Do Pior Ao Melhor | Christopher Nolan
Na arte, poucas coisas são mais difíceis do que aliar qualidade à quantidade. Christopher Nolan, o sexto diretor com a maior bilheteria da história do cinema, faz questão de mostrar que isso ainda é possível.
Sejamos realistas, nunca teremos uma mente tão visionária como a de Stanley Kubrick. O diretor, responsável por diversos dos maiores clássicos da sétima arte, tinha uma habilidade de se reinventar extraordinária, sucedendo em todos os gêneros que tentou trabalhar. Ainda assim, não é absurdo nenhum dizer que Cristopher Nolan é, definitivamente, o mais próximo que vamos ver disso.
Desde o início de sua carreira, que não tem um diploma de artes ou cinema, Nolan deixou duas coisas bem claras: sua versatilidade e sua resiliência. Após atingir estabilidade, ele nunca fez um filme sequer que não fosse inteiramente controlado por ele, e fez isso em diversos gêneros diferentes. Ele foi desde o super herói à ficção científica, passando por suspenses policiais e psicológicos, além de, recentemente, colocar seus talentos em um filme de guerra. O mais importante, no entanto, é como ele sucedeu em cada um desses campos.
Outra característica importante de ser mencionada é como Nolan nos engana filme após filme. Honestamente, ao assistir a esmagadora maioria de todos os longas que fez você não consegue apontar falhas a primeira vista. A forma como ele orquestra cada cena é tão grandiosa que parece que tudo que vemos é perfeito, mesmo que as vezes não seja.
Porém, este artigo não pretende falar sobre o diretor em si e todas as suas tendências, técnica e influência, mas sim fazer a inglória tarefa de ordenar seus filmes do pior ao melhor.
E, como sempre, alerta moderado de spoilers.
11 | Tenet
“Tenet” é o tipo de filme que apenas Christopher Nolan faria, mas que precisa de um roteirista melhor do que Christopher Nolan para funcionar de verdade.
Confuso em excesso, complicado demais e emocionalmente inexistente, “Tenet” se beneficia de efeitos deslumbrantes e de um conceito fascinante, mas tem um dos roteiros mais preguiçosos da carreira de Nolan, que adotou um nível de pedantismo tão grande que julga que a originalidade de suas ideias é o suficiente para suprir a falta de inspiração em executá-las.
Sinto como se todos precisassem assistir esse filme cinco vezes para compreende-lo, mas que ao fazer isso se percebe o quão decepcionante foi todo este processo… por tão pouco.
10 | Following
Christopher Nolan gastou seis mil dólares para fazer seu primeiro filme, filmou com amigos durante finais de semana e tinha como material pertences próprios para construção de cenário e personagens.
Considerado um dos filmes de bolso mais influentes justamente por ter alçado Nolan à fama, “Following” já apresentava algumas das tendências que o diretor adotaria a frente na carreira.
É claro que não se equipara a seus trabalhos futuros, mas não deixa de ser uma jóia e uma aula de cinema que diz, simplesmente, para você que quer virar um cineasta tirar a bunda da cadeira e ir fazer um filme!
9 | interestelar
"Interestelar" é um prato cheio para as comparações Nolan-Kubrick.
O primeiro filme de ficção científica do diretor não tem medo em mostrar a influência de "2001: Uma Odisseia no Espaço" em seus visuais, que combinam o retrô e o moderno em um dos filmes mais elegantes do gênero. A diferença está no fato de que Nolan decide utilizar da emoção para conectar sua história com o público, sendo que a relação de Cooper e Murph é o que move o longa e fez todos chorarem em pelo menos dois momentos…
menos eu.
É pessoal, sinto muito, mas considero “Interestelar” um dos filmes mais superestimados dos anos 2010, com um começo ilógico (“estávamos esperando por você com o mundo caindo pelos pedaços”), uma abordagem científica “demais” apenas para dizer que o amor é a resposta para tudo em um dos finais mais roubados que já assisti.
Ainda o considero um bom filme, mas perto do já mencionado “2001”, “Interestelar” parece um foguete de feira de ciências.
Que não decola na hora da apresentação.
8 | Insônia
Este é o único em toda sua carreira que Nolan não tinha controle total da produção.
O que é perceptivel, pois não vemos praticamente nenhuma de suas tendências. Ao invés disso, vemos um mistério em uma pequena cidade, protagonizada por personagens mundanos e infelizes, que jamais se alçam ao posto de heróis, ou vilões, Noleanos.
Porém o trabalho seminal de Al Pacino e Robin Williams transforma “Insônia” em um inquietante mistério, e também no filme mais subestimado da carreira do diretor. Se o longa se beneficiaria de umas linhas de tempo paralelas? Daí já não sei.
7 | dunkirk
Poucas vezes na história um filme tão impressionante, tecnicamente, como "Dunkirk" foi concebido.
É de se pensar o quão obsessiva e metódica é a mente de Nolan por executar um projeto de forma tão minuciosa, onde cada segundo de tela parece uma peça própria. A escala é gigantesca, mas também imersiva, graças aos planos abertos que Nolan ocupa tão bem aqui.
Mas se algo impede "Dunkirk" de ser um candidato realista à melhor filme de guerra de todos os tempos é a falta de empatia, talvez proposital, com seus personagens principais. Isso de forma alguma é culpa dos atores, desde Tom Hardy à, quem diria, Harry Styles, todos extremamente dedicados e convincentes, mas a verdade é que pouco nos importamos com qualquer um deles - além da cena, boba, com os barcos que funciona em “Vingadores”, mas aqui não.
Talvez seja apenas a forma de Nolan dizer que a guerra não é como o típico filme patriota, mostrando que não importa o quanto entremos naquele mundo por algumas horas, a maioria de nós não sabe o que é vivê-lo de verdade, mas, de qualquer forma, “Dunkirk” é tão raso como as ondas que banham uma praia que viu um mar de emoções que passou longe do filme.
6 | Batman Begins
Caso vocês já fossem cinéfilos quando o primeiro capítulo da trilogia fora lançado, devem se lembrar da apreensão. Se esse não for o caso, assim como não foi o meu, assistam à "Batman e Robin" e imaginem quem não sabia o que esperar deste filme.
Uma coisa fica bem clara quando você assiste a "Batman Begins" e o compara com os demais filmes de super heróis lançados posteriormente: este é um filme, com início, meio e fim e com um possível desenrolar para uma sequência, mas que em momento algum tenta estabelecer um universo ou uma franquia. Nolan sabia o que fazer com o personagem e nos entregou uma das melhores histórias de origem do cinema, capturando toda a essência do Batman, algo que também se deve muito a dedicação total de Christian Bale que, meses antes, estava pesando menos de 60 quilos durante as filmagens de "O Operário".
“Batman Begins” não é perfeito, sendo que Nolan apresenta aqui alguns problemas no controle e na composição da mise en scène, que se tornariam evidentes em outros projetos, mas, ainda assim, é tão mais filme que tantos outros do gênero que podemos relevar.
É impossível, para mim, entender as críticas (excessivas) a este filme.
Sim, há diversos momentos “mas como ele…” que o impedem de subir mais na lista, como por exemplo o fato de Wayne achar tempo para fazer um morcego de explosões em um prédio com a cidade a momentos da destruição total, mas dada a escala da narrativa e tudo que Nolan consegue colocar em tela, não há como esta conclusão deixar de ser um feito admirável.
Recheado de efeitos práticos que fazem jus à abordagem realista, um design de produção imersivo e uma crítica social contundente que nos faz, novamente, questionar quem são os verdadeiros vilões, o longa ainda traz o melhor do Batman de Christian Bale, passando por todas as fases que um herói deve passar. Retorno, queda, auto-realização, ascensão, sacrifício e, por fim, reconhecimento. Claro que Bane não é tão bom como o Coringa de Heath Ledger, mas quem é? Procurem por um vilão mais ameaçador ou mais bem construído do que esta versão de Tom Hardy em todos esses últimos 10 anos de saturação do gênero de super-herói e se surpreendam ao descobrirem que apenas Thanos e Killmonger, ambos em 2018, se candidatam ao posto.
No final, "O Cavaleiro das Trevas Ressurge" é um filme espetacular, que amarra as pontas soltas e reforça os temas que levantou dois filmes atrás e deixou, em mim ao menos, um gosto interminável de quero mais que, infelizmente, nunca irei saciar.
Afinal, a DC preferiu substituir vilões multi-dimensionais com monstroes de CGI que deslizam em tela e que diferem completamente da abordagem propaganda de café…
ah……..
Existe algo na arte que gosto de chamar, com uma nomenclatura nada inspirada, de lei da sombra.
Basicamente, esta injusta lei diz que grandes músicos, pintores, escultores e, é claro, cineastas, que tiveram diversas obras aclamadas e adoradas acabam vendo outras delas serem praticamente esquecidas com o tempo.
"The Prestige", em seu título original, é o melhor filme de Nolan que quase não lembramos.
Figurando como a maior viagem no tempo para um cineasta obcecado com ele, a trama se passa no século 19 e consiste em dois mágicos de palco que tentam se derrotar criativamente enquanto embarcam em uma jornada de ambição com trágicos resultados. Transformando essa disputa em algo muito maior, que investiga não apenas a obsessão dos dois homens, mas a própria natureza humana, egoísta e individualista, o filme ainda traz o final mais chocante de toda a filmografia de Nolan, que pode soar como outro “roubo”, mas cujas implicações amplificam seus temas. Além disso, um elenco como este (Hugh Jackman, Christian Bale, Scarlett Johansson, Michael Caine, David Bowie(!!!!)) é um presente.
De quebra, sou um confesso fã de mágica e da - spoiler - temática do duplo.
É quase impossível não se sentir perigosamente atraído por este filme, isso antes de assisti-lo, durante e, com certeza, após o rolar dos créditos.
"A Origem" foi um projeto tão ambicioso que Nolan quis "pegar experiência" com outros de seus filmes antes de se atrever a colocá-lo em prática. Ao assistir o filme pela primeira vez, você percebe que não é só ele que precisa de experiência.
Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Joseph Gordon Levitt, Ellen Page e um número de atores que frequentemente trabalham com Nolan dão vida à uma ficção científica onde se é possível entrar no sonho de outras pessoas e mudar seus pensamentos na vida real. Apenas essa ideia já é capaz de te fazer imaginar os rumos que o filme toma, mas ao entrar em um sonho, dentro de um sonho, dentro de outro sonho, você se encontra, literalmente, num labirinto.
No entanto, Nolan tem controle total de sua obra e a costura em diversas camadas, tornando cada pedaço desse quebra cabeça um espetáculo técnico e conceitual. Visualmente, "A Origem" foi revolucionário, mas sua principal qualidade está em como conseguiu transformar um tema tão denso em um filme tão acessível. Tudo bem, é preciso atenção e botar a cabeça pra pensar, mas o filme a todo momento te convida a fazer isso graças à seu ritmo dinâmico e, quando o conceito dos sonhos é compreendido, acompanhar a simples missão do grupo não é nada complicado.
Mas talvez mais importante que sua qualidade e visionarismo, nos fazer debatê-lo quase uma década após seu lançamento é talvez o maior feito de “A Origem”.
Eaí, o peão cai ou não?
E isso faz tudo conquistado nesse filme algo ainda mais impressionante.
"A diferença entre filmar "Following" com um grupo de amigos vestindo nossas próprias roupas e minha mãe fazendo sanduíches para gastar 4 milhões de dólares do dinheiro de alguém em "Memento" e ter uma equipe de cem pessoas é, até hoje, de longe, o maior salto que eu já dei."
De acordo com o próprio Nolan:
A ambição de escrever e filmar um filme ao contrário, com uma história aparentemente simples, mas que se torna complexa pela estrutura que é apresentada, figura até hoje como o projeto mais inovador do cineasta. Apesar de o efeito parecer confuso, quando você começa a ligar os pontos o longa toma novos níveis, deixando sua cabeça borbulhando por muito tempo após o mesmo terminar. Guy Pearce foi a escolha certa para o papel principal - que poderia ter sido, entre outros, Brad Pitt - pois sua figura menos conhecida ajuda a manter "Memento" como o que é, um filme quase cult, que pela primeira vez mostra todo o potencial gigantesco daquele que se tornaria um dos maiores diretores de sua época.
Desculpem, não vamos utilizar o nome traduzido, pois ele é cientificamente errado. "Memento" foi o primeiro filme de expressão de Christopher Nolan e chegou como um divisor de águas para sua carreira.
Sim este texto será escrito ao contrário.
Foi uma decisão difícil, mas nem tanto assim.
O segundo capítulo da trilogia do Homem-Morcego chegou com uma das expectativas mais polarizadoras de todos os tempos. "Batman Begins" re-estabeleceu a forma do herói no cinema e uma continuação com a presença do Coringa, talvez o vilão mais icônico da história dos quadrinhos, interpretado pelo recém falecido Heath Ledger, geraram um hype ao mesmo tempo otimista e pesaroso à sequência.
O resultado todos já conhecemos. Do início ao fim, "O Cavaleiro das Trevas" suga todas as suas energias. Poderíamos passar horas falando sobre as qualidades técnicas do filme, desde as edições de som e imagem, à trilha sonora enervante de Hans Zimmer e James Newton Howard, à cinematografia realista e brutal de Wally Pfister, ao maravilhoso uso de efeitos práticos que faz caminhões rodopiarem no ar. Poderíamos apenas sentar e admirar o show de interpretações: Christian Bale, Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman. Mas todos sabemos o motivo de este filme estar diversos patamares acima de seus concorrentes de gênero.
Ao centrar todas as atenções em Heath Ledger, ou melhor, ao construir o filme contra sua presença, Nolan criou a narrativa mais próxima do que ser um herói significa - ao lado de “Homem-Aranha 2” e “Aranhaverso”. Batman tem suas ações, convicções e valores testados a todo o momento e é como se ele tivesse que lutar pelo povo que o desacredita os colocando acima de si próprio. É uma jornada em direção ao altruísmo máximo, que provoca conflitos e decisões irreversíveis, tudo graças à um homem que apenas queria ver o mundo pegar fogo.
Quando falamos em filmes de super-herói, estamos discutindo pela segunda posição, pois "O Cavaleiro das Trevas" tomou a primeira para si e dificilmente irá perder o seu posto. Nolan atinge seu auge aqui, pois nunca esteve tão próximo da realidade da qual tanto ama, mas sem nunca perder o senso de grandiosidade que seus filmes provocam.
É uma obra prima que vai viver para sempre e trazer memórias marcantes e, infelizmente, tristes e sombrias como o mundo que nos apresenta.
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