Crítica | Barbara
Construindo a Fênix
Em seu último filme antes de Phoenix, Petzold se aproxima cada vez mais do auge de seu Cinema
É bem provável que Phoenix seja a principal porta de entrada para o Cinema de Christian Petzold, o que acaba sendo algo bom e ruim ao mesmo tempo.
Bom porque é um de seus melhores filmes (pra mim, ficando atrás apenas de Trânsito) e pode fazer com que as pessoas queiram descobrir o resto, mas ruim porque tudo que tinha feito até então era em preparação para o filme que melhor reúne todas as suas tendências. E que, definitivamente, funciona ainda melhor quando se conhece o Petzoldverse.
Este um universo onde o Cinema está acima das outras artes que o compõe, onde texto é menos importante que sub-texto e contexto, onde um olhar comunica coisas que outros cineastas verbalizariam. Em Barbara, um filme que não deixa de ser referencial como todas as suas obras, seu melodrama característico quase se esvai na frieza de uma Alemanha pré-unificação, onde o sentimento de culpa pós-guerra corrói, e o medo de ficar sozinho e esquecido é maior que o da própria vida. Nesse sentido, é seu filme mais sombrio e impiedoso, com ecos de Bresson (principalmente Diário de Um Pároco de Aldeia) e aquém das “divertidas” dinâmicas Hitchcockianas de outros de seus filmes.
A ESTÉTICA DO ABANDONO
Outra característica marcante do cânone Phoenix é intitular o filme com o nome da protagonista (seja ela interpretada pela brilhante Nina Hoss ou pelo estado das pessoas em Trânsito), aqui, Barbara é uma médica competente e carinhosa, mas que em momento algum quer viver a vida a qual foi delegada, sendo transferida para uma cidadezinha como punição por sua tentativa de deixar o país, prestes a entrar em caos novamente.
Se Yella puxava de Kurosawa (Kiyoshi, não Akira) e Jerichow do Noir e dos Dardenne, este me parece uma versão minimalista de um filme de David Fincher, onde a câmera mira e acompanha a ponto de gerar um envolvimento voyeurístico, mas se diferenciando do conhecido diretor norte-americano ao recusar o detalhismo e focar não em uma trama chocante, mas na decadência dos arredores e na tragédia dos indivíduos. Nina está sempre sentada, encostada, cansada, isolada. Seus passeios de bicicleta provocam pouca alegria se não um senso de liberdade controlada, vemos seus momentos de felicidade de longe, não há close-up em um sorriso, mesmo seus risos são mudos.
Se qualquer coisa, é um filme que confia demais em nossa empatia com a situação de Barbara, e acaba gerando menos conflitos, temáticos e de trama, do que Jerichow, por exemplo. Não há necessidade de vilania em seus filmes, esta está implícita em como escancara os fragmentos de humanidade restantes, mas os momentos de revista da casa soam quase gratuitos sendo que parecem não influenciar em nada nossa relação com a protagonista.
Apesar dessa ausência de momentos de tensão ser também uma diferença, Petzold se distancia de verdade de Bresson - e de Fincher também -, ao apontar para uma direção romântica, novamente mirando no filme que faria a seguir. Denso a ponto de quarenta minutos pesarem como duas horas, quando finalmente vemos o brilho das asas em Nina é em uma rima potente: Petzold a filma conduzindo a bicicleta lado a lado com André (o também ótimo Ronald Zehrfeld, com quem ela contracena em Phoenix), os vemos de frente e um semi-jump cut acelera a viagem sem sairmos do enquadramento. É uma cena que quase quebra a unidade do filme, com iluminação quente em um plano aconchegante, onde seus sorrisos não apenas os desarmam, mas os possibilitam.
E assim Barbara encontra sua liberdade, não ao fugir para longe de casa, mas ao se permitir encontrar uma nova. E Petzold comunicar isso com o mais simples plano/contraplano, sem a necessidade de meia palavra, é a comprovação de sua maestria sobre o próprio estilo, que se soa quase acanhado por boa parte do filme - o que o impede de alçar voos maiores -, estava ali pronto para renascer naquela que é sua obra prima.