Beyond | Redescobrindo O Melhor Harry Potter

Talvez a pior coisa sobre crescer seja que você não vê mais as coisas do mesmo jeito.

Filmes que antes amava e assistia infinitas vezes sem cansar ou enjoar, agora, sobre as lentes cansadas da idade adulta e treinadas por ter assistido à dezenas, talvez centenas de outras obras, começam a empalidecer quando re-examinados, com a nostalgia sendo o único fator que o impede de deixar de apreciá-los por completo.

Porém, as vezes, por conta dos mesmos motivos expressos no parágrafo acima, é possível re-assistir à um destes filmes com estes novos olhos e, de repente, perceber que está descobrindo uma obra totalmente nova que, quando criança, não lhe estava disponível.

Foi essa a experiência que tive ao revisitar o meu favorito da saga adaptada dos livros de J.K. Rowling, porém, desta vez, me desafiando a não apenas gostar do filme na milésima vez que o assistia, mas a entender o porquê de ter, desde criança, sempre considerado este o melhor exemplar dos oito filmes de “Harry Potter”. Relembrando, também, que melhor e favorito são adjetivos que podem, mas não precisam andar juntos.

Neste Beyond, que também tem um pouco de nosso outro quadro Filmes Para Toda Hora, procuro analisar os elementos que tornam “Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban” um filme tão especial para mim e para tantos fãs e logo aviso que, caso não tenha assistido ao longa (ou à série como um todo), saia da caverna e tire os 15 anos de atraso, pois haverão spoilers.


Mas, antes de chegarmos à análise propriamente dita, a burocracia:

Chris Columbus é um cineasta competente e consciente.

Competente por conseguir trabalhar com eficiência obras voltadas para o público infantil e consciente por saber que este é o seu forte. Responsável pelo clássico natalino “Esqueceram de Mim” e por escrever os clássicos infantis “Gremlins” e “Goonies”, Columbus fez um nome em Hollywood graças à suas habilidades com este tipo de história. Por isso, fora escolhido para adaptar os dois primeiros livros de J.K. Rowling para os cinemas, resultando nos belos e inocentes “A Pedra Filosofal” e “A Câmara Secreta” que, além de apresentar para um público ainda maior o maravilhoso mundo do jovem bruxo, iniciou a franquia com os dois pés direitos.

Ainda assim, muito se falava na época (e eu era pequeno para saber disso, mas ao estudar sobre o período se sabe) que ele não seria o nome ideal para abordar o terceiro livro, mais sombrio e adulto que seus antecessores e, praticamente, um divisor de águas na série. Columbus então optou, por razões familiares, em passar a atuar como produtor e não diretor, e após nomes como Guillermo Del Toro (interessante) e M. Night Shyamalan (graças!) recusarem o trabalho, Alfonso Cuarón foi designado para a tarefa para o agrado de Rowling e talvez surpresa de muitos fãs, pois a filmografia de Cuarón, até então, não sugeria que ele fosse o nome certo.

E se é estranho que eu tenha passado dois parágrafos discutindo, apenas, fatos que qualquer um pode checar na Wikipedia (e não costumo fazer isso) é porque o cineasta mexicano viria a se tornar não o principal responsável pela franquia (David Yates assumiria o posto), mas aquele responsável pelo melhor capítulo em oito ótimos filmes.

Transformando “O Prisioneiro de Azkaban” em uma obra que merece uma análise extensa.

Agora, converso.


Como dito antes, este “O Prisioneiro de Azkaban” é sim um divisor de águas da série, mas não apenas por ter uma mudança considerável de tom e de abordagem, antes infantil mesmo quando lidando com histórias complexas e consideravelmente assustadoras, agora pronto para imprimir neste mundo a dor e sofrimento presentes na jornada de Harry. O que começa a acontecer já neste terceiro filme, e toma forma concreta no quarto, é o fato de Harry, Rony e Hermione estarem adolescendo e, com isso, se dando conta do tamanho das responsabilidades que têm em mãos. Eles por escolha e devoção ao amigo, ele por ser o escolhido, elemento que também seria mais aprofundado futuramente e começou a ser destrinchado aqui.

Logo, é genial a forma como Cuarón inicia o filme. Uma simples cena, onde Harry brinca com sua varinha mágica embaixo do cobertor que, à primeira vista, apenas demonstra o descobrimento de suas próprias habilidades mágicas, mas manda uma mensagem subliminar para aqueles espectadores que já passaram pela puberdade e podem, agora, entender que aquilo é uma alusão para algo que todos fazíamos. Há, claro, outros indícios, como as rápidas tomadas onde Rony e Hermione começam a desabrochar seus sentimentos um pelo outro, ou a forma cômica como ele dramatiza o machucado na perna para que ela sinta pena - confesso que uso o “eles vão ter que amputar” com frequência até hoje -, ou até os momentos de descontração entre Harry e seus colegas de quarto. Na época, quando seus iguais, assistir aquilo era como ver uma representação - mais mágica, claro - de nossas próprias vidas. Hoje, é como olhar para trás e lamentar por não termos um vira tempo.

O que me leva a outro comentário que deve ser feito sobre a obra de Rowling como um todo, antes de abordar uma linha mais cronológica na análise. Mesmo após dois filmes onde fomos apresentados e imergidos naquele mundo magnífico, as pequenas coisas ainda são capazes de não apenas encher os olhos, mas enriquecer a nossa experiência. Graças ao impecável design de produção e o excelente trabalho dos efeitos especiais podemos ver, em uma cena onde dois personagens conversam, objetos flutuando pela sala; em outra, cadeiras voltando para seus lugares sozinhas; em outra, todas as pinturas reagindo à uma mesma ação e se aglomerando em molduras centrais. Momentos absolutamente triviais e que, inteligentemente, não requerem close-ups ou enfoques artificiais. Cuarón, assim como Columbus e os que vieram depois, sabe que estes filmes funcionam por, apesar de serem fantásticos, soarem reais e nada mais justo que seus personagens interagirem com estas coisas tão comuns para eles com naturalidade. Um mérito gigantesco tanto do elenco como da direção - e que abordarei mais vezes neste texto.

Voltando a trama, mas ainda mais importante do que esta, é como Cuarón decide abordá-la. Pois se em ambos os longas anteriores já havia um quê de filme de terror (seres encapuzados, cachorros de três cabeças, vozes do além, aranhas gigantes, etc) que permeava os cantos mal iluminados de Hogwarts, aqui o cineasta emula diversos elementos comuns do gênero em função de amplificar a emoção dominante no núcleo principal da história: o suspense. Pois apesar de ainda ser um filme de fantasia, de nunca ser pesado demais para os espectadores mais jovens e, além disso, ter uma história menos “aterrorizante” que um Basilisco capaz de matar alunos com o olhar, o que move a narrativa de “O Prisioneiro de Azkaban” é justamente o perigo construído acerca do homem que dá título ao filme, ao passo que somos apresentados, também, às criaturas mais vis deste universo nos Dementadores. Nesse sentido, o longa é um perfeito exemplo de antecipação, seja por diálogos, seja pelo seu simbolismo, seja por ações menos notáveis à primeira vista.

Por exemplo: os esforços de Harry para enfrentar seu medo por Dementadores - símbolos do próprio medo - não apenas engrandecem o perigo que estes seres trazem - “não é da natureza de um Dementador… perdoar” -, mas sim o de um homem que, capaz de escapar deles e movimentar um exército para irem atrás dele, oferece ainda mais riscos à Harry.

E Cuarón é capaz de infundir este tom sombrio desde o início, pois por mais que as divertidas (e eficazes) cenas envolvendo sua tia, o absurdo Night Bus e o fascinante Livro dos Monstros sejam quase alusões à leveza dos antecessores, elas surgem como um sanduíche de outra, capaz de fazer crianças se perguntarem se entraram na sessão correta (há 15 anos atrás, claro), quando Harry é confrontado pelo Sinistro em um parquinho infantil vazio. O balanço se mexe sozinho e o vento chacoalha as folhas das árvores, como um presságio de que algo ruim está para chegar. Cena que, de certa forma, é semelhante a sequência de Harry no Beco Diagonal em “A Câmara Secreta”, porém com uma paleta de cores ainda mais escura e uma atmosfera ainda mais sombria.

A fotografia de Michael Seresin, diga-se, é um deleite para os olhos durante toda a projeção, dando tons achocolatados elegantes que reforçam a reconstrução de época para as cenas internas - desde a inicial na casa dos Dursley, como nas já conhecidas, mas ampliadas, locações de Hogwarts e na adorável Hogsmeade - e mostrando a exuberância das tomadas externas sem nunca deixar de lado as cores frias e levemente azuladas, adotadas como simbolismo pela narrativa.

Aliando tanto a bela fotografia, como a habilidade de Cuarón em comandar planos sequência perfeitamente coreografados - e com a dose certa de elementos mágicos flutuando aqui e ali -, vemos o momento onde a ligação entre Harry e Sirius é estabelecida quando o Sr. Weasley o chama para uma conversa no canto mais escuro do bar onde, por tudo menos coincidência, ambos se posicionam cada vez mais em meio as sombras do local até que chegam na última viga, onde um dos cartazes com a foto de Sirius está perfeitamente dividido entre sombras e luz. Sua presença já pode ser sentida, tanto pela apreensão com que todos falam sobre ele, como graças à estas rimas visuais que o transformam em uma figura ambígua. Mas, ainda assim, a resposta de Harry à promessa que o Sr. Weasley o pede para fazer continua sendo um dos momentos mais arrepiantes do longa, ao passo que também acena para nosso conhecimento prévio da personalidade dos Potter: eles gostam de coisas que podem matá-los.

A cena pode ser vista abaixo:

Também se mostrando um exemplo de edição, é praticamente um presente para os que já conhecem a obra o fato de, logo após esta cena, termos um corte aparentemente abrupto - mas friamente calculado - para o Perebas de Rony. Afinal, é ele quem realmente quer matar Harry.

O que nos leva à sequência que apresenta os Dementadores que, saída diretamente de um filme de terror, tem direito ao famoso plano da mão (de Rony) na janela e a já icônica cena da porta sendo aberta com apenas um aceno macabro da mão da criatura. Méritos para Rowling por utilizar justo deste momento, tão evocativo, para introduzir Lupin que, por sua vez, já é um personagem de filmes clássicos do gênero. E percebam como o figurino, e a própria forma com que Cuarón aborda o personagem, o remetem aos clássicos anti-heróis do noir, com um grande sobretudo e dono de habilidades obscuras, além de cicatrizes que reforçam seu tom misterioso. O noir, inclusive, é outra rima visual recorrente, principalmente quando Harry chega em Hogwarts, onde sua solidão começa a ser destacada, como nos belíssimos planos sequência que vão dos pátios do castelo, passam por relógios (que destacam o papel do tempo da narrativa) até janelas onde ele observa, sozinho, seus amigos fazendo passeios os quais não pode, ou no engraçado momento quando todos os alunos dão um passo atrás, o isolando a frente.

E Lupin tem, também, papel essencial na construção do personagem de Harry. Ele é seu Yoda, pois se Sírius e seu pai não puderam estar a seu lado para ensinamentos, David Thewlis evoca com carisma e afeto a relação que ambos teriam com Harry, sendo fundamental também em ensiná-lo o feitiço do Patronum. Mas, mais importante, em fazê-lo resgatar memórias que nem sabe se realmente existem, mas que são capazes de fazê-lo encarar seus medos, outro tema recorrente que abordarei mais a frente.

Extremamente hábil em trabalhar os saltos de tempo da narrativa, Cuarón aplica à praticamente todas estas transições planos sequência similares, como um onde Edwiges sai voando do outono para a paisagem coberta de neve do inverno e outro envolvendo um passarinho carinhosamente esmagado pelo salgueiro lutador. Há, também, outros mais subjetivos, como aquele onde os passos invisíveis de Harry na neve o levam ao Mapa do Maroto, talvez o McGuffin mais divertido e bem pensado desde a maleta de “Pulp Fiction”. Pois se o mesmo inicialmente parece apenas uma forma divertida de stalkear a vida alheia (e uma ótima forma de apresentar os créditos finais), é graças a ele que temos um dos momentos mais tensos, quando Harry cruza com Peter Pettigrew no corredor escuro. O diretor é eficaz, também, ao conduzir tomadas em movimento que dão um dinamismo ainda maior à narrativa e que exploram o ambiente sem a necessidade de cortes, fazendo com que você descubra conteúdos antes escondidos em cada cenário com travelings reveladores e tornando estes (os cortes) em elementos de continuidade e conexão orgânica entre as cenas.

Notem, por exemplo, a cena de apresentação do novo Dumbledore - Michael Gambon fora certeiro em não tentar imitar Richard Harris - que, além de trazer uma das frases mais marcantes de um personagem - e um filme - cheio destas, é um exemplo de edição e ritmo, com cada uma das tomadas sendo rodadas em movimento e finalizando no sútil, mas simbolicamente implacável, gesto do mago em ascender uma vela com a mão, algo que não apenas nos relembra de suas habilidades, mas dita o tema central do longa.

Pois se “O Prisioneiro de Azkaban” tem várias mensagens valiosas sobre justiça, verdade, lealdade ou a falta de cada uma destas, a mais valorosa é aquela que Harry tem de absorver para poder suceder em sua impossível missão ao final destes filmes: a que você tem de enfrentar seus medos.

E talvez a cena que melhor exemplifique isto seja a do bicho papão (não é óbvio?).

Começando leve e divertida - a observação de Lupin para que não usem as varinhas ao pronunciar o feitiço confere ainda mais sabedoria e naturalidade àquele personagem -, logo vemos um emaranhado de terrores comuns da maioria dos seres humanos (aranhas, cobras, palhaços, Snape) serem ridicularizados - e prestem atenção no cuidado dos efeitos especiais em dar sombras e reflexos à estas criaturas no chão abaixo de si. Mas Harry não é capaz, ainda, de lidar com o seu maior medo, e vale lembrar da semelhança entre os Dementadores e o Lord Voldemort da floresta no primeiro filme. Cuarón, mais uma vez cirúrgico, ainda aplica um inexplicavelmente bem filmado plano sequência onde entramos na imagem do espelho e a mesma se torna a imagem principal, aludindo a como precisamos olhar para dentro de nós mesmos para, novamente, combater nossos maiores temores.

Já o trono de melhor cena do filme pertence ao clássico momento, presente em todos os exemplares da saga, onde vemos o olhar de Harry maravilhado com a magia. Neste filme este momento é quando, após montar no magnífico hipogrifo - que é minha criatura favorita deste universo -, Harry abre os braços e esquece, por alguns segundos, todos os perigos a sua volta e se entrega a algo que é constantemente privado durante sua adolescência: o simples ato de aproveitar uma vida que nunca sonhara ser possível. Curiosamente esta sempre foi minha cena favorita não apenas neste, mas em todos os filmes, e hoje acho que posso tentar explicar o porquê:

Começando com uma trilha centrada em torno de tambores tribais que conferem tanto excitação como apreensão, a música de John Williams (não sei como ainda não falei dele neste texto…) evolui então para um crescente de cordas que evoluem em um dos temas principais do personagem, orquestrado pelo compositor com toda a grandiosidade e magia presentes no momento que, perfeitamente mixadas à voz de Harry, tornam seus próprios “woohoo” em elementos indispensáveis da composição.

Já a composição visual é executada, novamente, com brilhantismo por Cuarón, que além de abrir a câmera para que vejamos os céus nublados com um feixe de luz do sol iluminando, justa e sutilmente, Harry e Bicuço, também enfoca em plano detalhe o simples ato da criatura de raspar o pé na água enquanto voa. E por que? Porque aquele animal, feito digitalmente, é tão vivo como o mundo a qual pertence e se ele sente prazer ao raspar suas patas na água, porque não mostrar isso na tela? E então temos a entrega de Daniel Radcliffe ao papel que, se não poderia viver o mesmo mundo de magia de seu personagem, foi de longe a criança que mais passou perto disso.

É uma cena construída milimetricamente, desde seus elementos mais visíveis aos mais subjetivos e que pode ser assistida abaixo:

No entanto, é curioso apontar como, mesmo nestes momentos onde vemos apenas o lado bom da magia, somos arrastados de volta à seu lado sombrio, graças ao roteiro perfeitamente bem amarrado de Steve Kloves que facilita - e muito - o trabalho de Cuarón em criar conexões naturais e lógicas para cada sequência no longa. Logo após voar com Harry, por exemplo, Bicuço ataca Malfoy, o que acarretaria em sua “execução”, neste que acaba sendo meu único apontamento “negativo” (e grifo esta palavra de todas as formas disponíveis pela plataforma na qual escrevo): não importa o quanto se tente, é impossível tratar uma trama sobre viagem no tempo sem que ocorram momentos ilógicos (o popular furo), por mais que o filme se esforce ao máximo para impedi-los.

Mas há, também, um lado positivo - ou argumentativo, se preferirem - deste apontamento “negativo” (de novo): é um filme sobre magia e nem tudo - se alguma coisa - precisa fazer sentido. Além do mais, o único problema realmente grave está não na narrativa ou continuidade dos acontecimentos envolvendo a salvação de Bicuço e de Sirius, mas na tomada onde o trio assiste à execução que nunca aconteceu da criatura alada com tristeza e pesar. E, para piorar, logo após isso temos uma quebra no momento fúnebre com uma rara imprecisão da trilha, que torna a perseguição de Rony a Perebas (que narrativamente não tem nada de errado) em um momento cômico, seguido pela tensão provocada pelo Sinistro e mais uma quebra humorística envolvendo o salgueiro lutador.

Mas voltemos à minuciosa construção da figura de Sirius e de Lupin, sendo que é aqui que “O Prisioneiro de Azkaban” prega sua maior peça nos espectadores ao revelar as identidades de ambos: o presságio de morte é, também, o homem que pode estar em todo o lugar e que, assim como fumaça, não pode ser pego (preciso destacar o menino gordinho que tem papel de profeta do apocalipse, aonde ele foi parar?). Já o mentor é, além de seu melhor amigo, um semelhante do mundo animal: um lobisomem. E é incrível que, por mais que o roteiro jogue as identidades de ambos na nossa cara - aulas sobre lobisomens, os arranhões no rosto de Lupin - a reação da maioria é de surpresa e incredulidade ao presenciar o único plot twist presente em qualquer filme de “Harry Potter”.

A forma como estas reviravoltas são apresentadas também contribuem para sua eficácia: um traveling vertical revela Sirius parado atrás da porta (que range como em um filme de terror), enquanto Lupin surge sorrateiramente ao fundo da cena naquela casa mal assombrada. Os dois então entram em uma discussão interpretada por dois atores sublimes (o Sirius de Gary Oldman é algo de especial) que mais do que se divertem com seus personagens até que, enfim, somos entregues à outra revelação que, por sua vez, seria impossível de captar: Perebas é, na verdade, Peter Pettigrew, o que, além de perturbador - ele ficou ao lado de Rony por doze anos e Harry por três - provoca alterações gigantescas nos acontecimentos seguintes da saga. E logo o corte comentado do início do filme toma sentido, além do motivo de o rato estar fugindo durante todo o longa, pois sabia que Sirius estava por perto.

Este que, novamente, é encarnado por Gary Oldman com uma dose de bondade deliciosamente perdida na loucura proporcionada por 12 anos de uma prisão injusta. O trabalho de maquiagem, frequentemente espetacular durante toda a série e esnobado nas temporadas de premiações, tem papel importante em dar uma aparência animalesca a um homem que passara os últimos anos isolado e maltratado. Mas ainda assim seu momento mais marcante é aquele onde convida Harry para que more com ele, um cenário que os fãs nunca puderam assistir, ou ler, e que, sempre que revista, a cena onde este cenário é sugerido virá com o mesmo gosto agridoce que constantemente permeia a vida tão trágica de Harry.

A partir daí o longa entra em frenesi, passando pela fenomenal transformação de Lupin em Lobisomem - com efeitos que até hoje se mantém efetivos - e ligando para a revelação do vira tempo, apetrecho que explica a habilidade de Hermione estar em todas as aulas, mais um exemplo de construção e antecipação que a narrativa deixa em aberto além de dialogar diretamente com a falta de aptidão - e interesse - da jovem bruxa pelas aulas de adivinhação, pois se prever o futuro é uma tarefa improvável (questionada por Dumbledore, nos livros), esta se torna praticamente fútil quando se tem a habilidade de voltar no tempo para reajustá-lo. E apesar de já ter comentado sobre a implausibilidade de tal prática, vale dizer que o importante é o que ela proporciona ao longa em termos narrativos. Neste caso, cenas tensas e divertidas que, ainda por cima, dialogam com os principais temas presentes na história.

É interessante apontar, também, como a cena que inicia a sequência de viagem no tempo alude às habilidades quase oniscientes de Dumbledore que, inteligentemente, tem papel coadjuvante neste longa para que os fãs não estranhassem a repentina mudança dos atores, mesmo que sua sabedoria seja valorosa em diversos momentos - como naquele onde salva Harry de uma queda mortal no, até então, melhor jogo de Quadribol da série em termos visuais.

Dono de uma construção impecável com a dose certa de complexidade narrativa e elementos mágicos que a diferem de outros filmes com ideias semelhantes, “O Prisioneiro de Azkaban” desfruta de um clímax grandioso, satisfatório visual e conceitualmente: O confronto final entre Harry e uma centena de Dementadores que já o haviam derrotado anteriormente.

Amarrado com perfeição pelo roteiro para que o próprio, percebendo como antes não fora forte o suficiente pois ainda acreditava que alguém iria salvá-lo (algo que frequentemente aconteceu com Harry nos filmes anteriores - e neste -, mas não mais dali em diante), ultrapassasse seus limites (ótima decisão de escorrer um sangramento de seu nariz, sugerindo que a magia é quase como um músculo) para salvar não apenas a si, mas à única família que ainda tinha. E se visual e narrativamente a cena é estupenda, notem como, simbolicamente, ela representa o elo entre Sirius, Tiago e Lupin: o primeiro sendo o motivo pelo qual Harry conseguiu finalmente superar seus medos, o segundo tomando a forma do próprio Harry que acreditava ter visto seu pai quando olhava para si mesmo, o terceiro sendo o homem que lhe ensinou o feitiço capaz de afugentar as criaturas.

Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban

Deixando pontas soltas mesmo sem sugerir desesperadamente uma sequência - que já era certa -, “O Prisioneiro de Azkaban” ainda tem espaço para uma cena final simples e leve, como a pena do Hipogrifo que veio junto à vassoura que Harry ganhou de Sirius. E se este último finalmente alcançou a liberdade não física, mas emocional, ao mostrar para o afilhado que sempre fora inocente voando, é apenas justo que ele queira proporcionar para Harry a mesma experiência. Um desfecho esperançoso para um filme glorioso sobre amadurecimento e justiça. Apenas Mais um presente para os fãs, tão apaixonados, de uma das maiores sagas da história do cinema.

E se para vocês, assim como para mim, este é o mais mágico de todos os oito filmes, espero ter ajudado a explicar o porquê.

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