Precisamos de mais "Superman - O Filme" (1978)

O filme de Richard Dommer captura a essência daquilo que os filmes de herói deveriam ser sobre.

Em 1970 Hollywood sofreu uma transformação partindo das mãos de diretores como Steven Spielberg e George Lucas o acolhimento dos filmes blockbuster pela indústria cinematográfica a partir de “Tubarão” (1975) é um marco para os estúdios que passaram a produzir filmes cada vez mais caros para faturar cifras cada vez mais exuberantes. Nos anos subsequentes vimos “Star Wars” (posteriormente chamado de “Uma Nova Esperança”) e “Indiana Jones”, megaproduções com premissas fantásticas e grandes heróis. Em 1978, a Warner montou um time de nomes em alta para a adaptação de um dos principais super-heróis no cinema, “Superman - O Filme” foi escrito por Mario Puzo (“O Poderoso Chefão”), David Newman e Robert Benton (“Bonnie e Clyde”) e dirigido pelo, a época iniciante, Richard Donner que mais tarde assinou o maravilhoso “Máquina Mortífera”, além deles John Williams, o maior de todos, foi contratado para a trilha sonora (entre 1977 e 1978 ele escreveu a trilha dos três filmes que mudaram o gênero da ficção científica com “Superman”, o já citado “Star Wars” e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”) e atores como Marlon Brando e Gene Hackman, duas das maiores estrelas da época, compuseram a equipe da produção, por muitos anos foi a mais cara já feita na história, custando 55 milhões de dólares em 1978, equivalente a 230 milhões hoje com a inflação ajustada (o filme “Mulher-Maravilha 1984” custou 200 milhões de dólares). Dito isso, a história contada por Puzo e Newman é um marco na história da narrativa hollywoodiana e o conto de Clark Kent é um dos mais influentes já contados no cinema, com roteiro divertido, efeitos especiais de outro planeta e uma história compreensiva fez o que poucas outras produções de super-herói fizeram nos últimos anos: divertiram de maneira simples, mas contando uma história com ecos até hoje.

O que Richard Donner, Christopher Reeve (que interpretou o herói do título), Mario Puzo e demais pessoas envolvidas pareciam compreender é: super-heróis enquanto personagens são essencialmente infantis e um pouco rídiculos, então para contar suas histórias a coisa mais importante é bom-humor. Até os anos 1980 HQs eram produtos destinados para crianças e jovens, a inclusão do público adulto no universo se deu a partir da chamada invasão britânica movimento oitentista que levou escritos e desenhistas da Inglaterra para os EUA, esses autores publicaram histórias com teor adulto, falando de maneira séria dos problemas sociais e utilizando uma imagética mais violenta e sangrenta. O maior expoente desse movimento, Alan Moore, recentemente apontou o efeito contrário provocado por esse fenômeno, logo após a entrada dos consumidores mais velhos, esses passaram a consumir histórias infantilizadas e pasteurizadas, então se trocou o amadurecimento das HQs pela infantilização do público. Podemos observar fenômeno praticamente idêntico nas produções cinematográficas, pretendo então fazer uma breve análise do presente dos filmes de super-herói a partir de alguns marcos recentes no gênero partindo da entrevista concedida por Moore ao Deadline ano passado em que faz observações contundentes sobre o tema.

Acredito que a partir da trilogia de Nolan sobre o Batman observamos o mesmo efeito do gênero de super-heróis sobre o público de cinema, imediatamente após o lançamento da sombria versão de Bruce Wayne se seguiram filmes bobos, pasteurizados, maniqueístas e que infantilizaram o seu público com histórias sem nenhuma essência e eu não tenho exatamente um problema com isso, recentemente elogiei o “F9” e “007 - Sem Tempo para Morrer” por isso, a diferença desses dois filmes recentes para o que Marvel e DC têm feito é justamente a maneira como apresentam os seus discursos. Todo, absolutamente todo e qualquer filme já feito na história apresenta um discurso, isso pode se dar de maneira discreta ou escancarada, pode se apresentar ao longo de uma história ou pode ser através de um comentário, de algo que aparece em segundo plano, fato é: quem realiza cinema sabe o impacto que a visão de mundo do filme pode apresentar e mesmo ao tentar se isentar acaba comentando sobre a sociedade na qual está trabalhando. E essa é a grande diferença de um filme bobo que não se leva a sério como “Superman - O Filme” para um filme bobo que se leva a sério como “Vingadores 3 - Guerra Infinita”.

Apesar de o plano do Lex Luthor de 1978 não ser tão diferente do de Thanos em 2018, apesar das motivações não terem relação, algumas pessoas saíram do cinema de “Vingadores 3” concordando, em partes, com o que o vilão tinha a dizer sobre o Universo, uma visão eugenista e completamente absurda em qualquer esfera séria do debate público. O primeiro reflexo seria dizer que essa parte do público não entendeu a mensagem do roteiro, o que eu discordo principalmente pois acredito que mesmo não sendo a intenção da história defender esse ponto de vista, os elementos para essa defesa estão ali, especialmente porque seu protagonista, Thanos, coloca de maneira muito enfática às suas ideias e não há algum personagem o contrapondo da mesma maneira. O principal problema é do filme por tentar discutir temas tão sérios numa história sobre homens adulstos vestidos com collant e adereços de borracha enquanto salvam o mundo, temas relevantes precisam de uma abordagem adequada para isso. Ao tentar criar mensagens relevantes para adultos, a nova onda de heróis falha e costumeiramente cria um efeito rebote, ou seja, dá mais margem para entendermos o contrário do objetivo original. Mas arte não deveria ser interpretativa? SIM! Mas uma obra resultar em pessoas absorvendo o oposto do que almejava é necessariamente uma obra ruim.

Em “Superman - O Filme”, as teses defendidas se restringem aos bons-valores sociais, honra, moral, justiça, humildade e o resto da cartilha liberal. O personagem do Super-Homem é construído para funcionar não porque ele tem super-poderes mas por ele ser a super representação do homem ideal dos valores capitalistas, trabalhador, de família, virtuoso com um apurado senso de justiça. Isso me parece um pouco melhor não pela mensagem em si, mas pela forma como é apresentada: o filme é nitidamente infantil, é engraçado e a premissa é ridícula, o Lex Luthor de Gene Hackman é uma caricatura, ao não se levar a sério permite que as virtudes defendidas também se tornem algo periférico, como um episóio de He-Man, mas tão escancaradas que permitem a relação orgânica entre a pretensão e a conclusão, a síntese verdadeira na cabeça do público, mesmo do infantil. Ao fazer uma propaganda norte-americana menos sofisticada fica a cargo do espectador concordar ou não com o que é dito, em sentido contrário do que faz Nolan em “O Cavaleiro das Trevas Ressurge” que empurra um discurso eticamente questionável sobre justiça e punição aos crimes na sociedade como uma verdade absoluta e subjetiva. O problema não é a vontade de falar e filmar sobre isso (apesar de ser uma posição bastante questionável), é acreditar que um herói como o Batman deve ter qualquer papel relevante na esfera pública, nesse sentido fico com os besteiróis do Joel Schumacher que pelos menos são honestos.

E claro, se o leitor chegou aqui e está listando mentalmente alguns filmes como “Mulher-Maravilha” (2017), “X-Men 2” (2003) e “Pantera Negra” (2018) como bons exemplos contrários ao que falei no último parágrafo, eu vou ser obrigado a concordar: eventualmente algumas produções agregam em algumas posições no debate público com bastante sucesso. A diferença muitas vezes está na visão de mundo expressa pela tese das narrativas: ao mesmo tempo que são três exemplos de bons debates sociais são, também, exemplos de roteiros com pouca ambição de reproduzir a realidade, são tão parte do seu tempo quanto qualquer outro filme lançados na mesma época, mas se desarmam e são honestos com as mensagens propostas, talvez até sejam ambiciosos um pouco além da conta, mas no geral, ainda que tenha críticas, mantém o pé no chão na maneira que se apresentam ao mundo: um filme de super-herói que também fala sobre esse tema importante. Surge a necessidade do resgate honesto ao lugar que esse tipo de blockbuster ocupa, assim como em “Superman - O Filme”, um lugar divertido e divertido para que as discussões sérias não seja dominadas por empresas bilionárias e sim por quem realmente precisa estar falando sobre o que importa.

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