Crítica | O Preço do Amanhã
A ficção-científica é um dos meus gêneros favoritos no cinema, tendo produzido alguns dos trabalhos que mais admiro.
Sou um fã confesso, também, de vários de seus subgêneros, como o espacial (“2001”, “Star Wars), o alienígena (“Alien”, “A Chegada”), o psicológico (“Ex-Machina”, “Her”), o distópico (“Blade Runner”) e o “futuro próximo”, porém este último frequentemente entrega obras que não cumprem todo o potencial que possuem.
É o caso deste “O Preço do Amanhã”, um filme mediano que já assisti uma boa dúzia de vezes e que sempre acaba me puxando de volta - digo, quando está passando na televisão, o que é quase toda a semana.
Escrito e dirigido por Andrew Nicccol, que roteirizou um dos melhores filmes dos anos 90 (e um de meus favoritos de todos os tempos) em “O Show de Truman”, o longa se passa em 2169, quando os seres humanos são geneticamente modificados para pararem de envelhecer aos 25 anos, idade em que um relógio, marcando um ano, começa a contar em seus braços. Nessa sociedade, o tempo se tornou moeda e status, sendo que aqueles com mais tempo moram em zonas específicas e são essencialmente imortais, enquanto os mais pobres tem de viver com menos de um dia em seus relógios. Obviamente, quando o relógio de alguém chega a zero, a pessoa morre.
Essa premissa já se mostra, instantaneamente, intrigante e problemática, pois duas horas e meia seriam pouco para desenvolver todos os temas que ela traz, o que dirá os curtos 109 minutos desta projeção que parece mais dedicada à uma história ala Bonnie & Clyde do que ao que poderia torná-la realmente especial, que é o componente cerebral.
Seguindo a jornada do jovem Will Sallas (Justin Timberlake), vemos como sua ascensão na sociedade - de forma honesta - incomoda não apenas aqueles no topo da mesma, mas todo o sistema que predetermina que pessoas não consigam trocar de estilo de vida. A discussão de classes proposta é válida e levemente bem executada, mas mais por pequenos detalhes que provam o quão talentoso Niccol é, do que pelo grosso do roteiro. Por exemplo, nas zonas mais ricas, as pessoas andam mais devagar, nas mais pobres, todos estão sempre com pressa, e basta olhar para como nossas metrópoles são construídas para se constatar a mesma coisa. A senha de um cofre é o aniversário de Darwin, exemplificando como um rico em particular se considera a evolução da raça humana, e o fato deste cofre gigante ser usado para uma pequena máquina - com um milhão de anos estocados - é uma visão que podemos constatar olhando para os celulares em nossas mãos.
Mas o filme perde mais tempo nas dinâmicas entre Will e Sylvia (Amanda Seyfried), fugindo de tudo e de todos, do que desenvolvendo estes temas interessantes, tanto conceitual como visualmente. Pois se a cinematografia de Roger Deakins é fabulosa, ressaltando os tons lavados e estéreis - percebam como o céu é constantemente branco - daquele mundo futurista, mas retrô, Niccol até se mostra competente em criar uma misé en cene atrativa, mas falha em conceber imagens e cenas marcantes, enfraquecendo consideravelmente o valor do filme, também, como blockbuster. Porém, o design de produção minimalista e o uso de efeitos práticos tornam “O Preço do Amanhã” em uma tarefa extremamente fácil de se cumprir. É um belo filme de se olhar.
Já do ponto de vista de seus temas, é uma pena que todo o conceito do tempo seja abordado de forma tão rasa - como é feita a mudança genética? Os ricos ainda tem de comer? É possível morrer de doença? Por que os cientistas permitiram a possibilidade de se “roubar” tempo? E os animais? -, mas, de longe, o que mais me deixa inquieto é como Niccol não consegue se utilizar do fato perturbador que é um mundo onde Olivia Wilde é mãe de Justin Timberlake - e ele até escreve o diálogo onde o pai de Sylvia sugere que Will não sabe se ela é sua mãe, esposa ou filha, mas só.
Inclusive, as atuações são prejudicadas por levarem o filme mais a sério do que o próprio se leva, e quase conseguem adicionar camadas a personagens interessantes, mas, assim como a narrativa que protagonizam, rasos. E se Timberlake e Seyfried não tem nada de química, Cillian Murphy prova porque é um dos atores mais subestimados de sua geração compondo um tipo clássico do noir - outro elemento que definitivamente faltou aqui.
Um roteirista mais do que talentoso, Niccol poderia ter feito desse mais uma obra prima do gênero caso se permitisse trabalhar com mãos mais hábeis na direção. Imagino o que os irmãos Nolan não conseguiriam fazer aqui, adicionando tanto camadas extras ao roteiro como um dinamismo essencial na narrativa visual, ou até mesmo alguém como Rian Johnson e Alex Garland, cada um com seus estilos diferentes de abordagem.
Porém, “O Preço do Amanhã” - e o título brasileiro é melhor que o original - é o que é, e não o que poderia ser.