Crítica | Angel Olsen - All Mirrors
Finalmente, o ponto de não retorno chegou para uma de nossas artistas independentes favoritas, Angel Olsen, depois de tantos projetos silenciosamente aclamados, de tantas musicas caprichadas e cantadas a plenos pulmões por seu fiel público, que vai ter que se acostumar com a ideia de dividir Olsen com o mundo, pois “All Mirrors” é um projeto a parte; completo, ambicioso e singular.
Uma das maiores virtudes de um compositor, se não a maior, é a versatilidade: a capacidade de trabalhar entre as linhas dos gêneros musicais é um diferencial ímpar na indústria hoje em dia. Olsen já se provou ser polivalente, a sonoridade folk tradicional de seus primeiros EPs e álbuns é completamente diferente do rock vintage refinado de “My Woman”, de 2016; e completamente distinto do pop barroco cinemático de “All Mirrors”.
Há tempos não via tamanho salto de ambição de um projeto a outro, as cordas dominam o disco em sua totalidade, assim como deveria! A fundação esquelética das musicas de Olsen encontram em arranjos obscuros de orquestra, sopros e levadas delicadas de jazz, seus acompanhantes perfeitos.
“My Woman”, seu antecessor, é uma viagem de carro, com seu parceiro, no auge dos dias felizes de sua relação monogâmica. Verão, praia, noites em claro com excesso de álcool e muita intensidade jovial. “All Mirrors”, é a volta, dessa vez não acompanhado, de um cruzeiro em alto mar, uma viagem soturna e existencialista. Em cada música uma reflexão nova, uma memória nova, mais um detalhe que a mente resgata, que você acha que deixou passar, e novamente, uma reflexão para decidir se esse detalhe é mesmo importante
A mensagem é clara, em todas as músicas, não deixe aquele relacionamento, claramente desgastado, voltar e deteriorar mais ainda. Angel conta a história de um relacionamento de longo termo, falido e manchado depois de um grande número de ultimatos. Uma temática tão rasa, tão comum; mas como disse, narrada em um cruzeiro sombrio, depois de um grande término, viagem assistencial, banhada a vinho seco e demorados banhos de espuma.
O arranjo de cordas da música de abertura, “Lark”, vem e vão como ondas, deixando o ouvinte intrigado e de certa forma, até desconfortável, a estrutura esquelética conta com uma guitarra magra e um baixo mínimo. A automação de volume cresce gradualmente, e rapidamente o pico de volume dá lugar a calmaria da sessão de cordas novamente, e depois do espetáculo dos violinos, novamente dá lugar ao caos.
“Lark” é a maior música do álbum, mas não deixe se enganar por ela; o álbum é muito mais dinâmico e conta com muito mais recursos do que o apresentado na primeira faixa; mas que de forma alguma perde em qualidade pra nenhuma das faixas seguintes. A faixa título lembra de forma comedida, a sonoridade apresentada em “My Woman”, os sintetizadores e o efeito característico na voz já apareceram muitas vezes antes; em certo momento, na reta final, os dois se fundem, e chegam até a se confundir na mixagem; e ah, também há outra exibição de violinos... Se acostumem, a mulher simplesmente incorporou essa estética.
Alguns momentos mais doces tornam essa viagem sombria um pouco mais leve e não tão enlouquecedora: “Too Easy” e “Spring” conservam sua harmonia adocicada, mas dessa vez sem tantos acompanhamentos, e com momentos confusos (o estranho solo micro tonal em “Spring”, por exemplo), como uma espécie de memória afetiva que ainda dói, e de tanto ser repetida, não se diferencia mais realidade do imaginário.
Se o lado A é uma experiencia muito agradável e agridoce, o lado B é uma experiencia a parte: significativamente mais denso, lento e bonito. Impasse abre o lado B, os vocais de Angel são praticamente submergidos pelo arranjo de cordas, e pela mixagem grave da bateria; e de repente explode, como se fosse uma música de post-punk, sem aviso prévio, e encerra com os resquícios da explosão.
O melhor está por vir: a reta final do projeto guarda umas das melhores composições de Angel até o dia de hoje. As cordas de “Tonight” parecem virar macios cobertores para uma triste noite dormindo no deck do navio, ouvindo a banda tocar de longe. A música soa como um desabafo, e é! Marca um ponto novo no álbum daqui para a frente.
Com um clima pesado de encerramento, a voz de Angel nos acorda do silêncio em “Endgame”, uma progressão de acordes perfeita, e um arranjo com clima de despedida, que combina com a melancólica letra. Seria o encerramento perfeito! Se Chance não fosse o encerramento perfeito...
A última música do projeto é a melhor música do projeto, e quiçá a melhor música do ano. Um quê de Nina Simone na composição, com um arranjo moderno e de bom gosto, a escolha perfeita de instrumentos, a melodia, e as escolhas de mixagem, fazem dessa música a ápice emocional do disco.
E pra fechar com chave de ouro, meu momento favorito do disco, onde a faixa de voz, anteriormente em mono e colada no instrumental, se separa e toma o protagonismo da música, e do álbum, como não aconteceria em nenhum momento. Olsen canta sobre finalmente, conseguir se enxergar tomando as rédeas da própria vida, enquanto toma o papel principal na última canção. Depois da passagem instrumental, Angel quase cochicha as ultimas frases da música, que são fortes o suficiente para abastecer o resto da passagem instrumental que encerra o álbum (e adivinhem... violinos!)