Crítica | A Noite das Bruxas

Diversão e mistério no centro da nova onda de hollywood.

Kenneth Branagh melhora e faz um bom filme depois de muitos anos.

Dois diretores em Hollywood hoje estão trabalhando em franquias de mistério (por enquanto). Um deles é muito aclamado por filmes que se tornaram referências na última década como “Looper” e “Star Wars 8”, o outro se destacou nos anos 90 com adaptações de Shakespeare mas seus trabalhos mais recentes como “Belfast”, “Cinderela”, “Thor 1 e 2” são abaixo da média do mau cinema. Então é fácil imaginar qual deles desenvolveu a melhor série de filmes de detetive né? Kenneth Branagh.

O novo filme de Hercule Poirot mostra que o diretor melhorou seu trabalho com a obra de Christie e aprendeu a focar naquilo que faz a obra da autora tão icônica em primeiro lugar: diversão. e mistério. Se nos anteriores “Assassinato no Expresso do Oriente” (2017) e “Morte no Nilo” (2022) ele ficou preso a um elenco sobrecarregado de celebridades e a literalidade de Christie, em “A Noite das Bruxas” ele se liberta de tudo isso e busca uma relação mais honesta com o público, muito mais próximo do espírito da obra de Christie e não do seu texto.

Apesar de baseada em “Dia das Bruxas”, a produção de 2023 utiliza apenas algumas tramas e personagens, e mistura com outras histórias de Christie livremente, demonstrando um amadurecimento impressionante na carreira de Branagh. Na sua fase de adaptações de Shakespeare foi notável seu apreço por traduzir literalmente a literatura para o cinema. Mas em “A Noite das Bruxas” ele se interessa por falar sobre outras coisas além do que já está no texto. Ele busca através das imagens refletir sobre a mecânica da vida, ainda que suas reflexões não sejam muito profundas, é nítido que está trabalhando em algo maior usando a racionalidade do Poirot para questionar a ordem das coisas tidas como naturais e verdadeiras contra aquilo que não sabemos explicar.

A nova maneira de montar o elenco é um alívio. Jamie Dornan e Jude Hill repetem sua relação de pai e filho de “Belfast” com a mesma boa dinâmica que foi uma das poucas notas positivas daquele filme. O resto do elenco entra na brincadeira e no jogo de mistérios atuando como personagens de Christie, misteriosos e dúbios, sem que a gente nunca tenha certeza de nada sobre eles e esse é um dos trunfos de escalar atores menos conhecidos, nossas impressões sobre eles são construídas pela câmera. Branagh está mais tranquilo como Poirot, personagem sempre deprimido e egocêntrico agora ocupa a tela dando espaço para o público entrar na dinâmica do quebra-cabeças montado frente ao protagonista.

Eu ainda me incomodo muito com o que Branagh considera boa direção, um excesso inexplicável de planos holandeses, uma obsessão por filmar coisas que não importam, mas em relação aos seus dois filmes anteriores ele melhorou bastante. A redução dos efeitos de computação gráfica permite que o público imagine o cenário que hospeda quase toda a história, assim como a sua interpretação de Poirot, ele como diretor parece dar mais espaço para que o filme aconteça naturalmente. E, sendo um diretor que tenho uma opinião muito negativa, me vi completamente imerso e envolvido no mecanismo de “A Noite das Bruxas”.

O concorrente, a franquia “Knives out”, caminha para um triste lugar da mesmice hollywoodiana, piadas com cultura pop, pseudo críticas sociais em filmes que não sentem nada, que são apenas ironias redundantes e auto paródias. Em oposição a isso, Branagh está construindo uma franquia honesta, que os personagens e o público são permitidos se divertir com as boas histórias de detetive, e no caminho demonstra se aprimorar enquanto diretor e até arrisca uma ou outra reflexão sobre o mundo, mas com honestidade que torna seus comentários merecidos, ainda que rasos. “A Noite das Bruxas” dá um pouco de medo, instiga, impressiona e faz isso tudo com uma velhice bastante nova.

6,5

Anterior
Anterior

Crítica | Os Pássaros

Próximo
Próximo

Crítica | Juventude Transviada (1955)