que vão marcar nosso tempo nesse disco, e isso não acontece somente com boas letras: se trata também da diversidade de temas que, juntos, criam uma narrativa rica sobre perda, nostalgia, o bom e o ruim do mundo no qual vivemos. Lana sempre teve esses temas presentes em suas canções, mas nunca com tamanha concisão, qualidade e foco. Também sempre teve uma sonoridade muito autêntica de baroque pop, mas nunca tão corajosa quanto aqui, onde é executada com perfeição, num trabalho de produção musical que deixa em evidência quão meticulosos ela e Jack Antonoff foram.
Pela primeira vez, o mundo de Lana parece 100% dela. É um privilégio que ela tenha nos permitido estar a bordo dessa viagem.
Bernardo Liz
2
weyes blood
“Titanic Rising” – leia a crítica
Há algo de muito nostálgico e familiar nas dez músicas que compõem Titanic Rising. Talvez sejam os timbres acústicos moldados quase na fórmula da Parlophone nos anos 60, talvez sejam as composições da vocalista e compositora, Natalie Mering, que lembram Brian Wilson, Joni Mitchel e Carole King, respectivamente, em cada verso de cada música.
Mas antes de culpar o saudosismo, como a Sub Pop Records consegue emular esse sentimento de forma tão genuína e original? Olhando o currículo de projetos da gravadora nos últimos anos é realmente impressionante a capacidade de projetar o passado, se adequando aos tempos atuais, claro, as televisões não são mais tubos gigantes, e as gravações com fitas não são mais necessárias.
Com processamento digital de áudio, emular o passado fica cada vez mais complicado, mas a intenção de Natalie não é reinventar a roda, como fica claro nos seus projetos anteriores, a sonoridade lembra muito a sonoridade de seus contemporâneos.
Mas de novo, esse é o seu primeiro projeto sob o contrato da Sub Pop, e é ai que a gente consegue vislumbrar o porque do constante sentimento de nostalgia, é intrínseco da gravadora, que conta com Father John Misty, Beach House, Low e a série animada Rick and Morty em seu catálogo de artistas, todos tem um pé no passado e o outro na inovação e experimentação.
Movies, o primeiro single de divulgação de Titanic Rising é um ótimo exemplo desse efeito aplicado, o arpejo de sintetizadores é familiar, mas o processamento de voz, de texturas harmônicas e a mixagem claramente são contextuais a década de vivemos.
O mundo está acabando, os combustíveis fosseis vão acabar, o nível do mar vai subir monstruosamente, tudo isso num intervalo de 20 a 30 anos. Natalie nos sugere, abrir uma cerveja, relaxar, e tomar o protagonismo de nossos próprios filmes, aproveitando o tempo apocalíptico que vivemos, afinal de contas, quantas outras gerações vão ter a chance de ver o mundo acabando na frente de seus olhos?
Nicholas Mendes
1
tyler, the creator
“IGOR” – leia a crítica
Ao chegarmos ao fim de 2019, Igor não foi um álbum que eu tenha revisitado muito, o que acaba sendo uma ironia, pois no que tange a área musical do OutraHora, foi o segundo projeto que reconhecemos como um “10” em nosso catálogo de críticas.
O motivo é simples. De forma curta e direta, IGOR é uma obra prima, mas há algo sobre sua narrativa, assim como diversos outros álbuns - 808 & Heartbreak é um exemplo - que não nos permite saturá-la. É uma história de amor das mais vastas e lindas, cheias de camadas, autos e baixos e onde a magnitude e o expressionismo das composições tomam o lugar do Rap, criando um projeto mais cantado. Aliás, as Rimas de Tyler são extremamente pontuais aqui, somente deliberadas quando realmente necessárias.
Enfim, obras primas devem ser cultivadas com cuidado e apreço, até porque elas transcendem o simples fator auditivo que algumas músicas podem oferecer. Há certos álbuns que estimulam ao máximo a nossa imaginação e emoções, a ponto de quase se tornarem visuais. Os arranjos de IGOR podem ser vistos como uma linda bagunça, única e singular, extremamente bem mixadas que criam essa grande história de amor e essa atmosfera auto condescendente, dívida em 12 faixas .
E é por esses e muitos outros motivos que eu sinto vontade em falar sobre IGOR, desde sua capa até sua estética e seus pianos, sintetizadores e coros, porém, não sinto vontade de ouvi-lo hoje, apesar de lembrar acorde por acorde e todas melodias de suas faixas. Não tenho vontade de ouvir “EARFQUAKE” até me sentir apaixonado novamente, “PUPPET” enquanto não me sentir completamente entregue e vulnerável a alguém ou “A BOY IS A GUN” enquanto não me sentir em perigo por essa entrega ou, pelo menos, não estiver na vibe para apenas lembrar das vezes em que senti isso.
Tyler não fez um álbum comercial e sabe disso. Fez um álbum complexo e ao mesmo tempo simples, particular mas ao mesmo tempo relacionável sobre amor, transcrita sob a forma universalmente conhecida de como relacionamentos funcionam - conhecer, se apaixonar, inseguranças, perda, negação e o, por vezes amargo, por vezes libertador, “ainda podemos ser amigos” - pelos olhos de sim, agora um dos maiores e mais criativos artistas estabelecidos desta geração.
Pietro Braga