Crítica | The Strokes - The New Abnormal

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Não seria nenhum absurdo dizer que os strokes são uma das bandas do século xxi que mais carregam o peso de seu próprio legado.

Talvez equiparados somente pelo Arcade Fire, a banda de Nova York atingiu sucesso de público e crítica no início dos anos 2000 com seus dois primeiros álbuns, “Is This It” e “Room on Fire”. Uma das bandas responsáveis pelo surgimento do indie rock como gênero, atitude e estilo, tanto em termos de som quanto de atitude, o impacto desses discos tornou-se a força e a fraqueza da banda. O desafio de superar-se nunca é fácil, especialmente quando parece que você largou do topo.

Ao longo das últimas duas décadas, foram erros e acertos. Se “First Impressions of Earth” tinha alguns de seus maiores e mais icônicos hits, mantendo a urgência da verdade da banda, pecava pela falta de unidade estética. Se “Angles” tinha o mérito de avançar numa nova direção, com boas composições, faltava na verdade da banda, que parecia estar mais preocupada em seguir tendências da indústria da época do que em produzir um trabalho que fizesse sentido conceitualmente. Seu último lançamento, “Comedown Machine”, de 2013, tinha mais experimentações sonoras do que “Angles”, e soava mais original e progressista do que todos os seus trabalhos da até então, mas não chegava a altura dos anteriores no que se refere à qualidade de composição das músicas. Parecia apressado, pouco finalizado, com muitos excedentes, mal acabado.

Se você acha que os Strokes estavam perdidos em “Comedown Machine”, nem gostou dos trabalhos solo que seus membros estiveram envolvidos ao longo dos anos 2010, provavelmente não vai gostar de “The New Abnormal”. Porque a banda não voltou atrás em relação ao som que estavam criando, mas o contrário disso, avançou.

No entanto, a opinião que você tem sobre “Comedown Machine” é determinante para definir o quanto você vai gostar de “The New Abnormal”. Nos sete anos que dividem esses dois projetos, muita coisa aconteceu nos Strokes. Hiato, projetos solo de seus membros, em especial a banda The Voidz, que conta com Julian Casablancas. Um EP novo, “Past, Present, Future”, uma turnê e, agora, o sexto álbum de estúdio. A relação do novo disco com “Comedown Machine” é simples: o disco de 2013 não foi muito bem recebido pelos fãs, nem pela imprensa. Foi dito que a banda estava “perdida de sua essência”, como se fazer algo diferente depois de tantos anos significasse que não há mais verdade naquilo.

 

 

Isso não significa que a banda tenha ido mais radicalmente em direção aos sintetizadores, guardado as guitarras, nem nada disso. Significa dizer que, o que havia de novo na energia e na vibe que os Strokes criaram em 2013, não desapareceu, mas amadureceu. Em “The New Abnormal”, temos novamente uma produção que usa mais recursos eletrônicos, sintetizadores analógicos, temas mais adultos e no geral, um BPM mais baixo. Porém, a banda equilibra com muito mais coesão esses novos elemntos com suas grandes virtudes, como a facilidade de criar excelentes riffs de Albert Hammond Jr., ou a o carisma vocal de Julian Casablancas. O vocalista, por sinal, está em seu ápice como cantor aqui. A década trabalhando com uma gama de artistas de gêneros diferentes e produtores de alto nível, incluindo a dupla do Daft Punk, claramente elevou sua técnica e performance. Tanto em timbre quanto em afinação e composição melódica, Julian nunca foi tão bom como vocalista dos Strokes como aqui.

Se “Comedown Machine” foi o adolescente rebelde que tentou de tudo um pouco e pecou pelo excesso, “The New Abnormal” é o jovem adulto que une suas novas ideias com suas velhas virtudes, e tem convicção do que quer tentar: mesmo sem ter a certeza de que isso vá funcionar.

O spoiler? Funciona.

Em uma entrevista no ano passado, divulgando “Margem”, seu álbum mais recente, Adriana Calcanhotto falou sobre fato de o disco possuir 9 faixas. Comentou que os álbuns de 9 faixas são imponentes, carregando uma espécie de responsabilidade no minimalismo de sua tracklist: quando você vai dizer menos, deve ser preciso, priorizar, deve dizer somente o essencial. Os Strokes não costumam lançar trabalhos muito extensos, mas é interessante que esse projeto seja o com menos faixas - mesmo não sendo o mais curto. A maioria delas é longa, se aproximando ou ultrapassando a marca dos 5 minutos de duração. Nesse ponto, sim, se difere de todos os projetos da banda até então. Cada música do álbum recebe o tempo que precisa para se desenvolver por completo. Não parece haver uma preocupação com o rádio, ou o hit, na maioria das músicas aqui. Os Strokes parecem estar fazendo música para si, porque gostam disso. E por mais que alguns possam condenar a atitude como egoísta, qual é o sentido da arte que não tem verdade artística?

Pela primeira vez em muitos anos os Strokes soam decididos e presentes em um álbum. De corpo e alma, não porque precisam, mas porque querem.

A primeira faixa já coloca as coisas em perspectiva: “The Adults Are Talking” o tema de crítica ao status-quo e ao mundo adulto, como se a geração acima nunca estivesse satisfeita, ou nunca concedesse aprovação. É uma música que dialoga com a história da banda, com as críticas que receberam da indústria, com a relação conturbada de Julian com seu pai. E com tudo isso, traz uma instrumentação minimalista, vocais cochichados nos versos, com espaço para um falsete excepcional no break, uma percussão eletrônica que poderia estar a qualquer minuto num novo single do LCD Soundsystem se buscassem recriar algo parecido com “Drunk Girls”. A faixa, divertidamente, se encerra com a seguinte frase:

|So let's go back to the old key, old tempo, everything

Assim, introduz a excelente “Selfless”, faixa que, de fato, dialoga muito com a energia e o estilo de alguns dos antigos hits da banda. Novamente, Julian tem momentos de brilho como no límpido “How did this fit in your story?”. Na verdade, a última frase de “The Adults Are Talking” introduz o resto do álbum como um todo. Exceto por essa faixa, e por “At The Door”, existe um quê de old key, old tempo, everything na maior parte das faixas de “The New Abnormal”. Só que essa influência do estilo antigo da banda está incorporado aqui sem forçar nenhuma barra, nem abrir mão dos novos caminhos que eles traçaram até aqui.

Talvez a maior diferença nessa fase mais madura dos Strokes seja o tempo que se leva para absorver e se deixar inundar por essas novas composições. Justamente pela familiariade que a banda já causa em qualquer fã, um hit rápido pode fazer falta para o ouvinte casual. Porém, é esse senso de clássico e novo nas composições e nos timbres trazidos pela banda nova-iorquina que torna seu trabalho mais recente relevante e passível de apreciação com mais audições.

Entre outros destaques do álbum estão faixas como a pseudo-progressiva, a curtida “Eternal Summer”; a influenciada por Daft Punk e The Voidz, sem deixar de ser Strokes, “At The Door”, melancólica e detentora de uma das letras e vocais mais sensíveis e profundos da carreira de Julian Casablancas; “Why Are Sundays So Depressing”, que começa simples como a preguiça de um domingo e acaba numa produção que remete ao que poderia ser uma faixa do Electric Light Orchestra, composta por Courtney Barnett e produzida pelo MGMT; sem esquecer “Ode To The Mets”, que fecha o álbum em tom épico, a banda prestando homenagem à sua história, uma das melhores linhas de baixo do disco, percussão enérgica, Julian realizando o velho desejo de escrever uma música tema para o New York Mets, time de baseball para o qual torce.

Existem alguns problemas no disco, não é um trabalho perfeito. Por mais que “Bad Decisions” seja uma boa faixa, e interpolação proposital de “Dancing With Myself”, talvez se beneficiasse de um pouco menos interpolação, dando mais atenção ao pós-refrão do que ao refrão. “Brooklyn Bridge To Chorus” brilha menos que os outros singles, “Not The Same Anymore”, mesmo sendo uma das melhores e mais íntimas letras do disco, entrega uma mixagem menos crua e visceral do que talvez pudesse ter. Além disso, se a banda quisesse, poderia ter trabalhado com mais afinco no conceito geral do disco, talvez produzindo uma narrativa mais rica se houvesse uma ligação mais profunda estre as ideias e temas que são abordados aqui. Contudo, esses pontos são detalhes. Não diminuem o valor geral do trabalho, nem tornam ele menos válido de ser ouvido e apreciado. Assim como os problemas de algumas das faixas não chegam perto de serem graves o suficientes para que alguma delas devesse ser removida, as 9 faixas do álbum são boas, e nenhuma parece passível de ser cortada. Seguindo a norma de Adriana Calcanhotto, essas 9 faixas são focadas, e dizem o essencial.

No fim das contas, “The New Abnormal” provavelmente não será consenso entre público e crítica, mas tem potencial para se tornar um dos álbuns favoritos dos Strokes para aqueles que entenderem, e apreciarem, a soma de fatores que puxa a verdade criativa da banda para frente, nos dias atuais.

E se há algo que une, com mais profundidade, o conceito do álbum, é o seu próprio título e capa. O que é “O Novo Anormal”? Um dia, cinco garotos do East Village grudados em qualquer copo com álcool, amarrando seus tênis Converse e fazendo um tipo de rock que ninguém conhecia, ainda, eram o anormal. Esse anormal tornou-se avassalador, o estopim do indie rock que tomaria conta dos anos 2000. Esses anormais tornaram-se ícones, índices e símbolos para uma geração inteira. Até não serem mais, de forma alguma, anormais.

The Strokes viraram algo maior que suas músicas e seu estilo, até se cansarem disso. Hoje, a música produzida pela banda parece mais ciente disso do que nunca. Apesar de manterem e ainda trazerem traços da energia e verdade daqueles jovens tocando guitarra, os Strokes se reconhecem e se apresentam como o “novo anormal”. O novo anormal são que os anormais de 2001 agora são pais, são errados e errantes declarados, são mais plurais e mais experientes, e detém fãs de sua idade, assim como fãs muito mais jovens, que não deixam de apreciar os temas mais adultos que a banda vem apresentando. O novo anormal é ver a troca do que é relevante no mundo da música e não se deixar mais destruir, nem ascender aos céus, pelo que é dito na internet ou nos tabloides.

“The New Abnormal” é sua própria capa, o quadro “Bird on Money”, de Jean-Michael Basquiat. Um pássaro que já voou e viu o mundo, que com sua pureza e simplicidade, se encontra em meio a tempestuosidade que é o mundo, cheio demais, agitado demais, voltado ao dinheiro. Assim são os Strokes aqui. Apenas uma banda. Fazendo música porque é o que gostam de fazer. Com simplicidade, cientes da loucura da indústria musical na qual estão imersos. Com simplicidade, se vendo em meio a esse caos e seguindo seus próprios chamados criativos.

Com simplicidade, chegando ao insight de que, após serem anormais, e deixarem de ser, estão livres para serem anormais de novo. Só que de outro jeito. O novo anormal.

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