Crítica | Pendular
Pendular é um filme que, de certa maneira, salienta a diversidade do Cinema Brasileiro.
No mesmo país que “surgiu” para o mundo da sétima arte com obras que mostravam a pobreza do nordeste e a corrupção do centro do país, temos esta pequena e minimalista dissertação sobre a arte e o artista, se delimitando na relação entre um casal branco que faz questão de morar em um prédio abandonado. Ela é dançarina e Ele escultor, e dividem seu espaço de trabalho com uma fita vermelha no chão - mais conceitual que isso, só se ele fosse fotógrafo e tirasse fotos dela pelada na janela pra mostrar sua individualidade e independência.
Abraçando sua identidade de maneira que se torna possível simpatizar com aquele drama inútil - a arte, afinal -, até o ramo de ambos grita algo que foge do mainstream. Ao invés de Cinema, Música, Literatura e Pintura, temos Escultura e Dança, duas das artes “menos lembradas” hoje em dia ao lado da Arquitetura (acredito que boa parte dos estudantes nem sequer saiba que estão entrando em um meio “artístico”) e é claro que ele não faz obras deslumbrantes com musas inspiradoras, mas sim peças de sucata que jamais tomam qualquer forma discernível, ao passo que ela cria rotinas que dificilmente atrairiam mais do que alguns poucos (percebam como ela rejeita as ideias do amigo ilustrador para atrair mais público), fazendo, por comparação, com que um ballet de quatro horas soe como uma ideia extremamente interessante mesmo para o jovem que joga jogos com o namorado e o chama de cabaço, mesmo que provavelmente o seja no sentido literal. E, claro, temos três cenas de sexo e duas delas envolvem o buraco de cima, não apenas fugindo de qualquer traço de “sensualidade”, mas surgindo como uma representação física do duelo por espaço daqueles dois.
Porém, novamente, a cineasta Julia Murat abraça essa identidade cult, e chega até a brincar em certos momentos: aqui um amigo comenta sobre como a linha é algo extremamente conceitual, ali o adolescente virtual conversa com Ele (os protagonistas não tem nome (!)) sobre a versão Indie de Mario que estão jogando. Mais importante que isso, Murat, que também roteiriza o projeto, faz com que suas expressões artísticas conversem diretamente com o relacionamento dos dois, transformando o pêndulo do título em algo presente física e conceitualmente. A rotina de dança com o parceiro envolve equilíbrio, a brincadeira com as cadeiras também, enquanto o jogo que Ele inventou sobre fazer círculos que não se cruzam é uma metáfora reveladora sobre como Ela consegue conviver com Ele sem invadir seu espaço, mas Ele não. A própria geografia do apartamento horizontal e sem paredes, e a maneira como Murat a filma panoramicamente, como que pendendo para um lado ou para outro, fazem esta ideia tomar ainda mais forma.
Há momentos, no entanto, que se afogam na auto-indulgencia de sua abordagem, como ao quebrar a lógica visual quando Ela decide assistir algo e este algo é filmado com uma torradeira, e em todo o ato final em si que parece tentar esticar ao máximo esse conceito de conceitualidade, sem elevar também a auto-consciência que faz dos dois primeiros uma experiência tão valiosa. Sinto também como se a composição de Raquel Karro e Rodrigo Bolzan tirasse dessa ideia central de discutir arte, sendo que os dois aparecem muito mais intensos em relação ao outro que à arte que criam. O que funciona quando pensamos que um é a dialética, o obstáculo que impede a criação do outro, mas que enfraquece a dinâmica que, em tese, rege toda a abordagem do filme.
Fascinante também como “Pendular” foi lançado no mesmo ano em que “Bingo” fez sucesso: se um mostra os dramas de artistas que sofrem, e praticamente vivem, como conceito, o outro mostra a capacidade destrutiva da arte para um indivíduo que enxerga nela menos uma expressão e mais uma sobrevivência. De um lado temos pessoas que dançam peladas e constroem sucata para expressarem sua singularidade, do outro um homem que mascara sua identidade para atrair a pluralidade.