Crítica | Eu Me Importo

Quando escrevi sobre “Promising Young Woman” (crítica aqui) comentei sobre como aquele é o tipo de filme que quero assistir. Irreverente, ousado, ácido e trazendo a tona uma discussão sempre bem vinda sobre a “cultura do estupro”, o longa de Emerald Fennell figura como um dos mais polêmicos destes últimos anos e tenho a impressão que o objetivo deste “Eu Me Importo” era fazer algo parecido.

Porém, se Fennell esbanja estilo em emprestar de vários lugares para criar uma obra original, J Blakeson (nome de cantor) claramente tem problemas para conduzir não apenas o tom, mas a identidade do filme que também escreveu. Nele, Rosamund Pike interpreta Marla Grayson, uma mulher que ganha a vida extorquindo idosos independentes ao convencer a justiça de que precisam de um guardião legal (no caso, ela), mas quando aplica seu golpe em uma velhinha misteriosa, acaba mexendo com pessoas supostamente mais perigosas que ela.

Atirando em uma comédia de humor-ácido e tendo Pike como uma protagonista sem escrúpulos, é impossível não lembrar imediatamente de “Garota Exemplar” (crítica aqui), do mesmo Fincher que a própria Fennell emula em “Promising Young Woman”. De certo modo, Blakeson até consegue fazer com que a narrativa seja menos importante do que o que esta representa, sendo que “Eu Me Importo” é menos sobre o que acontece com seus personagens, do que o retrato que estes representam de uma sociedade corrompida e capitalista. O problema é que tal constatação só pode ser feita ao final do longa, quando percebemos que os personagens são seres humanos ainda piores do que imaginávamos e, apesar de me sentir curioso para saber o que aconteceria, não é como se chegasse a ser conquistado, ou melhor, como se me importasse com Marla ou Roman.

Este que, interpretado pelo já lendário Peter Dinklage, figura como a única daquelas pessoas cujos motivos soam ao menos razoáveis, muito graças ao talento do ator, adicionando camadas que o roteiro de Blakeson não oferece. Li em uma crítica que a interpretação de Pike parece uma imitação sem vida da Amy de “Garota Exemplar” e não poderia concordar mais. Afinal, o que é esta mulher se não a própria vontade de enriquecer? E tudo bem, isso funciona como crítica ao capitalismo (e bem, eu diria), mas deixa o filme com uma protagonista que, no fim, não damos a mínima. Felizmente Pike é uma boa atriz, e mesmo com um material ruim consegue fugir do desastre, embora sua relação com a implacável, mas também unilateral Fran (Eiza Gonzáles, sólida) seja completamente aquém de qualquer química - as tentativas de beijo das duas, inclusive, chegam a ser desconfortáveis.

Eficaz em dirigir sequências absurdas de maneira convincente, Blakeson exibe um belo controle da mise-en-scène, auxiliada pela edição de Mark Eckersley que torna as duas horas quase fluídas o suficiente para esquecermos de como os primeiros trinta minutos se arrastam, mas infelizmente sabotada pela fotografia pouco inspirada de Doug Emmett que parece apenas saturar as cores fortes, as contrastando com o branco estéril das locações, e pela trilha sonora genérica e excessiva de Marc Canham. Controle, no entanto, não é sinônimo de qualidade, pois apesar de bem filmado, não posso dizer que existe qualquer plano memorável, que reforce os temas propostos sem a necessidade de palavras - com a exceção daquele no fim, onde Marla se coloca a frente de seu mural de fotos.

No fim, o longa pisa em território perigoso confiante de que está vários passos a frente da audiência, mas termina por soar mais irresponsável do que irreverente. Pense só, em um mundo onde cuidar da população idosa é um dos maiores problemas que a sociedade enfrenta, ter uma personagem que ganha ao fazer isso e enfrenta justiça apenas ao custo de outras vidas soa como um aviso preocupante.

Se “eu me importo” ainda conseguisse olhar pra nós da mesma maneira que Amy, ou Cassie, fizeram, pelo menos…

5

Anterior
Anterior

Crítica | Ponto Vermelho

Próximo
Próximo

Crítica | Tom & Jerry: O Filme (2021)