Crítica | Belfast

Baseado na sua infância em Belfast, Kenneth Branagh mistura todos elementos de Oscar Bait, mas esquece de fazer um filme.

Nessa época do ano já é esperado, alguns filmes indicados ao Oscar vão ser repetição de fórmulas consagradas nas últimas duas décadas criadas e repetidas para ganharem não só esse prêmio mas Globo de Ouro, BAFTAs e outros semelhantes, os estúdios não se interessam em produzir nada que não seja blockbuster ou não possam ser transformados em iscas de premiações, pois uma simples indicação e um possível prêmio em uma das categorias mais valorizadas se converte em aumento instantâneo de bilheteria. “Belfast” utiliza inúmeras estruturas, técnicas e métricas que obtiveram sucesso nos últimos anos na temporada de prêmios e suas sete indicações ao Oscar (incluindo melhor filme e melhor diretor) comprovam que o nefasto sistema dos estúdios funciona, pois o que não tem nesse filme é sentimento verdadeiro ou cuidado para realizar uma obra coesa com algo a dizer, apesar de se tratar da infância do próprio diretor, que imagino se conecte emocionalmente com a história, o roteiro soa superficial e distante dos personagens e busca pouco que o público se identifique com eles, os deixando sem personalidade nem desenvolvimento, as situações e os conflitos são mal elaboradas e mal resolvidas e a absoluta falta de lógica interna evidenciam a bagunça e o descuidado de Branagh com o próprio filme.

Buddy (Jude Hill) é um menino de nove anos morador de um bairro operário em Belfast, Irlanda do Norte, sua família, protestante, é formada pela mãe (Caitríona Balfe), o irmão mais velho Will (Lewis McAskie) e seu pai (Jamie Dornan), que trabalha com construção na Inglaterra e só a cada 15 dias vai ver a família, seu avô (Ciarán Hinds) e sua avó (Judi Dench) são também muito presentes na casa. “Belfast” começa em agosto de 1969 quando os conflitos entre católicos e protestantes tomaram conta da Irlanda do Norte e o bairro de Buddy é palco de um violento conflito organizado por protestantes para atacar as casas católicas da rua, a partir daí sua rua é barricada pela população e colocada em sítio pelo exército inglês para impedir a escalada da violência. Buddy presencia tudo a partir da sua visão de criança e experiencia os impactos na sua casa com os problemas da sua família como os problemas financeiros e conjugais entre sua mãe e seu pai e a saúde debilitada do seu avô misturados com a pressão de vizinhos protestantes para que seu pai e seu irmão mais velho entrem na milícia anti-católica, o protagonista ainda lida com as quesões típicas da infância, a tentativa de se enturmar com sua prima e uma paixão pela colega de aula que é a melhor aluna da turma levando a sua vontade de melhorar suas notas para sentar do lado dela. Quando seu pai recebe a proposta de mudar a família para Inglaterra permanentemente para ter melhores condições de vida a crise de Buddy e seus pais aumenta pois isso significa deixar para trás Belfast e todas suas raízes formadas e se tornarem estrangeiros num lugar estranho em que as pessoas falam de maneira diferente, refletindo a experiência de Branagh na infância e também lidando com um tema bastnte comum das migrações forçadas por conflitos internos, problema presente no mundo até hoje.

O maior problema de “Belfast” é a incapacidade de estabelecer e desenvolver uma trama com precisão, são muitas subtramas e desvios no caminho de Buddy que na metade do filme fica difícil de lembrar a quantidade de probelmas que precisam ser resolvidos o resultado é uma série de resoluções sem nenhum sentido, com consequências quase cômicas e que fogem do caminho lógico para que funcionem no conjunto geral do filme, mas sem conseguir fazer isso. A conclusão mais ilógica é na trama sobre a prima de Buddy, uma criança um pouco mais velha, ela demonstra alguns pequenos preconceitos contra os católicos e influencia o protagonista a entrar na gangue dela, sem explicar do que se trata, no segundo ato isso se concretiza ao fazê-lo roubar uma bala em uma loja, uma ação que não é incomum na infância. O assunto é encerrado até os momentos finais da película em que a personagem puxa Buddy para se juntar a sua gangue que na verdade se trata da milícia anti-católicos, duas crianças participam de um assalto a um pequeno mercado e durante o violento conflito Buddy volta para casa mostrando para mãe o sabão em pó que roubou gerando a improvável reação de sua mãe que é levar seu filho criança para uma zona de guerra para devolver um sabão em pó roubado. Esse momento ilustra a maneira preguiçosa e negligente que Branagh conta sua própria história, se Buddy e sua mãe precisavam estar naquele lugar para o clímax do filme, certamente havia diversas maneiras mais coerentes para isso acontecer, o roteirista apenas escolheu a maneira fácil.

Visualmente “Belfast” é superficial e mentiroso, Branagh usa sua câmera como se fosse um amador para criar composições e movimentos que para dar a impressão de uma película com complexidade artistíca, o diretor porém “esquece” (uso aspas porque a carreira de Branagh me dá a impressão que aqui se trata muito mais de preguiça ou charlatanismo do que esquecimento) que usar técnicas aparentemente elaboradas sem demonstrar a vontade de dar para elas identidade ou significado não é bom fazer artistíco, é na verdade uma elaboração pseudo-profunda, uma simulação de um bom filme sem na verdade se preocupar em preencher a técnica escolhida com sentido objetivo ou subjetivo. E isso tem sido uma constante na temporada de premiações, os oscar baits se tornaram um mal cada vez mais presente e muitos deles mentem para seu público sobre sua intenção intelectual, mentem que possuem alto valor artistíco, que suas belas composições de quadros possuem profundos significados, que seu uso medíocre de regras básicas de fotografia o qualificam como uma grande obra, quando na verdade os transformam (“Belfast” e diversos outros longas feitos para ganharem indicações a oscars) em trabalhos absolutamente esquecíveis, pois ninguém lembra de histórias que são sobre nada, mas enganam o suficiente para a memória curta dos membros da academia as indicarem a 7 ou 8 prêmios e garantindo o retorno financeiro para os estúdios, uma banalização tenebrosa do cinema hollywoodiano.

Nesse sentido, “Belfast” é só mais um resultado da linha de produção de oscar bait montada nas últimas duas décadas pelos maiores estúdios dos Estados Unidos e Inglaterra, mesmo tratando da história da vida do diretor e roteirista não há qualquer sinal da autoria dele, havendo completa falta de sentimento e subjetividade, o que demonstra a capacidade cada vez mais afiada dos estúdios de sugarem a arte das narrativas em troca de umas indicações, os diretores topam isso em troca de alguma fama passageira e aparentemente nada mais, porque se Kenneth Branagh a essa altura da carreira não tem liberdade para fazer um filme autoral nenhum outro diretor no circuito dos oscar baits terá. O roteiro medíocre, a composição visual sem coerência interna, a dificuldade de estabelecer pontos temporais e espaciais para compreendermos Buddy e sua família e a direção preguiçosa de Branagh afundam essa produção com poucos momentos que se salvam, mas o desastre de “Belfast” não é o de um filme que será eternamente lembrado como um dos piores de todos os tempos é o do esquecimento completo que receberá, a história do cinema não tratará a película nem como algo notoriamente ruim, simplesmente não será lembrado e o problema é que a intenção do estúdio foi exatamente essa, produzir algo que depois do dia 27 de março não importa mais para ninguém, e serve apenas como um atestado da mediocridade que Hollywood mergulhou.

0,5

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