Crítica | Metrópolis e a breve história do Cinema
Cada vez menos acredito no conceito de “envelhecimento” na arte. Se uma obra é lançada, ela é nova para o período em que foi lançada e provavelmente se enquadra nas tendencias estéticas daquele período. No Cinema, como em qualquer outra forma de arte, o que há é uma diferença (evolutiva ou não) na linguagem: um filme de 2021 não é melhor que um filme de 1921 porque tem uma tecnologia melhor, mas sim se usar a linguagem a seu dispor de uma maneira superior em relação ao filme o qual é comparado. Se existem filmes “eternos”, é porque usaram a linguagem tão bem que seguirão funcionando após revisitarmos e explorarmos ao máximo tudo que oferecem.
Olhando do ponto de vista do espectador, e não da obra, é algo similar. Alguém acostumado com o Cinema ocidental, principalmente com o Cinema comercial ocidental, dificilmente conseguirá aproveitar um filme contemporâneo dirigido por Apichatpong Weerasethakul, Béla Tarr, Lav Diaz ou Pedro Costa, justamente por usarem a linguagem de uma maneira totalmente diferente, dentro das mesmas possibilidades tecnológicas. Mas com estudo e dedicação (em suma, assistindo filmes), é possível abrir a mente para estas outras formas de se fazer Cinema, e acredito que o mesmo valha para filmes antigos. Não que eu sequer ache que eles existam mais - afinal, os 150 anos do Cinema são uma mínima fração de tempo perto da Literatura, Pintura, Escultura, Arquitetura e Teatro.
Pois bem, tentei assistir “Metrópolis”, obra prima de Fritz Lang e um dos filmes mais influentes de todos os tempos, em 2020. Não durei cinco minutos. Mas ao invés de sair dizendo por aí que o filme era “datado”, ou de tentar descreditar seu tamanho na história da sétima arte, aceitei que ele ainda não era pra mim.
Pois bem, voltei a “Metrópolis” recentemente, em 2021, após um ano de estudos, mais de 500 novos filmes assistidos e, principalmente, a viagem que fiz aos primórdios do Cinema, desde suas primeiras imagens filmadas, aos primeiros curtas e longas. Ainda tenho muito o que assistir e aprender, mas já posso dizer que “Metrópolis” se tornou uma das minhas ficções científicas favoritas.
Talvez não ame tanto quanto a dupla de “Blade Runners”, “Et”, ou “2001”, filmes que inevitavelmente conversam mais com o Cinema que cresci junto, mas as mais de duas horas foram uma experiência não apenas prazerosa, mas marcante e reveladora. Exigente ao extremo durante as filmagens, Lang nos imerge em um mundo feito de miniaturas e efeitos então inovadores de câmera que davam a ilusão de atores ocupando tais miniaturas, mas tão - ou mais - importante quanto os aspectos técnicos é sua atenção às possibilidades conceituais e dramáticas da história que conta. Alegórico e socialmente crítico ao sistema de castas no qual a sociedade sempre operou, Lang cria um filme futurista que tem uma mensagem clara: a tecnologia nunca virá como solução para os problemas, apenas como forma de mascará-los ainda mais para aqueles no topo da torre.
Se torna gritante então a progressão narrativa da abordagem: se a primeira cena do jardim parece um sonho tão perfeito que soa falso, as últimas mostram um caos social que as imagens refletem tão bem. Vemos não apenas o que ocorre com os protagonistas, mas com as milhares de pessoas que habitam aquela cidade, com o filme construindo uma relação clara entre a coletividade e o individualismo, este idealizado na forma da andróide (se algo envelheceu foi a dança que, pelo que parece, era incrivelmente sensual na época) que morre de maneira tão evocativa. Sugerindo sempre que é preciso primeiro uma revolta, para então o diálogo ser possível, Lang faz um filme que surge como uma resposta para os anos seguintes da Alemanha - talvez aí também sua atemporalidade.
Há um moralismo evidente, há também um otimismo que talvez tenha se perdido conforme o gênero avançou, mas tudo conversando com a constatação final de que as mãos e o cérebro podem trabalhar em união. Mas chega a ser louvável que, apesar de apaixonado, é ao ver a realidade das entranhas de “Metrópolis” que o protagonista decide questionar sua vida até então perfeita, algo que infelizmente também parece ter se perdido (“Interestelar”, oi).
Enfim. “Metrópolis” segue sendo influente em diversas formas de Arte, não apenas por sua iconografia, mas pelos ideais que tinha e que ainda podem - infelizmente - ser aplicados hoje. Porém, quase 100 anos depois, nada disso importaria se não fosse artisticamente impressionante o suficiente para sobreviver ao teste do tempo. Basta olhar com os olhos certos.