Crítica | Batman o Cavaleiro das Trevas Ressurge
Na véspera do lançamento de “Tenet”, estamos revisitando a filmografia de Christopher Nolan afim de termos críticas de todos os seus trabalhos no site.
Vocês podem conferir as críticas dos outros filmes aqui:
Um é pouco, dois é bom, três é demais.
Essa deveria ser a introdução para qualquer crítica envolvendo trilogias.
Poucas coisas são mais difíceis de se derrotar do que a expectativa. O primeiro Batman de Christopher Nolan teve a difícil tarefa de revitalizar a imagem do herói nos cinemas, mas foi agraciado com as expectativas de quem estava acostumado com bombas como “Batman & Robin” e “Mulher Gato”. Os números modestos nas bilheterias, portanto, não soaram como uma derrota. Três anos depois, a continuação em meio ao falecimento de Heath Ledger viria, logo logo, a conquistar a alcunha de melhor filme da história do gênero, título que acredito ainda possuir hoje, 12 anos de muita saturação de super-heróis depois. Por isso, não havia como o fechamento da trilogia superar seus antecessores: o primeiro uma surpresa inesperada, o segundo um presente inesquecível.
Não por menos, muitos fãs decidiram questionar praticamente tudo que é mostrado em tela: a história, as interpretações, as lutas, basta entrar em qualquer sessão de comentários para descobrir que muitos odeiam este filme. E, assim como ocorre com o terceiro capítulo de outra trilogia de heróis, estes “fãs” mentem para si mesmos, pois apesar de ter alguns momentos “mas como que…”, este filme ainda fica um patamar acima da grande maioria das outras obras do gênero.
Trazendo uma clássica narrativa de decaimento, volta, queda e ascensão (é isso que “Rises” quer dizer”) de maneira crua e sentida, vemos o que restou de Batman, claramente abaixo de sua aptidão física, mas ainda pior: duvidando dos próprios princípios e motivações. Apenas isso já oferece mais conteúdo dramático que o gênero se acostumou, muito também graças à Michael Caine e seu Alfred que, toda vez que se dirige a Bruce, esbanja toda a preocupação de que seu futuro não seja muito mais brilhante do que seu presente. Nolan constrói bem toda a trajetória de Wayne, e é particularmente doloroso ver a icônica cena onde Bane quebra sua coluna - um adendo, pois este filme quase entrou em território super humano -, mas ainda mais gratificante velo retornando (mesmo que isso envolva um meio não mostrado para se chegar à Gotham e um morcego em chamas em um prédio que deve ter levado tempo demais em um momento tão crítico).
Falhando em tornar alguns conexões confusas, somos obrigados a aceitar certas delas, algo que o filme faz enquanto sorri e nos relembra que aquele mundo obscuro e sem esperança continua pertencendo a um homem que se veste de morcego e luta contra criminosos. Nesse cenário, a Mulher-Gato de Anne Hathaway surge atraente e divertida de se acompanhar, e a escolha de não mostrar pele demais em sua roupa pode ter enfurecido os incels, mas rima com o realismo que Nolan adotou para o projeto lá no início e continua a impressionar por conta de seu maravilhoso uso de efeitos práticos. Com a trilha tradicional do herói e um Hans Zimmer que sempre se supera ao compor para o diretor, a energia aplicada em cada sequência chave propulsiona o longa para frente, combinando intensidade com dinamismo.
Apesar de muitos reclamarem do Bane de Tom Hardy, eu o considero um dos cinco melhores vilões da história do gênero, um homem devoto a sua paixão e capaz de sucumbir à escuridão para protegê-la. Sua imponência física também assusta, assim como sua brutalidade na chocante cena do estádio de futebol. E se ele representa o mal absoluto (apenas representa, pois não o é), é mais do que importante ressaltar como a dupla formada pelo Tenente Gordon e pelo oficial John Blake representa o pouco que há de honestidade na sociedade. O primeiro está cansado, pessimista, mas ainda determinado enquanto o segundo ainda é jovem demais e sempre espera, e procura, pelo melhor, o que resulta em uma de minhas cenas finais favoritas de um gênero que parece ser viciado em tais.
Caso não tenha ficado claro com o paragrafo anterior, o Batman de Christian Bale - se divertindo mais do que nunca no papel - é o balanço entre a luz e as trevas, um homem imperfeito, um herói marginalizado que viveu tempo o suficiente para se tornar um vilão, as cicatrizes em sua vida cortam mais fundo do que qualquer ferimento, e sua vida de luxo serve apenas como distração fútil, nunca como preenchimento.
Por isso, e a seguir uso de spoilers, mas, por favor, se você não viu esse filme…
Por isso, vê-lo abrir mão da consagração como herói é o que o aproxima tanto do que a palavra realmente quer dizer. E por isso sua cena final com Albert, menos dúbia do que poderia ser, deixa um gosto interminável e insaciável de quero mais que, infelizmente, jamais irá se consumar. Eu trocaria 95% dos últimos dez anos de filmes do gênero por um universo construído a partir desse, onde cada filme se preocupa, primeiro, em ser bom para, depois, sugerir algo a mais.