Mês do Orgulho | Top 10 Filmes LGBTQIA+ dos anos 2010
Historicamente marcado por causa da revolução de Stonewall, no dia 28 de junho de 1969, uma rebelião de resistência da comunidade LGBTQIA+ presente no bar de Manhattan, o mês de Junho é celebrado como o mês do orgulho. No Brasil, ainda vivemos em um cenário hostil para pessoas LGBTQIA+. O país segue no topo do ranking de países que mais matam pessoas desta comunidade e tem como presidente alguém que segura, arrogantemente, a bandeira da LGBTfobia. Por esses e outros motivos, durante o mês do orgulho, toda segunda e sexta o Outra Hora abordará sobre filmes, séries e música inseridos na cultura LGBTQIA+.
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Como começar a mudar uma perspectiva centrada na heteronormatividade? Gerações e gerações que cresceram na TV, no cinema e escutando narrativas heterossexuais precisam passar pelo processo de aprendizado. É se colocar no outro lado do quarto que ninguém nunca visitou, mas que sempre teve gente morando. Abrir essa porta é dar margem para criar novos horizontes, crescer sua visão, tirar um espaço de ignorância e abrir caminhos para quem está preso naquele espaço marginalizado. Por isso, é urgente começar a dar mais valor para narrativas LGBTQIA+, principalmente nos cinemas.
As escolhas tomadas ao entrar em uma sala de cinema se ecoam em muitos caminhos. Um deles, o financeiro, mostra a aderência do público com produções de maior diversidade de gênero e orientação sexual, o que cria margem para um maior número de produções LGBTQIA+ e mostra vantagem competitiva para as produtoras que aderem essa narrativa. Outro caminho é mostrar que, sendo financeiramente lucrativa, é interessante levar essas produções para os cinemas menores, no interior do país e em lugares nos quais as produções LGBTQIA+ independentes, tanto de cinema quanto de teatro, não costumam chegar. Ter um filme que mostra relações homoafetivas, corpos trans ou posicionamentos queers em uma tela imensa em uma cidade que não se é discutido isso revoluciona a vida de jovens LGBTQIA+ e abre perspectiva de um país menos intolerante. É um possível início de revolução.
Nos anos 2010 o cenário de filmes LGBTQIA+ cresceu. Nos tornamos mais possíveis e mais presentes, muitas vezes como coadjuvantes ou pontas, mas também em inúmeras vezes sendo protagonistas. As gerações que lutaram por anos dentro do movimento civil se viram artisticamente contempladas, e nossa expressão, por mais que comandada e invadida historicamente por nossos corpos, começou a tornar sólida o que são as narrativas de diversidade de gênero e sexualidade. Por isso, hoje indicaremos 10 filmes lançados entre 2010 e 2019 com protagonismo e narrativa central LGBTQIA+.
10 | Desobediência
Dirigido pelo chileno Sebastián Lelio, “Desobediência” conta sobre Ronit e Esti, duas mulheres judias ortodoxas que agem de formas distintas mesmo após uma vida criadas na mesma comunidade. Ronit já se afastou e entendeu a comunidade por um olhar externo, crítico e mais cético, enquanto Esti é muito religiosa.
O título da obra é um nome é muito adequado; ela é um conto sobre desobediência, sobre vínculos socialmente reprimidos, sobre as relações familiares que se somam, transformam-se ou que se perdem. Interpretadas pelas maravilhosas Rachel Weisz e Rachel McAdams, o filme segue um tom sombrio, esperançoso, mas absolutamente desolador – além de contar com um dos finais mais belos dentre as obras aqui listadas.
Disponível na HBO Go
9 | Laerte-se
O documentário que segue a vida de Laerte, uma importante cartunista do cenário nacional, conta um pouco sobre a vida dela desde que se assumiu como mulher trans. Pensar na vida da Laerte como um grande nome que sempre apareceu na mídia, sendo reconhecida, identificada e tratada pela sociedade como um homem cisgênero hétero, para a ruptura de uma identidade de gênero que se mostra já acima dos 60 anos de idade, da mulher transgênera lésbica que é. Dirigido por Eliane Brum, esse documentário da Netflix é arrebatador e muito se traz a luz questões sobre identidade de gênero.
Laerte facilita o processo de fazer uma obra imperdível, por seu senso político, posicionamentos estrondosos e seu carisma. É um documentário humano e muito pacífico, para tratar corpos ainda estigmatizados na sociedade brasileira.
Disponível na Netflix
8 | God’s Own Country
Poderiam afirmar que é um filme bem próximo de “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), e possivelmente existe algum ponto de herança de um filme que marcou a década anterior, mas certamente está longe de ser similar. Um filme pouco comentado no Brasil, “God’s Own Country” se passa no interior do Reino Unido, e conta a história desse amor improvável entre homens do interior conservador, Gheorghe e Johnny.
Entre a relação do sexo de consumo, rápido para uma satisfação quase que animalesca, para uma noção do desejo em um corpo que não se espera que tenha, essa obra trata com muito poder, uma relação homoafetiva que machuca. É tão delicado e filosófico, quanto cru e agressivo. Uma das histórias mais belamente contadas e poderosas dessa década.
Disponível no Telecine Play
7 | 120 Batimentos por Minuto
Vencedor de quatro prêmios no Festival de Cannes 2017, incluindo Grande Prêmio do Júri e a Palma Queer, “120 Batimentos Por Minuto” (2017) conta a história do grupo Act Up de Paris em defesa dos direitos de soropositivos e do avanço das pesquisas para proteção da comunidade, majoritariamente LGBT, que morria com HIV. A obra documenta um ativismo radical importante e que cria margem para os avanços dos direitos LGBTQIA+ da nossa geração.
“120 BPM” é o único filme LGBTQIA+ que tenho conhecimento que relata com perfeição a formação de gestão, estratégia e relação de grupo para fins da luta por direitos civis e da minoria política. Para além disso, conta a história belíssima e romântica de alguns dos integrantes do grupo. É uma obra deslumbrante.
Disponível no GloboPlay
6 | Tinta Bruta
Um dos filmes mais provocantes dos últimos anos do cinema nacional, “Tinta Bruta” foi aclamado internacionalmente como um dos filmes LGBTQIA+ mais impactantes de 2018. Vencedor do Teddy de Melhor Filme na Berlinale 2018, essa produção conta a vida de Pedro, um jovem queer morador de Porto Alegre que começa a se aventurar sexualmente com shows virtuais para outros homens que consomem essas apresentações eróticas.
Discutindo a vulnerabilidade dos corpos queers no Brasil, a solidão e a perversidade que existe em torno destes jovens na internet, “Tinta Bruta” é um obrigatório das produções nacionais. É urgente tratar essas narrativas em um contexto brasileiro, que tem um perfil mais agressivo de LGBTfobia do que o da maioria do restante do mundo.
Disponível no Telecine Play
5 | Me Chame Pelo Seu Nome
Uns dos xodós do cinema mundial dessa década, “Me Chame Pelo Seu Nome” é uma história que vem do livro homônimo escrito por André Aciman, que conta das descobertas de sua sexualidade e da paixão de Elio, por Oliver, o novo discípulo de seu pai. Nesse romance que cresce ao redor das percepções da petulância estadunidense na perspectiva dessa família italiana culta. Esse irresistível conto, fala de um amor sem muitas amarras, um processo de entrega muito fluído e sem muitas interferências externas, meio a um verão perfeito em uma cidade pequena da Itália.
Com música clássica, literatura e artes plásticas, “Me Chame Pelo Seu Nome” se embebeda de uma beleza europeia com um romance entregue e muito vasto de vivências para um verão. É sensual, quase que erótica a relação de Elio e Oliver. Um público que se entrega para uma experiência e que se torna quase que impossível não se emocionar com tamanho desenvolvimento e finalização gloriosa.
Disponível no Telecine Play
4 | Moonlight
Chiron é uma criança negra moradora de uma das periferias de Miami (EUA), filho de Paula, uma mulher viciada em crack e de um pai já falecido. Residindo em uma área dominada por traficantes e usuários, o “moleque”, assim chamado pelos demais da escola, encara a conflituosa situação de viver constantemente sendo agredido verbalmente e fisicamente acusado de ser “viado”, palavra essa que ele escuta, apanha por ela, e nem ao menos a compreende. O roteiro é delicado e pesado. Cada palavra parece carregar quatro balas de revólver apontadas diretamente para o espectador, enquanto ao mesmo tempo nós somos acariciados lentamente pela mão suave de um personagem que dificilmente alguém não cria simpatia.
Com a gafe histórica da premiação errônea de “Melhor Filme” para “La La Land” (2016), a academia parece esquecer a consequência que enganos como esse podem ter para uma produção independente, LGBTQ+ e negra como “Moonlight”, que teve poucas salas de cinema mantendo o filme em cartaz e uma arrecadação de bilheteria muito irrisória mesmo após a premiação. A responsabilidade de se premiar um filme de cunho social tão poderoso, principalmente após o erro de não premiar “Brokeback Mountain” (2005) nos Oscars de 2006, parece pouco levada em conta, e até mesmo de falsa motivação por parte da Academia.
Disponível no Netflix
3 | Uma Mulher Fantástica
Celebrando a beleza da personagem Marina Vidal, “Uma Mulher Fantástica” é uma jornada pela transfobia, o luto de um amor perdido e a luta e resistência de uma mulher trans que quer seus direitos como a namorada do seu recém-falecido namorado, Gabo. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2018, essa obra é um ponto obrigatório de visita dentre as recentes produções LGBTQIA+. Tornou Daniela Vega, a atriz que interpreta a personagem protagonista, a primeira mulher trans a apresentar uma categoria nos Oscars, como colocou para o mundo ver um filme de protagonismo trans dentro do contexto latino.
Com um jogo de simbologia, muita mensagem com fotografia e trilha sonora, e atuações estupendas, essa história de agressões quase que constante, representa, ao menos um pouco, o cenário de transfobia mundo a fora. Para além disso, é uma narrativa de empatia, que causa revolta, e chama uma população educada para ser transfóbica para reparar nas agressões diárias com essa população, para uma reeducação e defesa de seus direitos.
2 | E Então Nós Dançamos
Uma das melhores surpresas do final da década, “E Então Nós Dançamos” é um filme georgiano-sueco que trata sobre amores proibidos, a homossexualidade masculina dentro de grandes tradições conservadores e LGBTfóbicas nos países. Nesse caso, é tratado dentro do ballet georgiano, uma dança milenar que demanda do homem características como precisão, firmeza, e ser “prego como um macho deve ser”, como disse o professor. Tratando sobre masculinidade frágil, a história de Merab é uma resposta de resistência dos corpos gays dentro das expressividades artistas.
Para quem nunca viu “Billy Elliot” (2000), é um outro grande filme que, mesmo que muito diferente dessa obra, é um bom filme para entrar na conversa de “E Então Nós Dançamos”.
1 | Retrato de uma Jovem em Chamas
Liricamente impecável, a história que conquistou os críticos europeus em 2019 é potente. Um retrato completo de beleza, amor, e as relações profundamente complexas que se forma em um ambiente o qual ser lésbica e se expressar com tal orientação é uma impossibilidade. O que Lúcia Facco já disse na literatura brasileira, é ainda mais palpável aqui: as narrativas de diversidade sexual podem ser muito bem dirigidas por um olhar externo, mas ninguém será capaz de contar uma perspectiva lésbica, tão bem e tão palpável quanto uma própria mulher lésbica. E é nessa produção, na França do século XVIII que é impossível não se emocionar com algo tão dolorosamente erudito e bem pintado.
Vencedor de 43 prêmios mundo a fora e uma indicação no Globo de Ouro, “Retrato de uma Jovem em Chamas” é deixar clara as diferenças necessárias de pautar narrativas masculinas e femininas, como antes não tinha sido tão bem estipulada, em uma das letras da comunidade LGBTQIA+ que sempre ficou atrás socialmente das pautas homossexuais masculinas cisgêneras.
É uma obra prima, da forma mais literal possível.
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