Crítica | Clairo - Immunity
Claire Cottrill é a representação mais genuína do que o jovem alternativo quer ouvir hoje dentro do gênero pop e isso de maneira alguma é uma crítica à cantora.
O Lo-Fi misturado com o Eletropop já se mostrou comercial e funcional com Billie Eilish e comparações entre as duas são inevitáveis. Duas idealizações dessa geração vindas do SoundCloud, ganharam destaque principalmente por suas vozes e composições expressivas, além de possuírem um senso estético bem claro e definido apesar de extremamente novas. A principal diferença é que Clairo provavelmente come Frooty Loops de café da manhã enquanto Eilish toma café preto ao passo que fuma um cigarro em jejum (ela é contra drogas, na verdade). A segunda também já consegue tirar do plano abstrato quem quer de fato ser como artista, enquanto Clairo, com “Immunity”, espera ter achado o seu.
Ela que já havia encontrado seu público base com “Pretty Girl”, “Flaming Hot Cheetos” e diversas outras faixas que atravessam pelos mais variados problemas corroborados pelo ensino médio, geralmente acompanhados por sua guitarra - que vem escoltando-a na maioria de suas apresentações ao vivo - e um ótimo, apesar de modesto, uso de sintetizadores, aqui aprimora toda questão de produção com a ajuda de Rostam, ex-membro da banda Vampire Weekend e que também é conhecido por produzir algumas músicas de Frank Ocean, Charli XCX e Solange.
Porém, ao mesmo tempo em que o trabalho de escrita e todo o expressionismo de Clairo através de sua voz sejam, por meio de sua melancolia, animadores, a produção lapidada por Rostam, apesar de sólida, é estranhamente genérica.
A modéstia de “Alewife” não faz muito aqui. Aliás, a percussão do álbum que foi toda composta por Danielle Haim por vezes se auto-sabota. Hiper saturada, não é algo que se envolve naturalmente com os demais elementos principais do álbum na mixagem, por vezes aparecendo mais do que deveria. O fato de a todo instante ter alguma caixa ou prato ecoando contra a voz de Clairo tira o potencial de imersão das faixas de Immunity. Em “Impossible” é como se a percussão e o riff de guitarra fossem tirados de alguma balada do Vampire Weekend e largados aqui, e conforme o álbum passa, fica claro que o LP só não é ótimo por algumas escolhas erradas na composição dos arranjos e na produção.
A primeira música que chama atenção destaca justamente um ótimo uso de sintetizadores. A pulsante “Closer To You” salta os olhos quando evidencia uma mistura de elementos de 808s & Heartbreak com um ótimo uso de Auto-tune na voz da cantora, transpondo toda sua frustração e insegurança dentro de um relacionamento, quando ela, claramente, canta o primeiro verso quase desinteressada, até que, num refrão que soa como um descarrego, ela bate pé e afirma, “estou aqui por que quero estar aqui”.
“Bags”, que mistura leves sintetizadores com um piano flutuante e uma guitarra despretensiosa é um dos maiores acertos de Clairo até então. O jogo imaginário do flerte aqui figura dentro de uma das primeiras experiências dela com uma garota. Todo esse processo de tentar ler os sinais e ver entrelinhas é uma situação enervante, como todos sabem, e entre seus pensamentos hipotéticos, os diversos problemas causados por sua própria cabeça e o desejo de ser notada, ela se convence de que tudo vai ficar bem quando faz referência a Joni Mitchell - “Mitchel told me a should be just fine”-.
Seguindo tal conselho, “Softly” sucede “Bags” da forma mais otimista possível. Ao contar com uma composição que traz um pouco de Country consigo, Clairo começa a usar pronomes femininos e troca a dubiez do amor por empolgação. Aproveitando um pouco esse momento de entusiasmo, ela se rende a suas paixões e a esse período de descobertas sobre sua sexualidade. Se declarando para quem quer que seja a pessoa de sorte e para suas primeiras “crushes” mulheres - Sofia Coppola e Sofia Vergara - “Sofia” é a música mais contagiante do álbum. O sentimentalismo é uma marca registrada dentro de Immunity mas talvez apenas aqui vemos Clairo se deixar levar completamente pelos seus sentimentos, junto da guitarra distorcida e seus sintetizadores frenéticos, que nos levam junto nessa viagem que transborda afeto. Aliás, vale mencionar a questão da percussão ser posta em segundo plano aqui e a funcionalidade da faixa.
“White Flag” e “Feel Something” são baladas muito funcionais, mais eficientes do que seriam isoladas por conseguirem frear a empolgação de duas músicas que refletem o amor em sua forma mais extasiada (Softly e Sofia) e nos trazer de volta para esse estado de incertezas. “I Wouldn’t Ask You“ acha a atmosfera intimista na produção que se procurou durante todo álbum. A primeira metade, onde Clairo é acompanhada por um coro de crianças, um piano e nada mais é vulnerabilidade pura. Na transição interna da música, onde o tom e o estilo mudam completamente, ela, cercada de inocência - as mesmas crianças repetindo o refrão - de forma saudosista, afirma o pensamento inevitável de todo fim de relacionamento.
“We could be so strong
We'll be alright, we'll be alright”
Clairo consegue abrir seu coração com tanta facilidade e tanto cuidado que ao invés de difícil, se torna admirável pensar que ela tem apenas 21 anos de idade, e, enquanto consegue explorar todo peso e sentido das palavras que partilham as linhas de seus versos, nos mostra as mais diversas camadas de sua voz.
Nesse processo de auto conhecimento de sua sonoridade, se torna confortável pensar que talvez ela não seja só mais uma cantora moldada pela indústria.
7,5