O que é a greve IATSE que pode parar Hollywood nos próximos meses?

Nessa segunda-feira (04) o sindicato que representa trabalhadores/as da indústria cinematográfica FOI autorizado a chamar uma greve da categoria.

A IATSE é o sindicato responsável por representar trabalhadores de diversas áreas do entretenimento incluindo cinema, TV, teatro e videoclipes, com exceção de atores, roteiristas, diretores e produtores todas outras pessoas envolvidas em produção estão associadas a ele, são pelo menos 150 mil membros nos Estados Unidos e no Canadá. Em média, 70% das pessoas envolvidas com cada produção são vinculadas as áreas técnicas, isso significa que uma greve dessa categoria pararia completamente diversas séries, filmes e demais programas de TV.

Em 2021 se encerra o acordo vigente da categoria com a TV aberta e os serviços de streamming e as produtoras se retiraram da mesa de negociação coletiva por não concordarem com as demandas pedidas. A autorização de greve não significa uma imediata paralisação das atividades, mas pressiona os representantes dos estúdios (AMPTP) a voltarem para a conversa e negociarem o próximo acordo, recentemente os outros sindicatos da indústria cinematográfica manifestaram solidariedade à greve, incluindo o DGA, SAG e WGA, que representam diretores, atores e roteiristas respectivamente, além deles, mais de 200 parlamentares dos EUA enviaram carta à AMPTP pedindo que retomem as negociações com os sindicalistas. Seria a primeira greve da categoria desde 1945 e a principal mudança desde lá foi a entrada dos streammings.

Durante esse fim de semana, quase 90% de todos afiliados do Sindicato votaram sobre a autorização de greve e mais de 98% disseram Sim a paralisação, reforçando o massivo interesse da base da IATSE nas negociações.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS PAUTAS?

Streamming:

O acordo vigente para os serviços por demanda é de 2009, na época, o mercado estava começando e por isso foram negociados valores abaixo do mercado com as empresas do ramo, hoje Netflix, Amazon, Disney+ e HBO Max têm assinantes na casa dos centenas de milhões nos EUA e ao redor do mundo e são os maiores produtores de séries, o mercado onde estão empregadas o maior número de pessoas na indústria. Por isso, a IATSE reivindica que os benefícios pagos pelas empresas bilionárias para seus funcionários sejam adequadas à quantidade de trabalho e aos lucros de corporações como Amazon e Apple.

Além disso, os chamados ganhos residuais entram na mesa, eles representam o que os estúdios ganham pelo conteúdo mesmo após seu lançamento. Hoje, um filme depois que sai dos cinemas segue faturando porcentagens para as produtoras por estarem disponíveis nas plataformas por demanda, os membros da IATSE reivindicam uma parte dessa renda seja para eles. Outras categorias já têm participação em ganhos residuais, a partir dos acordos coletivos feitos pelos seus sindicatos, então é legítimo que os demais trabalhadores tenham os mesmos direitos.

Na última sexta-feira (30 de setembro), foi anunciado que a Disney vai pagar um valor não-revelado para a atriz Scarlett Johansson após ela ter ingressado na justiça contra a companhia alegando que foi prejudicada pelo lançamento de “Víuva Negra” simultaneamente nos cinemas e no Disney+, a atriz alegou justamente que os ganhos residuais previstos em seu contrato foram reduzidos pelo modelo de exibição escolhido pela distribuidora. Esse processo acendeu um alerta em outros realizadores e pode ter outros desdobramentos, inclusive nas negociações com a IATSE.

Horas de trabalho:

Outra reivindicação com as produtoras é a mudança na jornada de trabalho, hoje se deve descansar 12 horas por cada 12 horas trabalhadas, mas na realidade o dia de trabalho no set tem mais de 14 horas sem intervalos para alimentação, para diminuir os custos de produção e para cumprir as regras de descanso, os outros dias de trabalho começam mais tarde, levando as sextas-feiras a começarem durante a tarde e se estenderem até a manhã do sábado, na prática acabando com o direito ao fim de semana. Os sindicalistas apontam também que esses horários levam ao cansaço elevado da categoria, o que aumenta o risco de acidentes no set e fora dele, visto que os estúdios dificilmente oferecem meios de locomoção aos trabalhadores que voltam para casa dirigindo após 14 ou mais horas trabalhando.

Salários dignos:

A reivindicação pelo aumento no valor do pagamento para quem trabalha na indústria é central e tem sido repercutida por muitas categorias e figuras públicas, além da melhoria nos benefícios, a IATSE reivindica aumento no salário-base. Além da dignidade no salário, essa pauta toma o centro da discussão no momento em que as Big Techs entram com força no mercado de entretenimento, escancarando os lucros imensos dos empresários no setor e o quão abaixo os trabalhadores da parte técnica recebem em contraste.

O MUNDO ESTÁ DE OLHO.

A última grande greve em Hollywood aconteceu em 2007-08, na época os roteiristas pararam massivamente e uma das principais pautas já eram as chamadas novas mídias, leia-se os serviços por demanda ou streammings. Mas muito mudou desde então, Netflix, Amazon e outros grandes de assinatura produzem no mundo inteiro, a Netflix tem tornado uma de suas bandeiras as produções de fora dos EUA, especialmente na Espanha e na Coreia do Sul, para o Brasil também o serviço tem reforçado os produtos domésticos, recentemente lançou o Almanaque Tudum no Brasil com grande foco nas séries, filmes e também nas estrelas nacionais vinculadas à empresa. Nunca antes os estúdios de Hollywood produziram em tantos lugares do mundo, fica a dúvida se isso pode afetar quem trabalha para essas empresas a partir de outros países e se essas pessoas terão a mesma capacidade de demandar seus direitos. Além disso, hoje no mundo as longas horas de trabalho com baixa remuneração são regra na indústria cinematográfica, uma vitória da IATSE pode estabelecer novo piso para a categoria globalmente, por isso também é importante com atenção o que ocorre nos EUA.

E O QUE VAI ACONTECER AGORA?

Com um comparecimento tão alto da categoria para votar a favor da greve, as produtoras devem saber que se continuarem se recusando a colaborar uma paralisação massiva vai acontecer. E os afetados serão dois dos principais veículos de consumo de conteúdo dos estúdios nos EUA, a TV aberta, incluindo programas de auditório, reality shows e programas de debates onde estão os anunciantes e os serviços por assinatura, se em 2008 a greve de quatro meses abalou por alguns anos as produções de Hollywood, temos aqui um potencial de abalar ainda mais a indústria, especialmente no momento em que se indicava que as produções poderiam voltar a certa normalidade em relação ao período do começo da pandemia. Nos Emmys de 2021, que foram entregues há poucas semanas, 76 estatuetas foram para distribuidoras que seriam afetadas diretamente pela greve, sendo 44 para Netflix, e isso está também no centro da disputa, pois o sindicato usa esse número para reforçar o quão essencial são seus representados e demandar respeito de quem lucra e ganha prêmios com seu trabalho.

Mas é importante observar que apenas a retomada da mesa de negociação não é nenhuma garantia de que a greve não aconteça, como em toda negociação é provável que os dois lados tenham de fazer concessões. Há um clima bastante favorável para a IATSE esticar um pouco mais a corda e sair com uma boa vitória ou realizar uma greve histórica.


Fontes: Slashfilm, Deadline, Variety, The Hollywood Reprter, CNBC e BBC.

Anterior
Anterior

Crítica | A Bela da Tarde

Próximo
Próximo

Crítica | Dente Canino