Crítica | Dente Canino

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A estranheza de “Dente Canino” pode ser percebida já em sua premissa e no nome de seu diretor.

Em seu terceiro filme, o grego Yorgos Lanthimos lançou uma obra destinada ao fascínio por aqueles que procuram novas maneiras de se chocar com o Cinema. O que irão encontrar, no entanto, é algo que vai além… ou talvez nem saia do lugar.

Gostando ou não de seu Cinema, o controle de Lanthimos sobre a mise-en-scène é evidente. Ao filmar uma família criada sem o contato do mundo exterior, por conta de um pai que jamais entendemos direito, o diretor cria uma atmosfera que não apenas se afasta, mas rejeita a ideia de uma estranheza fabricada e auto-consciente. “Dente Canino” é um filme que simplesmente não se importa com o que quer que seja externo, resolvendo todos os seus elementos em torno dessa ideia de isolamento sem medo de soar caricato ou excêntrico em excesso. As cores lavadas, quase monocromáticas, os planos que cortam cabeças e membros, a própria encenação dos atores que tem de desconstruir o comportamento humano básico para dar vida aos personagens que encarnam.

Em uma cena o filho pergunta a mãe: o que é “zumbi”? Em outra, genial, uma das filhas pergunta o que é “xoxota”. “Uma Lâmpada”, a mãe responde. Nesses momentos mais óbvios, a abordagem até se mostra frágil, pisando em terrenos já explorados antes, de Buñuel a Von Trier (curiosamente, ambos em filmes com “Dog” no nome), mas o saldo no final é crível o suficiente. O mundo que aquelas pessoas habitam é diferente do nosso, e tudo em sua estética remete ao absurdo que é o experimento ao qual são submetidos, criando não um surrealismo, mas uma realidade alternativa mesmo.

Mas esse virtuosismo técnico - se é que pode ser chamado disso, afinal, por mais sofisticada e pensada que seja, é uma unidade estilística composta por recursos simples, que você pode reproduzir em casa com uma câmera mais ou menos - não necessariamente significa qualidade narrativa. Esta (a narrativa), me parece inconsistente em diversos pontos, da falta de conflitos externos, à esterilização da única personagem que se infiltra naquela casa - ela parece mais um membro da família do que uma forasteira. E não seria tudo apenas o exercício pelo exercício? As alegorias da Caverna de Platão, o comentário sobre a estruturação patriarcal familiar e o anti-homeschooling são evidentes, mas nada que não se tornasse profundo já em sua premissa. Por que, então, o filme? O que ele faz além de chocar com uma situação que já carrega em si todas essas questões?

A resposta mais racional seria supor e tornar visual o que fica apenas na indagação, mas por qualquer motivo esse impacto foi se perdendo em mim a cada nova lambida, com cenas se repetindo e, por conta disso, tirando o peso das anteriores. Há quase um fetichismo bem macabro nas relações sexualmente problemáticas que surgem daquele problema, chocando menos do que me fazendo perguntar: tá, eaí?

Há, ainda assim, algumas questões que martelam mais, como o treinamento do cachorro que talvez indique a ideia geral do pai com o experimento e, é claro, com o plano final, a liberdade sendo representada por um porta-malas fechado. Mas, de novo, e depois? O que um ser completamente alienado faria andando por aí? Outros filmes fizeram isso de maneira melhor, de “O Quarto de Jack” que mostra esse descobrimento pós libertação à “Ex-Machina”, que com sua pseudo-esperteza-cômica faz o experimento em si ser o suficiente.

Yorgos Lanthimos está fadado a um sucesso retroativo que deve superar tanto Von Trier como Haneke e, quem sabe, Buñuel. Suas premissas vão além do intrigante, mas não é sempre que cumprem seu potencial ou, sequer, justificam sua execução.

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