Festival de Cinema de Gramado 2020 | Dia 5

O Outra Hora está cobrindo o 48º Festival de Cinema de Gramado que ocorre entre os dias 18 e 26 de Setembro de 2020. Com um texto por dia expressando nossas principais opiniões sobre os filmes da noite anterior. O Festival é exibido todos dias às 20 horas no Canal Brasil, enquanto a Mostra Gaúcha ocorre no Globosat Play. Entrevistas e análises vão ser parte da nossa cobertura, acompanhe nossas redes para saber mais.


a quinta noite talvez tenha sido a melhor até agora.

Com dois curtas documentários e dois filmes de gênero, o festival sobe ainda mais de nível.


Destaque da noite:

O destaque fica claramente para a fotografia do filme de Ruy Guerra, criando contrastes com o preto e branco e transformando o filme em um pesadelo acordado, mergulhado no Noir.


Os Filmes:

Dominique festival de cinema de gramado

Curta-Metragem Brasileiro:  “Dominique” (2020), de Tatiana Issa e Guto Barra (RJ).

Sinopse: Em uma ilha na foz do rio Amazonas, conhecemos Dominique, cuja mãe criou sozinha três filhas transexuais. No caminho para visitar a mãe, Dominique relembra os tempos de prostituição e brutalidade policial que sobreviveu devido ao amor incondicional de sua mãe.

Crítica: Um curta surpreendentemente leve de se acompanhar dada a temática, a personagem título se mostra uma personagem fascinante, com uma história de vida singular e que não reclamaria nenhum pouco de ver mais em tela.

Inclusive, quando o filme acabou me peguei surpreso.


Joaozinho o rei do candomblé

Curta-Metragem Brasileiro: Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé (2019), de Janaina Oliveira ReFem e Rodrigo Dutra (RJ)

Sinopse: O filme apresenta Joãosinho da Goméa como narrador principal de sua história. Com músicas cantadas por ele, performances provocadoras e arquivos diversos que ressaltam o quanto ele é importante para as religiões de matriz africana. A Rainha Elizabeth II disse que se o candomblé tivesse um rei, esse seria Joãosinho da Goméa, o Rei do Candomblé.

Crítica: Mostrando um pouco do jeito único de seu protagonista, é outro doc que se beneficiaria de um tempo a mais em tela, sendo que os 14 minutos, por mais que marcantes, acabam soando um pouco confusos e condensados demais.

Ainda assim, é visual e sonoramente provocativo e conta com um belo plano com Joãozinho e o cenário em um azul harmônico.


Longa-Metragem Brasileiro: Aos Pedaços (2020), de Ruy Guerra (RJ)

aos pedaços ruy guerra festival de cinema de gramado

Sinopse: Eurico Cruz amanhece irritado. Sabe que algo está por acontecer. Um bilhete, assinado por um A. lhe anuncia sua morte. Quem o ameaça? Embaralham-se os espaços, as personagens, suas paixões extremas, seus ódios, amores e suspeitas.

Crítica: Que filme ousado para o festival.

Uma obra de gênero, mergulhado no Expressionismo e no Noir, Guerra cria composições visuais belíssimas em torno do preto e branco, trabalha bem a dualidade das personagens quase idênticas da narrativa e deixa tudo com um senso de pesadelo acordado que jamais nos convence se é real ou não.

Com uma tríade de personagens magnéticos e repletos de camadas, destaco a loucura crescente que Simone Spoladore aplica com uma mistura de sutileza e brutalidade em sua personagem, o aparente desdém que Christiana Ubach (lembro dela em Malhação, evoluiu muito) esbanja enquanto caminha uma linha tênue entre ele e a ameaça, e, é claro, a decadência visível e preocupante que Emilio de Mello exibe com tanta visceralidade.

Não me convenci tanto com os diálogos teatrais e o longa pode soar um pouco auto-indulgente, mas não deixa de ser uma obra peculiar que merece ser vista e que ainda alude em diversos momentos para o icônico “Persona” (incluindo o plano final).


Longa-Metragem Estrangeiro: Matar a un Muerto (2019), de Hugo Gímenez (Paraguai)

festival de cinema gramado matar un muerto

Sinopse: Durante o regime militar no Paraguai, dois homens enterraram secretamente corpos na floresta. Uma manhã, entre a pilha de mortos, eles descobrem alguém que ainda está respirando.

Crítica: Um dos melhores filmes que vi ano. Não é mentira que deixamos o cinema paraguaio em segundo plano quando pensamos nas cinematografias dos vizinhos ao sul, erro nosso, mas talvez um desses motivos é a barreira (precoceito?) idiomática com a língua guarani, majoritaria no país. E uma das coisas que impacta logo de cara em “Matar a un Muerto” é que seus diálogos são em guarani, segunda língua oficial do país, com pouquíssimas passagens em espanhol. E já que parei para comentar sobre a questão do idioma, o espanhol parece ser adotado apenas pelos oficiais de quem os dois personagens recebem ordens por um rádio e posteriormente a uma guarda de militares. Confesso que não sei se a história particular desse filme foi adaptada ou inspirada em uma real específica, mas com certeza, a prática de valas clandestinas para esconder assassinatos das ditaduras de Segurança Nacional no Cone Sul foi prática bastante comum, muitas dessas covas jamais foram achadas e acentuam a dor e o sofrimento de entes queridos daqueles que as habitam que sequer poderam enterrar seus filhos, pais, irmãos e amigos.

O mérito que esse filme é o olhar para duas pessoas que sem dúvida são parte do sistema repressor mas eles representam uma parte tão baixa de tudo, que a situação deles não é diferente daqueles que o governo persegue, ou pelo menos essa é a tese do filme. O conflito interno se dá especialmente porque a vontade pessoal deles diverge do seu trabalho, algo no mínimo complicado em uma ditadura particularmente sanguinária como a de Strossner e o pior é que: eles sabem disso, porque se fossem assassinados provavelmente teriam que enterrar os próprios corpos. Todo esse conflito, os impulsos de violência de um personagem sempre opondo o a vontade mais humana do outro, que constantemente trocam de papéis vai formando uma solidariedade na situação de pouca sorte que se encontra o não morto. Esse filme é um belo argumento sobre a possibilidade de novos olhares aos períodos ditatoriais do Cone Sul sem “passar pano”.

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