Crítica | Elementos
Uma comédia pouco romântica.
Com estrutura episódica, muita aventura e construção de um mundo estranho, “Elementos” acerta mais causando estranheza do que paixão.
Foi boa a sensação de voltar a ver um original da Pixar no cinema. Desde março de 2020 na porta da pandemia com o esquecível “Dois Irmãos” isso não acontecia. De lá para cá o estúdio lançou três excelentes produções “Soul” (2020), “Luca” (2021) e “Red” (2022) diretamente para o streaming e o sofrível “Lightyear”(2022) que teve uma passagem reduzida pelos cinemas. Mas o que essa sequência mostra é a continuidade do desejo de contar histórias originais sobre momentos verdadeiros da nossa vida explorando mundos próprios com visuais, escalas, cores e física próprias. A escolha dos elementos pré-socráticos para dar forma a esse mundo e a história de amor é talvez a mais estranha em todas que os criadores do estúdio já fizeram (que inclui sentimentos, carros, insetos e brinquedos) porque todo trabalho dos animadores para criar expressões faciais e corporais para os personagens não muda o fato que estamos vendo borrões amórficos coloridos com rostos em tela.
“Elementos” é uma comédia romântica principalmente, mas também é um melodrama familiar com um tanto de aventura. Centrado na história de Faísca uma jovem moradora da periferia da Cidade dos Elementos que os pais imigraram da Terra do Fogo onde abriram uma loja que a protagonista um dia vai herdar (a lição de moral é sutil como um incêndio florestal). Ela conhece um fiscal da prefeitura feito de água chamado Gota D’Água e apesar de serem opostos eles se apaixonam. Abordando as complexidades da vida dos imigrantes o longa mistura a estrutura hollywoodiana da comédia romântica com melodrama que poderia ser encontrado em diversas culturas que fizeram movimentos de migração mais recentes para os EUA como as telenovelas latinas ou os K-dramas.
A principal peça de promoção para o filme que passou como trailer por meses no cinema e circulou nas redes sociais era um teaser muito simples que mostrava a protagonista andando num vagão de metrô cheio de personagens dos outros elementos. A função dele era nos apresentar o mundo do longa-metragem, como funcionariam as interações e as formas físicas para terra, água, fogo e ar, e joga o dilema do paixão entre os elementos opostos. Essa cena não está no filme, mas a imaginação entre como um mundo seria construído com esses elementos está. É notável o trabalho para nos mostrar grandes e pequenas ideias para esse mundo: as pessoas de ar se transportam em zepelins que enchem e murcham conforme sua ocupação, os personagens de água se diluem em corpos de água maiores e os personagens de fogo têm interações destrutivas com o ambiente na sua volta.
A vontade de mostrar todo o trabalho para idealizar, construir e animar esse mundo talvez resulte em uma história tão episódica, a jornada do casal se dá em pequenos momentos que parecem ter sido construídos separadamente, cada um impondo um desafio diferente para eles que também destaca pontos diferentes para suas personalidades. Tem várias pequenas sacadas engraçadinhas que mais atrapalham do que ajudam, mas se criam bons momentos como a cena em que Gota D’Água tenta impressionar Faísca fazendo um arco-íris na água causando um forte impacto visual e o grande momento em que os dois se tocam pela primeira vez, o som do filme sobe para um barulho de água fervendo e vemos uma imagem um tanto abstrata em detalhe de fogo e água se tocando sem se destruir, é um dos vários momentos que o que acontece da tela foge totalmente do controle de “Elementos” e apenas me fez sentir impressionado com o que estava vendo.
E para mim essa é a grande questão de “Elementos”. Parece que o diretor não tem nenhum controle em quão esquisito é o filme que ele fez. Lembra momentos de “Rocky Horror” (1975), “Speed Racer” (2008) e “Cats” (2019) uma expressão infinita de formas e cores sem muita lógica interna. Mas na realidade a vontade que esse filme tem que de me fazer criar qualquer empatia por esses personagens é instigante, eu gosto desses três filmes esquisitos que mencionei a cima e não tenho como não abrir lugar no coração pra mais essa besteira. A estrutura de um filme da Nora Ephron que conta inclusive com a grande declaração romântica em frente a família de Faísca que seria algo tão humano e racional é derretida por um visual que não faz nenhum sentido. Talvez cair em um mundo que não faz nenhum sentido seja a experiência da imigração, algo tão importante para o diretor e para história de “Elementos”.