Crítica | The Weeknd - After Hours

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Ao falarmos sobre Abel Tesfaye quase sempre deixamos de tocar em uma questão que vem definindo sua carreira: Ao analisar sua discografia, nos deparamos com uma pessoa com pouca - ou nenhuma - compreensão de quem é.

Essa é a verdade sobre The Weeknd e talvez o seu maior ponto fraco desde que entrou para cena mainstream musical. Não é surpresa que até hoje ele reflita em suas letras sobre tópicos que viveu em “Trilogy”, e ainda menos inusitado pensar que suas primeiras três mixtapes sejam sua Magnum Opus até o dia de sua morte, afinal, lá ele sabia quem era: um jovem depressivo e melancólico, sem nenhum lugar para chamar de casa senão o conforto que as drogas lhe proporcionavam.

Depois disso, passamos pelo frustrante “Kiss Land”, onde Abel tentou criar algo que se assemelhasse a um filme de terror inspirado em John Carpenter (“Halloween”), David Cronenberg (“A mosca”) e Ridley Scott (“Alien”) justamente por, como citava em entrevistas, não saber quem era naquele ponto de sua carreira e buscar de alguma forma representar o medo que sentia em forma de arte. Antes, o que era uma produção arrastada, suja e sombria, que por mais hipnótica que fosse servia como mera ferramenta pra voz mais narcótica ainda de Abel, aqui se mostra abatido num sentido nada atrativo, sendo completamente descartável em seu currículo.

“I'm that ni**a with the hair, Singing 'bout poppin' pills, fucking bitches Living life, so trill”

Em “Beauty Behind The Madness” ele se torna mais cinemático do que nunca. Voltando a abordar temas mais melancólicos e eróticos, desta vez injetando uma confiança em sua voz introduzida no primeiro single, “Earned It”. Aqui The Weeknd transitou para sua terceira persona. As mesmas experiências sexuais que eram retratadas através da dor em um estado quase alucinógeno em Trilogy aqui é explorado de forma explícita e com consciência de alguém que afirma: minha droga favorita hoje é o sexo. Quase em estado de fascínio por transar - não a toa que veio a se tornar o grande porta-voz das playlist sobre o assunto - quando menos viu sua imagem já estava relacionada com “50 tons de cinza” e a glamourização por jovens que pareceram ter descoberto tanto sexo quanto The Weeknd ao mesmo tempo o ajudaram a tomar conta do mundo. Nem Miguel, nem Usher ou Gaye. Nunca ninguém pareceu ter tanta urgência em falar sobre suas experiências no assunto.

Por último, em “Starboy”, sua despedida oficial da vida underground e mais uma mudança de persona, Abel cortou seu cabelo (uma de suas principais características) e abraçou o status de estrela do pop.

Enfim chegamos a 2020 e o resultado de todo esse caminhado trilhado por Abel Tesfaye foi o mais positivo possível: Em “After Hours” ele parece aceitar o fato que nunca mais conseguirá abordar antigos temas da mesma forma, com o mesmo apelo que uma vez já soou tão irresistível. Ele não é mais o mesmo e finalmente se mostra confortável com isso - apesar de algumas recaídas - explorando os diversos âmbitos que sua voz pode levá-lo, nesse caso, um pop psicodélico (Kevin Parker, aka Tame Impala, é creditado na produção do álbum), tomado pelo “dance” oitentista, encharcado de sintetizadores.

Como mudança imediata, Abel demonstra eloquência e vulnerabilidade para falar com delicadeza sobre amor, coisa que não havíamos visto até então. A linda melodia de “Hardest To Love” expõe um homem completamente arrependido de seus erros dentro de um relacionamento. Em “Scared To Live”, novamente excedendo em fragilidade e honestidade em relação ao seus sentimentos, Abel dá vida e romancismo a uma balada que chega a lembrar melodicamente o segundo refrão de “Your Song”, de Elton John. Seguindo essa linha mais indefesa em relação aos sentimentos, Abel romantiza o hedonismo absoluto que prezou durante tanto tempo em “In Your Eyes”. O prazer claramente ainda é o apogeu das sensações mundanas, mas dessa vez, ao invés de linhas de baixos intensas e obscuras, vem carregado de um contagiante saxofone que explode antes do último verso da música. Toda essa vulnerabilidade culmina nele se pondo em uma posição passiva e indefesa dentro de uma relação, claramente apaixonado, na melhor música faixa do álbum, Blinding Lights, quando canta seguido pela euforia dos sintetizadores e do “tempo” da música: I've been tryna call, I've been on my own for long enough, Maybe you can show me how to love, maybe.

”Snowchild”, “Escape From LA”, “Heartless” e “Faith” são as recaídas temáticas de Abel dentro de uma história cinemática de um anti-herói apaixonado e sombrio que foi construída e mantida durante quase todo álbum. As primeiras duas tendem a um R&B suave aos ouvidos e é algo que já estamos acostumados a ver o cantor fazer em seus dias menos inspirados. Já as próximas duas, ambas produzidas por Metroboomin, são dois bangers, e pelo ponto de vista comercial se torna entendível estarem no álbum, sendo “Heartless” uma das melhores faixas.

Mas é o dance e a influência dos anos 80 que predominam aqui. “Save Your Tears” de forma mais otimista e “After Hours” de maneira mais sombria ainda tratam sobre relacionamentos e onde, de forma polarizada (com The Weeknd buscando um entusiasmo complacente na primeira e uma melancolia “noir” na segunda), o cantor consegue voltar a ser fascinante de uma maneira inédita. Ao achar uma nova persona para viver, The Weeknd se mostra confortável para abraçar todos os rótulos que lhe foram impostos e ao mesmo tempo não se apropriar de nenhum. Ele já foi o cantor que incitava sexo; ainda o faz, mas com uma abordagem completamente diferente. Recorrentemente comparado a Michael Jackson e como seu possível substituto, hoje ele nos apresenta um álbum mais pop e oitentista do que nunca, mas sem ceder a tentativa de copiar o Rei do Pop.

Talvez, de uma vez por todas, o cantor esteja confortável com quem ele se tornou e entendeu que tudo que passou não deve o definir para sempre. Que fique ressaltado o talvez, porque mesmo com tantos esforços, ainda é difícil prever como seguirá sua carreira.

O corte de cabelo indicando uma transformação em 2016 aconteceu, mas a mudança de fato acabou ficando em um plano figurativo. A redenção de fato do cantor aconteceu apenas em 2020 e dessa vez há verdadeira - e inquestionável - beleza por trás da loucura de Abel Tesfaye.

8,2

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