Crítica | Marjorie Prime

critica marjorie prime

Li uma descrição perfeita desse filme, que seria como um episódio de “Black Mirror” dirigido pelo Tailandês Apichatpong Weerasethakul, apesar de abdicar em parte do choque/horror do primeiro e da lentidão proposital do segundo.

Envolvendo temas não apenas inquietantes, mas relevantes desde já em uma sociedade que cada vez mais se pergunta como fazer para cuidar melhor de sua população idosa, o longa nos coloca no drama de uma família que compra um holograma para fazer companhia à mãe de Tess, Marjorie, que escolhe a versão mais jovem do marido como definitiva.

Baseado em uma peça e roteirizado e dirigido por Michael Almereyda, “Marjorie Prime” nem sempre parece ser destinado à telona do cinema, algo que o próprio filme parece aludir quando tem uma cena chave envolvendo um filme de Cameron Diaz sendo assistido em uma televisão. Em boa parte de suas cenas vemos os personagens sentados, o que se movimenta são as conversas e discussões entre eles e que não apenas nos fazem entender melhor a dinâmica daquelas relações, mas a densidade do texto que consegue com um exemplo micro dissertar sobre a natureza do macro. Alguns diálogos são mais óbvios que outros, como quando Tess fala à Jon como estudos indicam que não nos lembramos do que realmente aconteceu, mas sim da última vez que nos lembramos de algo, por isso a memória sempre se afeta e cada vez mais se torna apenas um fragmento, uma essência.

Mas essa literalidade jamais tira o peso das palavras. Em seus melhores momentos o filme não apenas me deixou instigado, mas apreensivo por antecipar problemas que com certeza virão, e me questionar quanto à efemeridade da vida: tudo que vivemos é só o agora, no momento que acaba se torna memória, e no momento seguinte essa memória já pode nem mais existir. Aqueles hologramas podem trazer as feições, as histórias, os trejeitos, mas mesmo que sejam capazes de sentir, não sentiram o mesmo que as pessoas que são programados para imitar. Por isso é crucial que o filme volte às memórias e as mostre como são lembradas: uma por conta do filme na TV, a outra tão afetada pela felicidade que traz consigo que Jon e Tess parecem destacados em meio à um fundo surrealista.

Há, porém, uma certa inconsistência na abordagem: se as cenas diurnas fazem com que o sol surja ofuscantente, remetendo à como memórias são comumente retratadas no Cinema, e como a própria casa tem vista para uma praia com neve que lembra “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, em certos momentos é como se Almereyda voltasse ao território “Black Mirror” abusando de sombras em cômodos escuros que até servem como uma maneira de revelar os pensamentos mais obscuros daquelas pessoas, mas que causam uma estranheza desnecessária à um filme que consegue arrancar essa tensão sem forçar. Por outro lado, o diretor conduz seus atores perfeitamente, extraindo todas as camadas de humanidade de cada um deles para então nos depararmos com seus hologramas estéreis. A vulnerabilidade de Lois Smith, que ameniza seu gênio forte é comovente, e enquanto Geena Davis jamais nos permite ver Tess de verdade (isso é um elogio), Tim Robbins encanta com o companheirismo e compaixão com que compõe Jon, mas sugerindo um cansaço inerente que se percebe quando este se encontra “sozinho” com os hologramas.

Com um impacto duradouro, como um filme que discute o poder da memória deveria ter, “Marjorie Prime” é uma ficção científica minimalista que estuda a fragilidade da condição humana de maneira ao mesmo tempo doce e preocupada, apontando para um futuro onde nem mesmo a memória, mas apenas sua essência, exista. Pode ser algo desolador de se pensar, mas no fim o que importa é como vivemos essas memórias, e não seu (e nosso) inevitável fim.

8.7

Anterior
Anterior

Crítica | A Dama na Água

Próximo
Próximo

Crítica | Pendular