Crítica | Dua Lipa - Future Nostalgia
“I know you ain't used to a female alpha”.
O sentimento de fascínio em relação a voz de Dua Lipa sempre esteve presente em mim, embora, há 3 anos, de forma muito mais comedida. Hoje, o appeal em sua voz, que sempre foi perfeitamente harmônico com os temas abordados por ela em seu primeiro álbum autointitulado - predominantemente empoderamento feminino, autoconfiança ou como sair do luto de um término da maneira mais otimista possível - desabrocha por completo. Seu timbre forte, com certa rouquidão, e as performances vocais se tornaram absolutas e consistentes - permanentemente carregando certa arrogância, encaixando perfeitamente com as mesmas temáticas que ainda são seu carro chefe – sendo espantosamente otimizados pela artista de apenas 24 anos em seu segundo projeto.
Tendo isso em vista, é como se tudo no mundo contribuísse para o sucesso de Dua Lipa, o que não necessariamente significa que ela iria. Há certos cantores que vivem e morrem por almejar sucesso comercial acima de qualquer coisa e, consequentemente, optam por acessibilidade a qualidade ao decorrer de suas carreiras. Nesse sentido, se buscarmos canções mais “amigas do rádio” do que “New Rules” e “IDGAF” nos últimos 10 anos, não vamos achar muitas. O ponto focal disso é destacar que apesar do potencial presente na voz de Lipa, ela poderia, como tantos no ramo, se tornar esquecível com o tempo. Não se enganem: apesar de “New Rules” ter tido a expressividade que teve e ser considerado o hino que foi, musicalmente falando se tratou apenas de um eletro-pop genérico. Todos lembram de “Closer”, mas quem liga pros Chainsmokers em 2020?
Eis que, quase 3 anos depois, temos o substituto do maior hit da cantora até então, que toma conta do mundo da mesma maneira que sua predecessora, mas possuindo dessa vez, contudo, um corpo musical oposto. Em “Don’t Start Now” (trabalho completamente diferente de tudo que ela havia feito até então), a busca pela utilização dos mais diversos instrumentos, muito bem organizados na mixagem da faixa, fica clara. Dua Lipa deu adeus ao apego industrial de beats processadas em uma máquina e tratou de uma forma mais sexy e cativante sobre os tópicos que domina, perpetuando assim o hype gigantesco fomentado em torno de seu novo projeto.
Hoje, com o álbum em mãos, percebemos que é nesse sentido que Lipa talvez tenha criado - assim como The Weeknd em “After Hours” - algo que vai ditar a fisionomia da música Pop pelo próximo ano.
Funky, com baixos marcantes, um tempo acelerado e comandado por sintetizadores (marcas evocativas dos anos 80), a cantora dá vida a uma atmosfera nostálgica e ao mesmo tempo futurista (como seu título sugere), de liberdade vocal tanto para ela quanto para seus ouvintes - afinal as letras são simples e diretas- e de independência para o corpo. É praticamente impossível impedir-se de dançar durante grande parte dos 37 minutos de álbum.
Dua Lipa abre o LP de maneira perfeita. Future Nostalgia, a música, é eletrizante. Carrega em sua performance um Q da imodéstia sexy de Justin Timberlake em “Future Sex/Love Sounds”, com a produção excepcional de Jeff Bhasker (que cuidou de várias das maiores faixas de Kanye West, Lana Del Ray e Harry Styles, além de Uptown Funk), além de contar com uma confiança que parece de berço: “I can't build you up if you ain't tough enough, I can't teach a man how to wear his pants” (haha).”
A enfática “Physical”, interpolando a música de Olivia Newton-John, evoca o pop oitentista em sua melhor forma, destacando um aspecto deslumbrante sobre “Future Nostalgia”: Dua Lipa não faz questão de esconder o que lhe inspira para tentar achar sua própria voz. Ela se deixa ser guiada e se torna consequência destes modelos. Durante o percurso de suas 10 faixas, claramente consegue absorver o melhor dos subgêneros do Pop e ainda navegar por diversas pautas sobre empoderamento feminino - como já mencionado, seu carro chefe. Encontrar sua própria bandeira e seus principais atributos e juntá-los é algo claramente orgânico.
Nesse sentido, entendemos que Future Nostalgia não está aqui necessariamente para mudar o jogo, afinal o Pop pode ser mais dinâmico que uma corrida de 100 metros ou o humor de Kanye West, mas sim para afirmar Dua Lipa como o ícone feminino que a mesma indicava que poderia ser. Vagueando de Madonna a Robyn, a artista fermenta a ideia de ser a estrela Pop provocativa que incita absolutamente todos a se perderem dançando e a desejando, e que, mesmo com a qualidade gigantesca de seu segundo álbum, guarda muito potencial para um futuro muito próximo - “Cool” e “Boys Will Be Boys” ainda caem num conceito musical mais raso, soando muito triviais lírica e instrumentalmente, então sim, há espaço para melhora.
O fato da música de encerramento contradizer a narrativa do álbum até certo ponto incomoda, mas com certeza se torna irrelevante ao pensarmos na obra em sua totalidade. Dua Lipa saiu completamente de sua zona de conforto porquê quis. Trouxe muitos instrumentos novos para suas composições, trabalhou com Nile Rodgers e cresceu como artista por livre e espontânea vontade - o que agrega muito à premissa de quem ela se vende como musicista.