Crítica | Velozes e Furiosos 9

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Ainda que possa discutir se é CINEMA, “F9” definitivamente é UM FILME QUE VALE A PENA SER VISTO NA TELONA.

A contradição dessa afirmação traduz de algumas maneiras o que é a décima entrada na história de Dominic Toretto e seus companheiros. Se por um lado o filme consegue, mais uma vez, atingir o nível de sequências de ação e efeitos especiais responsáveis pelos números surreais de bilheteria, o surrealismo da história, por outro outro lado, cada vez menos encontra coesão narrativa para justificar sua própria existência enquanto cinema.

O diretor Justin Lin (esse é o seu quinto trabalho na franquia) confirma sua fama enquanto diretor capaz de criar momentos arrepiantes usando movimentos de câmera com maestria, que deixam a impressão de que conseguiria tirar o mesmo efeito sem carros ou explosões, um talento único em Hollywood atualmente. O que Lin não teve na sua carreira foram créditos suficientes para dirigir atores e nem como roteirista, dois problemas muito visíveis em “F9”, que tem diálogos sofríveis piorados por atores medíocres - um destaque negativo é John Cena, ao que tudo indica, personagem que pode voltar futuramente na série. A impressão ao sair do cinema é que há pouco ou nenhum reconhecimento de “Velozes e Furiosos 9” às regras tradicionais da narrativa seguidas pelos blockbusters nos últimos 90 anos, o que poderia parecer displicência me passa mais a impressão de ser um simples reconhecimento que, para o objetivo explosivo e divertido do filme, essa construção formal típica não serve tanto como foi garantido por todos manuais de roteiro por tantos anos.

A nova aventura da turma de Dom Toretto (Vin Diesel) se inicia a partir de mensagem codificada do agente Sr. Ninguém (Kurt Russell) contando que um de seus espiões trocou de lado e agora o mundo inteiro corre risco. O espião é ninguém menos que Jakob Toretto (John Cena) irmão há muito tempo desaparecido de Dom que o expulsou da família após descobrir sua ligação com a morte do pai em uma corrida de carros. Jakob, agora aliado do bilionário monarca Otto (Thue Rasmussen) pode pôr as mãos em uma poderosa arma capaz de fazer o mundo inteiro se curvar a eles. As duas equipes rodam o mundo atrás das três partes desse dispositivo usando carros para fazer as mais improváveis acrobacias no caminho. As sequências de ação são intercaladas por flashbacks da infância e da juventude de Dom e Jakob que expõem partes das motivações dos personagens. Um tema amplamente mostrado é o conflito entre Dom e Letty (Michelle Rodriguez) refletindo se a vida de ação, aventura e carros levada pelo casal talvez seja a realidade dos dois ao invés de algo que se busca acabar. O centro dramático no conceito e valores de família segue a linha de toda série, pautada nesse sentimento brega, porém muito efetivo que dialoga com parte massiva do público.

Contando com um recheado elenco os personagens são, em grande maioria, velhos conhecidos do público. No geral a função de cada um ainda se estabelece com certa facilidade em tela, em partes pelo roteiro ser muito veloz nos momentos menos furiosos se esforçando para objetividade, mas também por optar não desenvolver para além de utilidades bem simples cada um dos personagens. Por isso também, os membros da equipe de Dom dependem quase exclusivamente do carisma e talento de quem o interpreta para se relacionar com o público como Ramsey (Nathalie Emmanuel) e Tej (Ludacris) que chamam atenção, por outro lado, qualquer diálogo no filme (com raras exceções em flashbacks) são momentos difíceis de se aguentar praticamente impedindo o verborrágico alívio cômico Roman (Tyrese Gibson) de invocar qualquer sentimento positivo no público. É necessário ainda um desapego grande em saber as consequências das ações dos personagens na vida deles, o roteiro caminha uma linha muito tênue entre subversão de clichês e simples sacrifício de trama por recompensas simples. Aliás, a regra que “Velozes e Furiosos 9” parece ter menos apego é pista/recompensa, tradicionalmente se espera que as soluções dos problemas estejam relacionadas a elementos apresentados pelo roteiro na primeira metade da história, essa regra aqui não se aplica. Uma sequência em especial traz um grande sacrifício de Dom que fica para trás habilitando sua equipe a se salvar, a resposta da equipe é esperar ele resolver o problema e sair vivo, claro, sem nenhum arranhão. Em termos de diálogo eu só lamento as tentativas de usar meta-diálogo para efeito cômico, como na discussão levantada por Roman sobre a possível invencibilidade da equipe ou na tenebrosa sequência em que Cypher (Charlize Theron) e Otto comparam personagens dessa história com os de “Star Wars”, há muitas coisas que “F9” faz bem, mas humor “quero-ser-mais-inteligente-que-meu-público” é de longe a pior delas.

Apesar de ser uma franquia com 20 anos de duração, foi nos últimos 10 anos que “Velozes e Furiosos” ganhou status de arrasa-quarteirão querido pelo público e enquanto outras franquias nesse nível buscam se afastar do rótulo de filmes bobos e sem significado se apresentando como “diversão com propósito para o grande público, os filmes sobre Toretto cada vez mais buscam o oposto reivindicando seu charme justamente em não se levar a sério, em se esquivar de qualquer tentativa de falar algo relevante. Para além da reflexão óbvia que, apesar de tentar, “Velozes e Furiosos 9” não existe no vácuo e tudo o que produz são discursos sobre a realidade em que foi feito, alguns inclusive parecem intencionais como a relação entre o vilão Otto e o ex-presidente dos EUA Donald Trump. Me intriga mais entender o que exatamente funciona em “F9” e em seus antecessores? Há sim um charme nos personagens, alguns carregados por atores mais carismáticos, mas ainda existe algo mais importante: os filmes são como uma série de TV. Não como as mega-produções contemporâneas “Game of Thrones”, “Stranger Things”, “Mandalorian” etc. o apelo de “Velozes e Furiosos” lembra mais clássicos de desenho animado “Meninas Superpoderosas” e “Flinstones”, algo confortável para assistir que não exige um amplo conhecimento prévio muito menos horas de discussões virtuais criando hipóteses mirabolantes sobre o passado e o futuro de cada personagem, tudo que acontece no filme é fechado em si mesmo e isso cumpre uma vontade das pessoas de ver algo confortável em que se possa confiar para diversão. Resumindo, faz o papel que antigamente era da TV, mas com orçamento de cinema. Outro elemento importante na construção social sobre “Velozes e Furiosos” como um filme de apelo universal é a trilha que conta com músicas de ritmos muito populares no momento como Reggaeton e Trap cantadas por grandes artistas do momento como Ty Dolla $ing, 24k Goldn, que cantam o destaque da trilha “I Won”, A$ap Rocky e até Anitta.

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Isso me parece ser importante para entender o motivo da franquia ter não só fãs, mas defensores muito fiéis com uma relação extremamente afetiva com essa série, existem outros elementos que explicam isso (desde as representações de masculinidade até o fenômeno Paul Walker), mas que já foram exaustivamente debatidos e eventualmente tentam desqualificar a franquia. Objetivamente, “Velozes e Furiosos 9” não é um bom filme, isso pouco tem a ver com leis da física ou algo do tipo, o roteiro é mal escrito e por melhor que seja a ação externa a falta de ação interna torna tudo um pouco enfadonho, mas um atestado de qualidade não importa para esse filme. “F9” entrega tudo que os fãs querem e com muito êxito reforçando a impressão de aquilo que eu vejo como problema é visto pela produção do filme como uma solução.

Em conclusão, já não se trata mais de tentar qualificar “Velozes e Furiosos” pelo que ele não quer ser (Cinema) e sim pelo que é: TV para ser assistido em uma sala de cinema, sem nenhum demérito, e por isso não tenho dúvida sobre o sucesso que o nono, o décimo, o décimo primeiro e seus spin-offs vão seguir fazendo nos próximos anos.

5

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