Os 10 Melhores Filmes Brasileiros da Década (2010s)
o cinema brasileiro é um dos mais ricos do mundo,
graças a inigualável diversidade presente nesse gigantesco pedaço de terra que chamamos de lar.
Em uma década onde o Brasil sediou Copa (sofrendo a maior derrota de sua história), Olimpíadas (aqui sim, fazendo bonito), viu a ascensão da música brasileira acima da internacional e teve uma penca de filmes excelentes, nada se comparou ao imprevisível, desesperador e, horas, fascinante, roteiro que faz com que brasileiros acordem espantados a cada novo dia que passa.
Nosso cinema sofreu também baques consideráveis, desde falta de investimento, visibilidade e auxílio para que pudesse ganhar o mundo. Mesmo assim, fomos premiados nos principais festivais e, com originalidade, criatividade e resiliência, vimos uma quantidade considerável de grandes obras nascerem dos mais variados cantos, contando os mais variados tipos de histórias e representando a grande mistura que compõe a nossa sociedade. Assinamos embaixo: se você acha que o cinema brasileiro é ruim, é porque não o consome.
Nesta lista (tardia, nos perdoem) decidimos fazer listar os dez melhores filmes brasileiros (podemos parar de usar o nacional? Não é um gênero e todo filme é nacional de algum lugar…) entre os anos de 2010 e 2019. Mas, antes de chegarmos a ela, algumas menções honrosas, abaixo, que também merecem seu tempo e seu afeto:
Benzinho (2018); Los Silencios (2018); Ilha (2018); Tinta Bruta (2018); Café com Canela (2017); O Processo (2018); Trabalhar Cansa (2011), Doméstica (2012); No Intenso Agora (2017); Como Nossos Pais (2017); Aos Teus Olhos (2017); O Outro Lado do Paraíso (2014); Branco Sai, Preto Fica (2014); Serra Pelada (2013); Arabia (2018); Mercado de Notícias (2014); Faroeste Caboclo (2013); Colegas (2012); Cidades Fantasmas (2017); Central (2017).
E também alguns filmes que gostaria de dar um destaque especial que, por mim, estariam na lista principal, mas (diferentemente do Brasil), esta foi uma lista democrática:
Entre Nós, de Pedro e Paulo Morelli, um profundo e melancólico estudo sobre amizade, ambição e escolhas; Califórnia, de Marina Person, um lindo coming of age, quase auto-biográfico, sobre a intimidade da adolescência feminina e sua visão de Brasil; As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, uma fabulosa e fabulesca mistura entre romance, terror e fantasia que, em seu centro, pinta um retrato da sociedade brasileira; Bingo, de Daniel Rezende, um filme que precede o inferior “Coringa” (sim) com uma performance fenomenal (e superior) de Vladmir Brichta; Democracia Em Vertigem, de Petra Costa, único filme brasileiro a concorrer no Oscar neste período; Tropa de Elite 2, de José Padilha, o mais próximo que chegamos de um Blockbuster clássico (com tanto cérebro como ação).
Confira a crítica completa dos filme clicando nos seus títulos!
Texto de Renê Furtado
Com uma ideia brevemente explorada no curta Eletrodoméstica, de 2005, Kléber Mendonça Filho retorna sete anos depois com seu primeiro longa, O Som ao Redor, que, numa trama absolutamente simples e angustiantemente humana, nos carrega por um bairro de Recife ao longo de alguns dias, nos colocando frente a diversos personagens (nenhum tem a intenção de ser vilão ou mocinho, todos são mais ou menos abertos a interpretações subjetivas dos espectadores) e seus pequenos dramas cotidianos.
O Som ao Redor não traz personagens marcantes como os outros filmes de Kléber na lista fazem, mas João, Bia, Francisco, Sofia, Clodoaldo e todos os outros personagens do filme, alinhados a uma produção que se preocupa com as minucias de som e imagem, colaboram na construção de um local marcante: o bairro onde o filme se passa. Bairro este que carrega um bonito trabalho de construção de uma realidade nacional a partir das diferenças locais que são expostas, indo desde os habitantes menos abastados da vizinhança até os donos de diversos imóveis nas redondezas, passando no meio do caminho pelos habitantes de fora que trabalham ou procuram trabalho longe de suas casas, mas perto das casas de outros.
Um filme que não tem pretensão de ser maior do que é, mas que a partir de sua simplicidade carrega um importante peso, marcante tanto na filmografia de Mendonça Filho como no cinema brasileiro nos últimos anos.
Texto de Marco Oliveira
A mensagem principal neste belo filme de Flávia Castro é simples: aprendendo a ter uma relação orgânica com o nosso passado, pessoal e coletivo, podemos ter uma relação saudável com nosso presente.
Embora a repetição, do ponto de vista pessoal, seja praticamente inevitável e permite que vivamos cada um nossa própria versão das mesmas infâncias e adolescências, do ponto de vista coletivo pode se tornar perigosa, justamente por revivermos a dor e sofrimento que tantos outros morreram para erradicar no passado.
A diretora constrói o longa com uma narrativa minimalista, mas que explora seus principais temas com o auxilio de visuais simbólicos e carregados de significado, que ajudam a contar não apenas sua história principal, mas a história maior onde esta está inserida.
Centrado em torno da jovem Joana, que é, de seu próprio modo, comum e especial, “Deslembro” é um filme sobre construir, reviver e rejeitar memórias, e sobre como esta tarefa que fazemos diariamente pode, e deve, moldar a forma como vemos o mundo.
Texto de João Francisco
Animação indicada a um Oscar, “O Menino e o Mundo” é um filme profundamente brasileiro. Sem diálogos e com uma técnica de animação que traz os cenários e personagens em traços rústicos, esse filme e nós começamos no sertão brasileiro, enxergamos a seca e a falta de trabalho pelo olhar de um menino que vê seu pai indo em direção a cidade em busca de alguma renda. Com as tristes memórias do pai em sua cabeça, nosso protagonista sai em uma jornada para encontrá-lo. Palavras não descrevem a riquiza visual que o diretor Alê Abreu nos proporcniona enquanto descobrimos a pobreza e a opressão marcadas nas raízes do Brasil.
Texto de Felipe Guedes
Duas irmãs separam-se na adolescência.
Dividas por classe social e constantemente sofrendo abusos de uma sociedade patriarcal e repressora, elas encontram forças nas lembranças que têm uma da outra e nos sonhos da juventude.
É um filme que te destrói por completo, mas ao mesmo tempo é capaz de construir uma das imagens mais fidedignas de um Brasil fragmentado e problemático através da experiência das mulheres naquela época (que não é tão diferente de hoje). Com um primor estético muito justificado e que ajuda a mover a narrativa, a história vai avançando quase que imperceptivelmente. Nos sentimos na pele das duas irmãs. Além disso, o equilíbrio perfeito entre os arcos das personagens e o retrato de país proposto tornam essa adaptação uma das grandes obras essenciais desta década.
Além, é claro, de contar com uma performance admirável de uma das maiores atrizes de nosso cinema (se não a maior). Como é bom podermos ver Fernanda Montenegro.
Texto de Valentina Barata
Talvez esteja no sangue dos pernambucanos a criação de filmes irreverentes, pois novamente Recife serve de cenário.
Homenageando as pornochanchadas, “A Febre do Rato” foi escrito por Hilton Lacerda (“Tatuagem”), e dirigido pelo polêmico Cláudio Assis (“Amarelo Manga”). Seu título, além de ser uma gíria nordestina significando fora de controle, é o nome designado ao jornal em que o protagonista Zizo possui o cargo de editor. O veículo serve para expor as poesias anárquicas dele, também ilustrando o estilo de vida da sua comunidade.
Ele perde ainda mais suas estribeiras no momento em que se apaixona pela jovem Eneida, já que o sentimento não é correspondido. O longa revela a cidade fora do circuito turístico, em preto e branco na busca de uniformizar a fotografia. “Mostro as favelas e a lama do Recife em preto e branco, porque sei que se colocar em cores, ela não vai gostar”, disse o diretor.
O que torna o filme uma auto-ironia desde seu visual até tudo que se propõe a discutir.
Texto de Marco Oliveira
Nunca foi feitio do cinema brasileiro exceder em filmes de gênero, sendo que nossas melhores produções são genuinamente brasileiras e raramente encaixadas em apenas um gênero específico.
Por isso quando, em uma década onde vimos personagens como Lisbeth Salander, Amy Dunne, Elle ou A Mulher, a criatura mais assustadora é esta baseada em um caso real no Rio de Janeiro, precisamos reconhecer que Fernando Ribeiro criou uma de nossas obras mais únicas e valiosas.
“O Lobo Atrás da Porta” é uma corrosiva mistura de romance, drama e que, apenas no seu fim, se revela como um suspense marcante e capaz de te gerar calafrios sempre que se lembrar de seu sinistro desfecho. Capitalizado por uma performance magistral de Leandra Leal, Ribeiro constrói uma mise en scène que flerta entre o aconchegante e o claustrofóbico, e o diretor chega até a brincar de David Lynch no processo.
Aterrorizante e, de certa forma, inesquecível, é um filme raro no nosso cinema e que, como todas as nossas melhores obras, não deixa de analisar a sociedade podre em sua volta.
Texto de João Francisco
Dirigido e estrelado por Selton Mello, é uma homenagem ao cinema nacional, ao mambembismo e a palhaçaria como jamais se viu, repleto de significado e poesia é uma potência temática e apresenta narrativa tocante. São muitos adjetivos porque falar de um filme tão completo é sempre uma missão complexa. Já na cena de abertura traz trabalhadores em um canavial que veem passar os caminhões do circo na estrada em direção a próxima cidade, o que traz já o estabelecimento da estética sertaneja do interior brasileiro capaz de evocar diversos sentimentos e situações típico de filmes de estrada, um ambiente já bastante conhecido do cinema nacional que parece uma fonte inesgotável de histórias. Selton Mello propõe uma jornada de auto conhecimento de um palhaço, Pangaré, que é filho de outro palhaço, Meio Sangue (Paulo José) e já nasceu no circo Esperança, que administra com seu pai.
O centro do dilema de Benjamim (Selton Mello) é justamente vocação, o tema é apresentado a partir da constatação “cada um faz o que sabe, o gato bebe leite e eu sou palhaço…” dita por Valdemar, pai de Benjamim que vê em seu filho receios e questionamentos em relação aos seus desejos na vida. Uma marca do filme é a maneira generosa que olha para a estrutura do circo, cria uma atmosfera de cumplicidade e parceria entre seus integrantes e a ideia de que naquele espaço cada um tem que cumprir sua função, mas que todos são iguais em suas diferenças. Essa dinâmica se reflete também na maneira em que o roteiro é escrito: por mais que o filme tenha menos de uma hora e meia e trate de uma trupe, rapidamente somos capazes de conhecer e gostar dos personagens bem como entender qual sua função no o espetáculo e na do dia a dia do circo. Ao final, estamos envolvidos emocionalmente com os personagens e a cumplicidade entre Paulo José e Selton Mello é tão forte que com poucas palavras e uma troca de olhares o filme sintetiza todas mudanças pelas quais os personagens passaram para que pudessem seguir sendo palhaços.
Texto de Marco Oliveira
Sônia Braga é uma das, se não a maior atriz da história de nosso cinema.
Falar isso não é exagerar, muito menos esquecer o grande número de intérpretes exemplares que temos no país, mas apenas reconhecer uma mulher que se supera a cada novo trabalho.
Em “Aquarius”, Kleber Mendonça parece construir a narrativa perfeita para que todo seu talento esteja centralizado, em um filme tão perfeito pelo que nos mostra, quanto nas histórias que nos conta e nos temas que analisa. “Aquarius” é sobre lutar não só pelo que é seu, mas por sua vida, por sua própria história, pelas memórias que construiu e que lhe fizeram quem se tornou.
Símbolo também da censura que tomou conta de nossas projeções no momento em que são lançadas, “Aquarius” é uma obra prima do cinema brasileiro, um estudo de personagem fascinante e mais um atestado da grandeza de seu diretor e de sua atriz principal.
Texto de Heduardo Carvalho
“Que Horas Ela Volta?”, dirigido por Anna Muylaert, é construído inteiramente em base de uma visão revolucionária no Brasil.
A discussão de classes no país, por mais que já antiga teve, em 2014, um recomeço fervoroso graças a aclamação internacional, e a surpresa europeia de um Brasil que ainda reforça uma cultura de servidão.
Val, protagonista interpretada por Regina Casé, e sua filha Jéssica, interpretada por Camila Márdila, são mãe e filha em uma relação confusa de decepção e de compreensão, causado pela ida de Val para São Paulo e deixando a filha no nordeste. O retrato de uma elite brasileira que esbanja uma falsa noção de acolhimento com a população pobre no Brasil é a margem que enquadra essa obra.
“Que Horas Ela Volta?” segue com complexidades da relação empregada e filho da “patroa”, e a educação como revolução dentro dessas classes sociais. Ao assistir esse filme, se abre uma passagem para novas perspectivas das relações trabalhistas dentro do Brasil, ao menos se quem assiste é capaz de criar empatia com as personagens.
Um dos nossos filmes mais relevantes, e definitivamente, um marco na denúncia de uma cultura de servidão para todo o mundo.
Texto de Renê Furtado
Terceiro longa de Kleber Mendonça Filho (e terceiro na nossa lista), “Bacurau” tem grandeza diferente de seus antecessores, mas ao mesmo tempo é uma retomada temática num plano maior.
Aqui, o diretor e roteirista, junto de Juliano Dornelles, trabalha tanto com a relação das pessoas com o espaço físico onde residem num contexto macro, analisando como nossas "pequenas sociedades" se movimentam e são vistas a partir de uma olhar maior e dominador, como num contexto micro, dando a devida importância que o espaço impõe sobre seus ocupantes, social e historicamente.
O filme se utiliza muito bem de artifícios clássicos do cinema estadunidense e consegue dar a eles uma roupagem bastante brasileira, sabendo balancear de forma inteligente a crítica e o humor com o drama que é inerente aos colonizados frente a um país ou cultura colonizador. Bacurau, acima de tudo, é uma história de resistência, que estreou com um timing extremamente interessante no Brasil e no mundo, com sua narrativa crua servindo de base pra inúmeras reflexões não apenas sobre a visão de Brasil que os estrangeiros tem (o famoso Brazil), como a visão perigosa que, nós, brasileiros temos de nosso país, por muitas vezes buscando uma semelhança com os europeus e norte-americanos numa tentativa distorcida de sentirmos superioridade a regiões vistas como menos desenvolvidas (expressado no filme na imagem do Nordeste).
Marcando não só por seus aspectos narrativos mas também pela sua importância no reforço do cinema nacional, tanto na criação de empregos como no reconhecimento dentro e fora do país, com a conquista da maior variedade de prêmios, desde os menores festivais até gigantes como Cannes, uma vitória que, em tempos de crise, é muito bem-vinda em nossa luta contra governos e governantes que não valorizam a cultura brasileira.
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