Crítica | Tenet

tenet nolan

o Décimo filme do diretor britânico erradicado nos Estados Unidos traz mais uma empolgante história original e carrega os velhos vícios narrativos de christopher nolan.

A longa cena em que vemos um grupo armado tomar conta de um concerto sinfônico, não deixa dúvidas: esse é um filme de Christopher Nolan, o diretor ao longo dos anos, soube como ninguém desenhar a cena inicial de um filme. A fórmula varia pouco, uma perseguição armada, um assalto, ou, nesse caso, uma grande operação militar, o propósito costuma ser estabelecer o clima do filme, que tipo de ações e reações podemos esperar na história que está começando. Isso é uma representação da própria relação que ele tem com suas tramas, famoso por dedicar mais tempo aos enredos do que aos personagens, Nolan abdica de tentar convencer o público a criar conexões sentimentais com os segundos (repetindo o que foi feito em “Dunkirk”). Nessa cena já vemos o Protagonista (John David Washington) tomando posições durante o conflito e possivelmente arriscando sua missão para salvar o público da ópera, decisão que descobrimos salvar a vida do agente da CIA. Tendo o tempo e a maneira como nos relacionamos com ele, mais uma vez, como tema principal do filme, Nolan foi mais bem sucedido aqui do que em outras oportunidades ao escrever um roteiro que “caminha para frente”, desse jeito fica mais fácil prestar atenção nas complexas regras que são propostas sem precisar desvendar pontos de trama, que são bem nítidos e eventualmente óbvios. Dentro do leque de propostas temporais do diretor ao longo da carreira, “Tenet” é a que mais me interessou até hoje, trazendo um jeito inovador de relacionar futuro e presente no cinema.

Tenet é a única palavra que o Protagonista sabe sobre sua misteriosa missão, além disso, sabe que é a única pessoa capaz de realiza-la, mesmo que ainda não saiba exatamente o que isso significa. Descobre que o bilionário russo, que ergueu suas fortunas sobre as cinzas da União Soviética, Andrei Sator (Kenneth Branagh), está trabalhando com uma tecnologia capaz de criar objetos que avançam de maneira contrária ao tempo dos nossos relógios. Para operacionalizar seu trabalho, ele busca a ajuda de Neil (Pattinson), um especialista em resolver problemas. Os objetos vindos do futuro dão sinais que os personagens estão lutando para impedir o fim do mundo na terceira guerra mundial. O protagonista ainda envolve a esposa de Sator, Kat (Elizabeth Debicki) para descobrir como o traficante de armas consegue a tecnologia futurista, o que garante os momentos mais emocionais da série. Nolan ainda não aprendeu como criar profundidade dramática em personagens sem ser a paternidade/maternidade. As sequências de ação são sensacionais, muito divertidas e fáceis de acompanhar mesmo que necessitem concentração pelas complexas leis da física estabelecidas no universo de “Tenet”. Cada uma dessas cenas possui uma estrutura semelhante ao filme “Amnésia”, primeiro longa com grande distribuição de Nolan. Tento explicar: a trama do filme de 2000 se move em dois sentidos, a parte em preto e branco vai de trás para frente enquanto a parte colorida acompanha a vida de Leonard Shelby em oposição ao sentido do relógio, de modo que o filme termina na metade da história. Algo semelhante acontece em cenas de “Tenet”, vemos coisas sendo executadas no mesmo espaço físico, mas em sentidos temporais opostos. Fazendo com que o fim da ação corresponda à “metade” da cronologia da cena.

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Respondendo as críticas de falta de diversidade nos seus filmes, aqui temos um elenco etnicamente mais representativo e destacado com talentos mais jovens como John D. Washington, que entrega mais uma interpretação excelente e se sobressai à falta de emoção escrita para seu personagem. Além dele, Robert Pattinson e Elizabeth Debicki são responsáveis pelos melhores momentos do longa-metragem. Já pincelei alguns problemas de roteiro, mas, infelizmente, não são poucos. O que mais me incomodou foi a série de escolhas narrativas sobre Sator, interpretado pelo grande Branagh. Foi até engraçado refletir sobre a existência dos vilões de Nolan, talvez o melhor vilão da década, o Coringa de Heath Ledger é uma ilha entre os principais filmes do diretor que normalmente investe em conflitos internos, como é a presença de Marion Cotillard projetada pela cabeça de DiCaprio em “A Origem”, ou adversidades imateriais ou pouco personalizadas, como são os caso dos soldados alemães que dificilmente vemos o rosto em “Dunkirk” ou as ameaças climáticas em “Interestelar”. Sator é escrito pobremente, a única característica relevante dele para a trama é uma quantidade infinita de “maldade”, o russo faz coisas mais horríveis a cada cena e essa é sua única função narrativa. Ainda quero pontuar que algumas cenas são desnecessárias ou, no mínimo, pouco justificáveis, Nolan que há algum tempo é criticado pela praticamente nula participação de mulheres em seus filmes, não só tenta remendar essa questão com duas personagens de pouca agência no enredo da película, faz ainda uma retratação rasa do relacionamento abusivo entre Sator e Ket, me dando a impressão que falta sensibilidade artística para o diretor retratar as complexidades desse tema.

Vou tentar não entrar tanto na ideologia de ter um vilão soviético, que ameaça destruir o mundo por consequência de ele ter trabalhado para cobrir um acidente nuclear em uma cidade secreta União Soviética, que além de tudo tem um guarda costas forte, careca, que fala poucas palavras e é muito mau. Ainda que não fossem questionáveis os motivos políticos para isso, em que ano Nolan escreveu esse roteiro? 1950? 1960? Tentando colocar motivos ideológicos de lado, a dúvida que tenho é: em 2020 o diretor não teve uma ideia melhor que ogivas nucleares da URSS? Enquanto uma pessoa que sempre elogia Nolan por sua criatividade posso dizer que ficou devendo muito. Penso que abrindo mão do excesso de exposições e o exagero de diálogos pseudo profundos, que me fazem perceber que ele esteve mais envolvido em “Homem de Aço” do que eu gostaria.

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Cinema e tempo estão relacionados desde sempre, mas as maneiras que essas histórias têm explorado essa relação não tiveram grandes mudanças. A visão em que o presente é herdeiro do passado e terá que construir um futuro melhor é o centro temático da maior parte dessas histórias, ciclos paralelos para mostrar como a história está fadada a se repetir, viajantes no tempo mexendo em pequenas coisas e gerando grandes catástrofes temporais, essas e outras temáticas sempre se apresentam em ordem linear e cronológica. Mas e se invertêssemos o sentido em que a agência a opera e se o futuro agisse no presente? Essa é a pergunta de 200 milhões de dólares (orçamento de “Tenet”).

Nesse ponto as críticas que fiz não mudam o fato de eu ter gostado de “Tenet”, a proposta de uma maneira essencialmente diferente de apresentar um enredo de viagem no tempo. Em filmes como “Exterminador do Futuro” e “De Volta para o Futuro”, o viajante entra e sai de pontos específicos da linha do tempo, mas independente dele estar 1965 ou 2015, o relógio avança, em “Tenet” não existe a possibilidade de pular por momentos específicos da linha do tempo, na verdade existem duas linhas temporais, uma em que o relógio avança e outra em que ele retrocede (tendo o nosso relógio como referencial, claro). Ao fazer isso, o longa-metragem acaba propondo uma maneira diferente de entendermos a ação do tempo. Isso é importante porque vivemos em um momento em que a extrema-direita tenta não só instrumentalizar o passado, reivindicando glórias inexistentes para justificar o nacionalismo sem sentido, mas também tenta desmobilizar a construção de um futuro melhor, porque muitas vezes tratamos o futuro como algo imutável, uma consequência inevitável do passado.

Podemos, a partir de “Tenet” tentar pensar o futuro como algo que está por ser construído e é, quem sabe, um lugar melhor.

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