Crítica | A Dama na Água
A cinefilia brasileira é como uma cebola: conforme você conhece as novas camadas sente mais e mais vontade de chorar.
Afinal, esta é a única resposta possível para pessoas que defendem incondicionalmente M. Night Shyamalan como um dos melhores diretores da atualidade e ignoram a inabilidade de boa parte de seus filmes de atingir as pessoas, de um modo geral. E caso você seja um destes, saiba que gosto do Cinema de Shyamalan, mais do que a média que jamais deixa a superfície, mas não o suficiente para me afogar na mesma piscina da qual Story surge como salvadora da sétima… ou melhor, como um ser que precisa ser salvo pelo salvador da sétima arte.
E apenas este elemento do roteiro simplório de Shyamalan já deveria ser o suficiente para enfurecer qualquer um: ao nomear a personagem principal de “Estória” e ao se escalar como o responsável por escrever algo tão importante que fosse fazer a menina ascender aos céus, Shyamalan basicamente se auto-proclama uma espécie de Messias, como se seus filmes fossem dádivas divinas que resgatam algo a muito perdido no Cinema. O que esse algo é até não é difícil de entender, inclusive, pode se dizer que ignorando o ego megalomaníaco - e visivelmente frágil como vidro (ha) - do cineasta é possível dizer que suas intenções são louváveis, pois a melhor leitura que se pode fazer de “A Dama na Água” é de que é um filme que resgata a originalidade e a crença em algo extraordinário. Claro que ao ter personagens literalmente mastigando isso (“as vezes queria voltar a ser criança” ou qualquer coisa do tipo) diminui o impacto do que era para ser uma descoberta coletiva.
Aliás, o filme já começa com um erro irremediável e indefensável: ao nos apresentar àquele mundo com uma pequena introdução animada, assinamos um acordo imaginário de suspensão da descrença e entendemos que vamos assistir a algo fantástico, o que anula completamente o maravilhamento que possa vir de vermos os personagens fazerem essa descoberta. Ali, com minutos de filme, já não estamos mais lado a lado com aquelas pessoas, mas sim esperando que elas nos alcancem. O que vem por meio de dispositivos de roteiro que, além de não fazerem qualquer lógica narrativa (porque não pede para que a senhora conte toda a história logo?), soam tão óbvios que a única opção é rir, ainda mais quando o filme se autoproclama original - pela boca do crítico que também representa o ego de Shyamalan ao julgá-los como incapazes de entenderem a grandeza de sua obra, e que poderia ser uma piada muito efetiva em um filme que se levasse menos a sério.
Inspirado em histórias que o diretor inventava para seus filhos na hora de dormir, “A Dama na Água” tão pouco oferece para o público infantil, pois por mais óbvias que sejam suas metáforas, elas só servem para o público adulto. E eu adoraria alguém tentar me justificar porque este filme é mais mágico do que, vamos dizer, a trilogia “Senhor dos Anéis” ou a saga “Harry Potter”, ambos praticamente contemporâneos onde a descoberta fantástica daqueles mundos se dá por aventuras que não apenas impressionam visual e criativamente, mas têm um efeito transformador também em seus personagens. Veja bem… o que e quem é Story? Ela não tem nenhum traço de personalidade ou complexidade, quer apenas servir um propósito - o que é sintomático com seu nome - e mesmo o afetuoso Sr. Heep (gostei de Paul Giamatti e de como mostrou toda a dedicação do personagem à ajudar os outros) passa por essa jornada sem que percebamos ser um ser humano diferente. E o que dizer do show de estereótipos que compõem aquele complexo e que servem, também, apenas como dispositivos?
Não há catarse, todos aceitam a loucura daquela história com naturalidade - alguns até mesmo fora da tela - o que também derruba a ideia de que temos que “voltar a acreditar” quando naquele universo todos acreditam. E embora eu goste da maneira como o filme se abrace em uma mise-en-scène menos carregada esteticamente, justamente evidenciando o extraordinário no comum, Shyamalan à trai ao recorrer à uma tensão artificial por conta dos artificiais cachorro-grama que parecem vindos de qualquer outro dos blockbusters feitos na mesma época e servem, de novo, apenas como recursos vazios do roteiro e que praticamente delegam o papel de vilões que deveria ser dos humanos e da tecnologia a algo tão mágico como as próprias Narf (ou nada!).
Doze anos depois, uma versão que considero infinitamente superior à “A Dama na Água” no ambicioso “Under The Silver Lake” seria feita, um filme que te faz acreditar e então derruba suas pernas e que soa muito mais verdadeiro e sincero. Há sim uma falta de esperança, de crença no incrível na sociedade atual, mas se ela acontece é porque, pela primeira vez, todos estamos cientes do mundo terrível lá fora. Ao menos pra mim, se for para me aventurar em um mundo mágico, prefiro vê-lo e senti-lo para, nem que seja por poucas horas, esquecer da vida real.